O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 15 de julho de 2017

Leopoldo López, um golpista consequente

 Por Roberto Montoya*

“ Aos militares que hoje estão nas ruas quero mandar-lhes uma mensagem muito clara, muito serena e dentro da nossa Constituição: vocês também têm o direito e o dever de revoltar-se, de revoltar-se perante ordens que tentam reprimir o povo venezuelano”.
Estas são algumas das frases que Leopoldo López disse num dos últimos vídeos que gravou, em Junho passado, na prisão militar de Ramo Verde.
Neste e noutros vídeos, gravados antes e depois, por López, na prisão, o líder da Vontade Popular, um dos partidos mais ultras da multifacetada coligação opositora MUD (Mesa de Unidade Democrática) denunciou a “tirania” de Maduro, a “brutal repressão” e “a falta de liberdade de expressão”.
Como é que López fez chegar, então, estas denúncias ao exterior das masmorras venezuelanas? Escrevendo-as em código num papel minúsculo que conseguiu passar clandestinamente à esposa, numa das suas visitas? Não, nada disso, o homem, que pretende afastar o seu adversário Henrique Capriles da liderança da MUD e tem pressa em ser presidente da Venezuela, gravou isto em vídeo. Alguns dos vídeos, de boa qualidade como se pode apreciar no Youtube, têm vários minutos, e foram difundidos amplamente nas redes sociais, televisões venezuelanas e de todo o mundo, graças à ampla e cara maquinaria mediática que o seu partido, uma vez mais, pôs em marcha.
Poderia fazer algo semelhante um preso em cárcere de um país europeu avançado, democratíssimo e garante dos direitos como o Estado espanhol? De que modo reagiriam um governo como o de Mariano Rajoy, os tribunais de Justiça e os meios de comunicação espanhóis, se um preso fizesse um apelo semelhante?
Se as penas são proporcionais ao delito, que opinaria a Procuradoria da Audiência Nacional que pediu 50 anos de prisão para aqueles que agrediram ao murro, em Alsasua, dois guardas civis, se tivessem de julgar López por ter sido o primeiro instigador, em 2014, das violentas revoltas de rua contra o governo constitucional venezuelano, que deixaram o saldo de 43 mortos, dos dois lados?
Aceitariam o governo, os tribunais e os meios de comunicação espanhóis, conceder o estatuto de preso político a golpistas reincidentes, como López e muitos dos detidos nos últimos 3 meses, alguns dos quais lincharam activistas chavistas, incendiaram dezenas de armazéns dos CLAP (centros governamentais de distribuição de alimentos) e tentaram tomar de assalto a sede do Tribunal Supremo e outros edifícios públicos?
São presos políticos os que mataram a tiro, no início de junho passado, numa barricada, o juiz Nelson Moncada, que ratificara a condenação de López.
Poucos dias depois de conhecer-se o vídeo em que López incitou os militares venezuelanos a rebelarem-se, outro salvador da pátria fazia-se eco desse apelo. Óscar Pérez, um inspector da polícia e actor ocasional de filmes de acção, atacava com granadas e disparos de um helicóptero roubado com a ajuda de outros polícias, as sedes do Ministério do Interior e do Tribunal Supremo.
Outro dirigente opositor, líder estudantil da Universidade Central de Venezuela e deputado de Primero Justicia, Juan Requesens, dizia, numa conferência na Flórida, a 5 de Julho passado, que “para chegar a uma intervenção estrangeira temos que passar por esta etapa”, em referência aos actuais confrontos na rua. A etapa actual é apenas um pré-aquecimento.
Nem López nem o inspector Pérez conseguiram o apoio militar que esperavam, como tão-pouco conseguiu Julio Borges, o também presidente opositor da Assembleia Nacional, que vem fazendo constantes apelos públicos às forças armadas a que se decidam “pelo lado do povo”.
Convencidos de que não conseguirão fracturar as Forças Armadas para o derrube pela força de Nicolás Maduro, os sectores mais golpistas da Mesa de Unidade Opositora apostam no “quanto pior, melhor”. Para isso, não lhes basta o boicote empresarial, açambarcamento de mercadorias para especular com os preços, provocar a falta de abastecimento e, com isso, aumentar o mal-estar social, mas é preciso que o mundo inteiro veja sangue nas ruas da Venezuela. Querem mortos, um caos total, que justifique uma intervenção estrangeira e que Luis Leonardo Almagro, secretário-geral da OEA, parece pedir aos gritos.

López, um dos autores do golpe de 2002

Quando Alberto Garzón chamou “golpista” a López no Twitter, depois deste ter saído da prisão, Toni Cantó apressou-se a atacá-lo, logo seguido de Gallardón, porém, o líder da IU replicou, chamando-lhe “golpista reincidente”. E com razão.
Não é necessário ser-se admirador de Maduro e do seu governo para admitir essa realidade. E mais, duma perspectiva de esquerda, pode-se – deve-se, acrescentaria eu – ser muito crítico com a gestão e a deriva que tomou o seu governo em muitos aspectos, mas sabendo, contudo, distinguir sempre claramente o que representou de mudança substancial, para a Venezuela e América Latina, o processo que se iniciou em 1998, na Venezuela, com a chegada de Chávez ao poder e o que representa a “alternativa” opositora, o sector mais ultra e oligárquico da MUD e seus interessados aliados nacionais e internacionais.
Para poder ganhar apoio em sectores populares desconfiados com tantos dirigentes opositores de reconhecidas famílias oligarcas, como é o caso de López, Machado ou Capriles, a MUD há muito que já mudou de táctica e não anuncia, como antes, que vai acabar com as reformas sociais, que levaram a educação, a saúde, pensões e habitação social a milhões de pessoas, prometendo o contrário, que, inclusivamente, melhorarão.
Da biografia de Leopoldo López muitos querem apagar vários episódios, alguns deles relacionados com os seus problemas na Contraloría General de la República, que o imputou, na década passada, por receber uma quantia milionária da Petróleos de Venezuela (Pdvsa, a poderosa empresa, da qual era funcionário e a mãe dele alta executiva) para financiar o seu partido de então, Primero Justicia, do que se separaria logo, pelos seus choques com Capriles. Também foi sancionado, em 2009, pelo desvio de grandes verbas dos fundos da Câmara de Chacao, no estado de Miranda, à frente da qual esteve entre 2000 e 2008.
Para alguém que está a acusar constantemente o Governo de Nicolás Maduro de “corrupto” não são precisamente bons os dados do seu currículo. Mas talvez os mais incómodos antecedentes de alguém que, como López, se auto-erigiu em defensor da democracia e das liberdades, são os de 2002, os do golpe de Estado contra Hugo Chávez.
López, como o seu rival interno, Henrique Capriles, e como muitos outros dirigentes actuais da MUD, apoiaram abertamente o golpe de Estado de 12 de Abril desse ano, porém López, tal como María Corina Machado, líder de Vente Venezuela, estiveram, além do mais, entre os cerca de 400 ilustres subscritores daActa de Constitución del Gobierno de Transición Democrática y Unidade Nacional, conhecida como Decreto Carmona ou Carmonazo, do nome do efémero presidente de facto, Pedro Carmona, nada menos que o presidente da Fedecámaras, a confederação do grande patronato.
Através dessa acta decidia-se dar plenos poderes a Carmona, suspender a Assembleia Nacional, assim como todos os cargos públicos, nacionais, regionais e municipais, que o presidente decidisse, e prometia-se convocar eleições gerais no prazo máximo de um ano. Não tardou nada a conhecer-se a caça às bruxas prevista após o golpe, assim como a anulação das importantes reformas sociais impulsionadas pelo governo e ainda a privatização e reprivatização de empresas públicas que se seguiriam.
Mudando o nome de Chávez pelo de Maduro e alguns pequenos detalhes de argumentação, López e Machado certamente subscreveriam de novo aquele Decreto Carmona, se pudessem provocar a queda violenta de Maduro. Assim que López saiu da prisão apelou, da sua mansão, à “resistência”, animando os “jovens dos escudos” que inflamam, cada vez mais violentamente, as ruas de alguns bairros de Caracas.

Vargas Llosa: “És um herói da paz”

A acontecer um cenário do género, a conseguir-se consumar, hipoteticamente, com êxito, um golpe contra Maduro, alguns dos primeiros que o aplaudiriam no exterior, além dos grandes democratas como Trump, Macri, Temer ou Uribe, seriam Felipe González, Aznar, Rajoy, Rivera e os mesmos grandes grupos mediáticos espanhóis, que já celebraram, em 2002, nos seus editoriais e desinformações o frustrado golpe de Estado contra Hugo Chávez, com o El País e o grupo Prisa à cabeça.
Das masmorras de Maduro, entre tortura e tortura, Leopoldo López não só gravou vídeos que enviou para o exterior, como também escreveu um livro, Preso pero libre. O prólogo, claro que sim, é de dom Felipe González, ligado estreitamente, desde há anos, à mãe de López, Maria Antonieta Mendonza de López. A mãe do líder opositor foi, desde o ano 2000 até há muito pouco tempo, pelo menos, a Vice-Presidente de Assuntos Corporativos do holding Organización Cisneros, propriedade do magnata Gustavo Cisneros, grande amigo e sócio de Felipe González. Cisneros, que, segundo o número da Newsweek, de 22 de Abril de 2002, poucos dias depois do golpe de Estado, esteve “no vértice” do mesmo, fez a grande negociata da compra-venda das Galerías Preciados, graças a uma escandalosa e falada operação financeira, facilitada pelo governo de Felipe González.
A poderosa mãe de Leopoldo López Mendoza também é membro da Cámara Venezuelano-América de Comercio e Industria e membro também do Comité de Medios de Comunicación de Venamcham.
Aznar mantém igualmente uma excelente relação com Cisneros e não foi por acaso que lhe concedeu a nacionalidade espanhola uns meses antes do golpe de Abril de 2002.
Na apresentação do livro em Madrid, em Março de 2016, Mario Vargas Llosa disse que López era “um herói do nosso tempo, um herói da paz, um herói civil”. E, na coluna que dedicou ao golpista reincidente, em El País, poucos dias depois, o Nobel assegurou: “Leopoldo López é um idealista e um pacifista convencido. Os seus modelos são Gandhi, Mandela, Martin Luther King, Vaclav Havel, a madre Teresa de Calcutá e, como convicto crente que é, Cristo”.
A exaltação que se fez, em Espanha, de López, é, sem dúvida, uma aposta decidida na linha mais dura e beligerante da oposição venezuelana, não na oposição em geral, que incui forças reivindicando-se da socialdemocracia.
Tanto Leopoldo López, como Corina Machado recusaram sempre qualquer diálogo com o governo, primeiro com o de Chávez e, depois, com o de Maduro. Recusaram, igualmente, participar, durante anos, nos processos eleitorais e aceitaram contra vontade a mudança de estratégia e o resultado das primárias da MUD, que elegeram, em 2012, Henrique Capriles como candidato à presidência. Após os contínuos fracassos eleitorais da MUD, López e Machado atribuíram à “tibieza” de Capriles as derrotas sofridas, tanto frente a Chávez como, depois, a Maduro e, em 2014, optaram pela violência nas ruas, lançaram La Salida, um plano de manifestações violentíssimas, durante semanas e semanas. Procuravam que as Forças Armadas se fracturassem e que a gente “dos cerros” baixasse em massa como no Caracazo de 1989, contra os planos de ajustamento do governo de Andrés Pérez – o outro grande amigo de Felipe González – que se saldou com centenas de vítimas ou como tinha baixado, em Abril de 2002, para enfrentar e derrotar o golpe de Estado contra Chávez.
Mas a gente dos “cerros”, nesta ocasião, não baixou, como pretendia López, apesar da penúria que passa e as Forças Armadas tão-pouco se rebelaram.
Foi por causa dessas revoltas de 2014, extremamente violentas, que López foi detido e condenado a 13 anos de prisão, dos quais cumpriu três anos e meio, antes de se lhe conceder a actual prisão domiciliária.
López já desalojou Capriles da liderança da MUD e, a celebrarem-se actualmente umas novas primárias na MUD, parece evidente que o candidato presidencial, agora, seria López e não Capriles.
O apoio decidido e interessado do governo, de políticos, multinacionais e grandes grupos mediáticos espanhóis, que tanto reivindicam a democracia e a liberdade, contribuiu, sem dúvida, uma vez mais, para a estratégia golpista na Venezuela.

* Jornalista e escritor
Texto traduzido de http://blogs.publico.es/otrasmiradas/9528/leopoldo-lopez-un-golpista-consecuente/