O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 27 de setembro de 2014


Nunca tive nada a ver com indivíduos socialistas, a não ser achegas breves com quem se rotulava assim, fugidio como enguia, incapaz de uma atitude que me desse certeza.
Era na noite fascista e a suspeita de lidar com videirinhos estava ainda por confirmar, à falta dos elementos que, hoje, vão além do exigível.

Conhecia, sem dúvida, o que se passara com Marx, a bandalheira da Áustria e que, depois do assassinato de Jaurès, muitos reencontraram o ar puro numa militância comunista.
Mesmo assim, nesta ingenuidade que me trai, quis forçosamente acreditar que, connosco, de certo, as coisas teriam de ser diferentes.

Daí, o assistir incrédulo aos trambolhões constantes do 25 de Abril para cá, ao ponto de os ver passar a direita pela direita.
Quando julgava ter assistido a tudo, eis-me com um espectáculo de uma baixeza sem nome, onde a abjecção é tanta e tão grande que só imagino possível numa parvoeira como a nossa, um pobre país de merda.


Do blogue IRRESILIÊNCIAS

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

 
 
A dúvida surgiu-nos: estará Mia Couto a viver em Moçambique ou em Portugal?
 

 
 



 

O “May be man”

 Por Mia  Couto

 

Existe o “Yes man”. Todos sabem quem é e o mal que causa. Mas existe o "May be man". E poucos sabem quem é. Menos ainda sabem o impacto desta espécie na vida nacional. Apresento aqui essa  criatura que todos, no final, reconhecerão como  familiar.


O "May be man" vive do “talvez”. Em  português, dever-se-ia chamar de “talvezeiro”. Devia tomar decisões. Não toma. Sim­plesmente, toma indecisões. A decisão é um risco. E obriga a agir. Um “talvez” não tem implicação nenhuma, é um híbrido entre o nada e o vazio.


A diferença entre o "Yes man" e o "May be  man" não está apenas no “yes”. É que o “may be” é, ao mesmo tempo, um “may  be not”. Enquanto o "Yes man" aposta na bajulação de um chefe, o "May be man"  não aposta em nada nem em ninguém. Enquanto o primeiro suja a língua numa  bota, o outro engraxa tudo que seja bota superior.


Sem chegar a ser chave para nada, o "May  be man" ocupa lugares chave no Estado. Foi-lhe dito para ser do partido.  Ele aceitou por conveniên­cia. Mas o "May be man" não é exactamente do  partido no Poder. O seu partido é o Poder. Assim, ele veste e despe cores  políticas conforme as marés. Porque o que ele é não vem da alma. Vem da aparência. A mesma mão que hoje levanta uma bandeira, levantará outra amanhã. E venderá as duas bandeiras, depois de amanhã. Afinal, a sua  ideolo­gia tem um só nome: o negócio. Como não tem muito para  negociar, como já se vendeu terra e ar, ele vende-se a si mesmo. E  vende-se em parcelas. Cada parcela chama-se “comissão”. Há quem lhe chame  de “luvas”. Os mais pequenos chamam-lhe de “gasosa”. Vivemos uma na­ção muito gaseificada.


Governar não é, como muitos pensam,  tomar conta dos interesses de uma nação. Governar é, para o "May be Man",  uma oportunidade de negócios. De “business”, como convém hoje, dizer.  Curiosamente, o “talvezeiro” é um veemente crítico da corrupção. Mas apenas, quando beneficia outros. A que lhe cai no colo é legítima,  patriótica e enqua­dra-se no combate contra a pobreza.


Afinal, o "May be man" é mais cauteloso que o andar do camaleão: aguarda pela opi­nião do chefe, mais ainda  pela opinião do chefe do chefe. Sem luz verde vinda dos céus, não há luz nem verde para ninguém.
O "May be man" entendeu mal a máxima  cristã de “amar o próximo”. Porque ele ama o seguinte. Isto é, ama o governo e o governante que vêm a seguir. Na senda de comércio de  oportunidades, ele já vendeu a mesma oportunidade ao sul-africano. Depois,  vendeu-a ao portu­guês, ao indiano. E está agora a vender ao chinês,  que ele imagina ser o “próximo”. É por isso que, para a lógica do  “talvezeiro” é trágico que surjam decisões. Porque elas matam o terreno do eterno adiamento onde prospera o nosso indecidido  personagem.


O "May be man" descobriu uma área mais rentável que a especulação financeira: a área do não deixar fazer. Ou numa  parábola mais recen­te: o não deixar. Há investimento à vista? Ele complica até deixar de haver. Há projecto no fundo do túnel? Ele escurece o final do túnel. Um pedido de uso de terra, ele argumenta que se perdeu a  papelada. Numa palavra, o "May be man" actua como polícia de trânsito  corrup­to: em nome da lei, assalta o cidadão.


Eis a sua filosofia: a melhor maneira de fazer política é estar fora da política. Melhor ainda: é ser político sem política nenhuma. Nessa fluidez se afirma a sua competência: ele sai dos princípios, esquece o que disse ontem, rasga o juramento do passado. E a lei e o plano servem, quando confirmam os seus interesses. E os do chefe. E, à cau­tela, os do chefe do chefe.


O "May be man" aprendeu a prudência de não dizer nada, não pensar nada e, sobretudo, não contrariar os poderosos.  Agradar ao dirigen­te: esse é o principal currículo. Afinal, o "May be man" não tem ideia sobre nada: ele pensa com a cabeça do chefe, fala por via do discurso do chefe. E assim o nosso amigo se acha apto para tudo.  Podem no­meá-lo para qualquer área: agricultura, pescas, exército,  saúde. Ele está à vontade em tudo, com esse conforto que apenas a  ignorância absoluta pode  conferir.
Apresentei, sem necessidade o "May be man". Porque todos já sabíamos quem era. O nosso Estado está cheio deles,  do topo à base. Podíamos falar de uma elevada densidade humana. Na realidade, porém, essa densidade não existe. Porque dentro do "May be man"  não há ninguém. O que significa que estamos pagando salários a fantasmas.  Uma for­tuna bem real paga mensalmente a fantasmas. Nenhum país, mesmo  rico, deitaria assim tanto dinheiro para o  vazio.
O "May be Man" é utilíssimo no país do talvez e na economia do faz-de-conta. Para um país a sério não serve.

 




quinta-feira, 18 de setembro de 2014


Dragui, ou o fracasso da Europa

por Juan Torres López [*]

Quando há pouco mais de dois anos Mario Dragui acabou com a especulação que fazia subir tão perigosamente o prémio de risco de vários países europeus, dentre eles a Espanha, foi aclamado como um herói ao conseguir travá-la com uma simples frase:  "Farei o que for necessário para salvar o euro, e será suficiente". Escrevi neste mesmo diário que em lugar de aplauso merecia ser processado porque acabava de demonstrar que o Banco Central Europeu podia ter evitado o custo financeiro tão impressionante que se estava a gerar para os governos e que toda a Europa se encaminhasse de novo para a recessão e a crise ( Dragui debe ser procesado ).

Agora torna a passar-se praticamente o mesmo. Aplaudem Dragui e o BCE por ser valente e colocar as taxas de juro num nível histórico, supondo que assim vão facilitar que o crédito flua finalmente às empresas e que isso permita levantar a economia europeia. Mas mais uma vez se vão equivocar aqueles que tenham a ingenuidade de acreditar que as coisas vão ser assim.

Na realidade, esta medida in extremis do BCE é a manifestação palpável do seu fracasso e o de toda a Troika na hora de manejar a crise.

A aplicação de políticas de austeridade quando a economia carecia de alimentação nos seus principais motores (o consumo, o investimento privado e as exportações) foi "pro-cíclica", ou seja, agravou a falta de actividade e criou mais encerramentos de empresas, mais paralisação e mais dívida, levando a economias a uma nova fase de recessão. Quiseram aliviar os males do enfermo tirando-lhe a vida e agora percebem que está sem remédio e aplicam uma medida que parece radical e contundente mas que, sem dúvida, vai ser mais uma vez ineficaz. Ou melhor dizendo, favorável só aos grandes fundos especulativos que vêm apostando na baixa de taxas há meses.

Será ineficaz, em primeiro lugar, porque as autoridades europeias não fizeram praticamente nada para resolver o mal de fundo do sistema financeiro europeu que não é outro senão a quebra generalizada dos bancos. Portanto, qualquer dinheiro a mais que estes recebem (tal e como tem sucedido até agora) será utilizado só, na imensa maioria, para tentar sanear seus balanços e aumentar artificialmente suas contas de resultados, tal como têm feito até agora.

Em segundo lugar, porque, ainda que com essas taxas mais baixas se conseguisse que os bancos aumentassem o crédito a empresas e famílias, não se conseguirá que o custo efectivo deste financiamento seja suficientemente baixo quando chegue a eles. Os bancos, graças ao seu impressionante poder de mercado, continuarão a aplicar margens brutais que impedirão que se resolva realmente o problema do financiamento ao conjunto da economia.

Em terceiro lugar, porque a carência de ganhos (de clientes nas empresas e de rendimento disponível nas famílias) obriga-os a dedicarem-se de preferência a reduzir dívida (a "desalavancar-se", como se diz na gíria). De modo que, enquanto não se tomarem medidas que garantam que a actividade real e a procura efectiva aumentem para que assim se encaminhem ganhos suficientes para os bolsos das empresas produtivas e dos consumidores, as políticas de taxas de juro continuarão a ser inúteis para fazer que a economia europeia levante voo. Poderão levar o cavalo à água, talvez, mas não poderão fazer com que beba.

As autoridades europeias afundaram conscientemente a Europa com o único objectivo de salvar bancos e grandes empresas e agora não vão poder levantá-la utilizando o mesmo procedimento.

Albert Einstein dizia que "a loucura é fazer a mesma coisa repetida vezes esperando obter diferentes resultados". E isso é o que se passa com Dragui e o resto das autoridades europeias: estão loucos se acreditam que vão conseguir algo diferente fazendo o mesmo de sempre, por mais lucros na bandeja da banca e das grandes empresas.

A Europa necessita de outra terapia diferente que não cabe no âmbito do capitalismo neoliberal que promovem e impõem (certamente, de modo cada vez mais anti-democrático) as autoridades europeias.

Em primeiro lugar, é prioritário que se resolva o problema da dívida artificialmente gerada pela política do BCE e pela acção especulativa dos fundos financeiros. Todas as instituições e políticas europeias funcionam para criar dívida (desde o momento mesmo em que se impediu que o banco central financie a custo zero os governos – naturalmente sob critérios estritos de estabilidade a médio e longo prazo) e isso – juntamente com o grande poder político acumulado pela banca – é a fonte da crise actual e das que vão continuar a produzir-se.

Em segundo lugar, é imprescindível que se recupere a actividade real, os mercados de bens e serviços, e para isso é obrigatório forçar uma repartição diferente do rendimento para que as empresas (e sobretudo as pequenas e médias) voltem a ter clientes às suas portas e possam contratar novos trabalhadores. A desigualdade crescente é a fonte da recessão actual e não se poderá evitar que seja recorrente enquanto não for combatida com decisão.

Em terceiro lugar, é necessário rectificar a orientação produtiva imposta na Europa nas últimas décadas reconduzindo a actividade sectorial, o modo de produzir e consumir, e reforçando os mercados locais e internos para acabar com a estúpida estratégia de competitividade que, como se vê dia a dia, não é senão uma máquina de empobrecimento mútuo.

08/Setembro/2014

Ver também:

·  BCE passa a conceder empréstimos aos banqueiros privados com juros reais negativos

[*] Catedrático na Universidade de Sevilha, no Departamento de Teoria Económica e Economia Política.

O original encontra-se em
juantorreslopez.com/impertinencias/dragui-o-el-fracaso-de-europa/


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

domingo, 14 de setembro de 2014


Tem Portas toda a razão: Lagarde devia ter referido o sucesso de Portugal, tão grande ou maior que o de Espanha. Mas ficou desculpada, pois fora um “lapso involuntário”.

Respirámos todos de alívio, não fosse dar-se o caso de haver lapsos propositados, à imagem das demissões irrevogáveis que nunca o foram.

Igualmente grave seria pormo-nos a pensar que os políticos profissionais, tal vendedores de feira, moldam o seu discurso ao lugar, momento e público que têm pela frente e que Lagarde, falando em França, mas sabendo-se escutada em Espanha, decidiu vender dois cobertores pelo preço de um só: aos franceses, que não devem rejeitar o bom que é a austeridade e, aos espanhóis, que não devem prestar atenção ao Podemos, mas orgulharem-se do seu governo que transformou a Espanha num modelo.

E o lapso, afinal, não é lapso. Portugal não tem, ainda, um movimento social que ponha em perigo o poder dominante. É em Espanha que “o fantasma do poder popular”, como diz Felipe Alcaraz, está a assombrar a casta das Lagardes.

 

 GOVERNAR SEM GRAVATA

Felipe Alcaraz*

Estão caindo todas as solenidades e carismas do poder. Do poder de sempre e do monopólio de uns poucos. Esse poder que falava em latim, que se distanciava com gestos elegantes, apagava as luzes atrás de si e fechava-se, finalmente, em gabinete, para dizer as coisas a sós. E, sobretudo, para decidir uma mensagem: o poder, nem todos o poderão exercer, nem todos estarão capazes. É um assunto complicado que exige uma imensa responsabilidade.

Pois bem, de pronto, descerram-se cortinas, acendem-se as luzes e aparecem, à volta da mesa, o padre, o banqueiro e o engravatado presidente de Câmara. Esperam, olhando fixamente uma espécie de crustáceo negro: um telefone. A mão invisível e negra que marca a história. Se há resistência, há que marcar o número do posto das forças da ordem.

Em 1848, a família De Tocqueville, espavorida, ouvia, do salão do seu enorme apartamento sobre o Sena, os disparos dos insurrectos, nos subúrbios. Chamaram a criada para que fechasse as janelas e a criada, ouvindo os disparos das espingardas, cada vez mais perto, sorriu. O senhor De Tocqueville expulsou-a, de imediato, do salão, da casa e do posto de trabalho. Sabia perfeitamente o que significava aquele sorriso. Era o sorriso do fantasma.

Um fantasma percorre as redacções, os postos de comando, os executivos dos partidos do regime: é o fantasma do poder popular. As pessoas souberam transformar o seu mal-estar em desejo de unidade e mudança, em capacidade programática, e dispõem-se a tomar o poder. Dispõem-se a fazê-lo e, além disso, sem imitar os gestos, o tom, a roupagem do poder de sempre. As pessoas compreenderam que podem, que sabem governar, que se atrevem a isso e os do regime, espavoridos, compreendem que, mesmo fechando as portadas dos apartamentos, não há força que possa dissuadir as pessoas das suas satânicas pretensões.

Chama-lhe unidade popular, chama-lhe frente ampla, bloco social, unidade política, concreção das convergências sociais… ou, se quiseres, chama-lhe poder popular. Podes, inclusive, falar de frente popular. O certo é que, neste momento histórico, não há pretextos, não há desvios, circunlóquios. A saída da crise só tem duas portas: ou se mantém o regime e a marca branca do neoliberalismo (viram-nos, em Itália, todos com camisa branca?), ou se abre caminho à saída constituinte, democrática, anticapitalista. Que não há maturidade suficiente? É possível: não existe, em Espanha, um demasiado amplo sentido comum anticapitalista. Mas, ou nos lançamos, e lançamo-nos agora, ou o regime organiza os próximos 30 anos sobre a resignação, a divisão e o entreguismo. Assim que se deu a conhecer a possibilidade de uma estratégia de “frente popular”, não só saltaram como molas todos os centros nevrálgicos, que não conseguiram evitar editoriais e clamores de medo, como começou, também, a funcionar o grande batalhão do transformismo mediático.

Gramsci falou do transformismo como operação através da qual o poder, o antigo domínio, coopta, para a sua hegemonia, antigos intelectuais revolucionários, com a missão de integrar, convencer, reduzir, resignar, os batalhões inquietos, através de uma prosa equidistante, sibilina, sedutora. Pois bem, todos/as se puseram ao trabalho de uma só vez. Talvez alguns, depois de tomar um café na bodeguilla [N.T.] respectiva. Mas, não é necessário receber orientações excessivamente explícitas. Basta um gesto, um riso no momento certo, a ridicularização dos pobres (sem gravata), o assinalar dos dogmáticos que não são capazes de perdoar uma derrota histórica, a classificação de “comunistas” com uma displicente sacudidela de mão, própria do senhor De Tocqueville.

E, atenção, não se trata de dizer, agora, que não entenderam nada. Entenderam, sim. Entenderam perfeitamente do que se trata. Simplesmente, o medo começou a mudar de campo e não é preciso arranjar uma gravata para ostentar não se sabe que respeitabilidade, no momento de conquistar o poder e governar através de uma revolução democrática. Eles entenderam isso e as pessoas entenderam que eles entenderam. E é tudo. Agora a história segue o seu curso, esse (glorioso) sujeito histórico que, num dado momento, pode derrubar governos e, até, monarcas recém-recauchutados.

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[N.T.] Cave de vinhos. A da Moncloa, palácio presidencial, ficou conhecida por, aí, Felipe González organizar festas e tertúlias com artistas e intelectuais.

* Doutor em Filologia Românica. Escritor e Professor jubilado da Universidade de Jaén.

terça-feira, 9 de setembro de 2014


BES contrata Deutsche Bank como conselheiro financeiro

Lusa 22 Jul, 2014, 18:32

O Banco Espírito Santo (BES) contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro especializado, com o objetivo de avaliar a potencial otimização da estrutura do seu balanço, segundo um comunicado hoje enviado ao supervisor do mercado português.

"O BES informa que a sua comissão executiva contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro para avaliar a potencial otimização da estrutura do seu balanço", lê-se no documento disponível no portal da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

A intenção de contratar uma instituição financeira internacional para funcionar como conselheira da comissão executiva liderada por Vítor Bento já tinha sido anunciada na segunda-feira, mas só hoje foi revelado o nome da entidade escolhida, o alemão Deutsche Bank.

Nas últimas semanas, foram sendo tornados públicos vários problemas em empresas da área não financeira do Grupo Espírito Santo (GES), que têm levantado receios de contágio ao BES, cuja gestão acabou de mudar de mãos.

O novo presidente executivo do BES, Vítor Bento, que substituiu o líder histórico Ricardo Salgado, disse a 14 de julho, dia em que entrou em funções, que a prioridade no banco é "reconquistar a confiança dos mercados" e pôr fim à especulação.

O Banco de Portugal já veio várias vezes a público garantir a solidez financeira do BES, e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, também já tranquilizou os depositantes do banco.


 
Depois desta notícia nos informar sobre os préstimos de aconselhamento do Deutsche Bank, concluímos que o cozinhado que se prepara, em segredo, no ex-BES, só pode ser indigesto, começando mesmo a cheirar a esturro quando se levanta um pouco a tampa (que o digam os pequenos depositantes enganados na compra de acções ou papel comercial tóxico).
Mas vejamos a razão por que o banco alemão é chamado para “reconquistar a confiança dos mercados e pôr fim à especulação”:

- Em Espanha, o regulador da banca aplicou uma multa ao Deutsche Bank (600 mil euros) por ter comercializado produtos financeiros (lixo tóxico) sem conhecimento dos clientes.
- Na Alemanha, foi alvo de rusga por evasão fiscal e denunciado por ocultar perdas.

- Nos EUA, tem um processo por lavagem de dinheiro.
- Em Itália, “ajudou” o Banco Monti dei Paschi a esconder avultadas perdas.

- Juntamente com outros, manipulou as taxas da Euribor e da Libor.
E muito, muito mais, que o Professor Vicenç Navarro nos conta no artigo que se segue.

 
 
O centro da banca alemã e europeia: o Deutsche Bank

Por Vivenç Navarro*

Um dos exemplos mais claros da continuidade do poder financeiro ao longo das mudanças políticas substanciais, na Europa e em Espanha, é o caso do Deutsche Bank, um dos seis bancos mais importantes do mundo e um dos mais influentes na Europa. A sua sede está ao lado do Banco Central Alemão (o Bundesbank) que, por sua vez, está ao lado do Banco Central Europeu, o eixo do sistema financeiro europeu, cujo comportamento contribuiu, em grande medida, para gerar e manter a enorme crise financeira e económica europeia, que foi particularmente prejudicial para o bem-estar das classes populares de Espanha. Olhe-se como se olhar, o Deutsche Bank teve um papel chave no gerar da grande recessão na Zona Euro, Espanha incluída. É, por isso, importante conhecer as suas origens e a sua história, que adquire especial relevo durante o período de governo do nazismo na Alemanha.
O Deutsche Bank foi o banco pessoal de Hitler, tendo um papel chave no desenvolvimento das políticas nazis, das quais beneficiou largamente. A sua grande riqueza derivou, em parte, da confiscação das propriedades, tanto alemãs como estrangeiras, que o Estado nazi alemão realizou durante a sua expansão para o resto da Europa. Esta realidade, ocultada durante muito tempo, está a ser documentada em julgamentos que as vítimas (muitas delas judias) estão a ganhar na tentativa de recuperar as suas propriedades. Com a colaboração da Gestapo e das SS, o Deutsche Bank arrecadou, nas suas arcas, dinheiro, jóias, quadros e outras propriedades das populações vitimizadas pelo nazismo, que incluíam, além de judeus, outros grupos étnicos e políticos (como comunistas, socialistas e anarquistas), que o nazismo desejava eliminar nos territórios conquistados. É surpreendente que só há relativamente pouco tempo se tenha documentado este enorme latrocínio. O caso mais conhecido é o do Congresso Mundial Judeu, que reclamou, num tribunal de Nova Iorque, a compensação para as vítimas judias. Entre estas vítimas estão populações gaseadas nos campos de extermínio de Auschwitz, campos também financiados pelo próprio Deutsche Bank (John Schmitt, “Deutsche Bank Linked to Auschwitz Funding”, The New York Times, 05.02.1999). A estas denúncias seguiram-se outras, levando o Deutsche Bank aos tribunais, na tentativa de recuperar os fundos e/ou obter uma compensação para as vítimas.

Em Espanha, este banco apoiou, tanto o golpe militar do General Franco, como as ajudas militares do governo nazi a Espanha, obtendo generosos lucros deste financiamento. E é aí onde o Deutsche Bank teve um papel central. À medida que os arquivos do Deutsche Bank se vão abrindo, vai-se descobrindo (meio século mais tarde) o papel central que o dito banco teve no desenvolvimento do Nazismo e seus aliados, o fascismo italiano e o espanhol. Não houve nenhuma tentativa de recuperar o dinheiro roubado a espanhóis, judeus e/ou republicanos, expropriados pelo nazismo ou pelo fascismo em Espanha, contrariamente ao que ocorreu na própria Alemanha, nos países do Leste da Europa e em Itália. A cumplicidade das autoridades espanholas neste esquecimento histórico é um indicador mais da baixa qualidade da democracia espanhola.

O Deutsche Bank gerador da crise actual
O Deutsche Bank, que foi dividido em várias componentes depois da 2ª Guerra Mundial, apareceu, de novo, unido e com grande esplendor, expandindo-se rapidamente pela Europa e pelos EUA, adquirindo outros bancos, com práticas consideradas desapropriadas, inclusive pela imprensa financeira como o Wall Street Journal, o que, considerando a enorme tolerância deste jornal para com comportamentos claramente desonestos, quando não criminosos, da banca, é todo um feito digno de sublinhar. O Deutsche Bank, por exemplo, desempenhou um papel chave no escândalo Enron, quando esta companhia ocultou enormes perdas que causaram a miséria de milhões de cidadãos estado-unidenses. O Deutsche Bank foi também um dos bancos que mais promoveu as hipotecas lixo nos EUA (e, provavelmente, em Espanha), com conhecimento e consciência clara das consequências tão negativas para a população afectada. Na realidade, o Comité do Senado dos EUA, que analisou as causas da crise financeira iniciada em 2007, assinalou o Deutsche Bank como um dos bancos que mais contribuíram para gerar, mediante práticas especulativas, a bolha imobiliária, naquele país, e a sua explosão, criando a maior crise financeira desde princípios do século XX (quando teve lugar a Grande Depressão). Não houve um estudo semelhante no Senado ou na Câmara Baixa espanhola. Se tivesse havido, o Deutsche Bank teria saído, também, muito mal parado. Este banco fez investimentos no valor de 12.000 milhões de euros, muitos especulativos, em Espanha (18.000 milhões, em Itália), tendo sido, igualmente, uma das instituições financeiras mais responsáveis pela crise financeira em Espanha.

A explosão da bolha imobiliária nos EUA criou uma situação de pânico, pois o Deutsche Bank julgou que poderia afectar os seus interesses. Daí que paralisasse qualquer transacção com outros países, incluindo Espanha, o que determinou a explosão da bolha imobiliária. Pois bem, o Deutsche Bank quer recuperar o seu dinheiro em Espanha. Por isso, através da sua influência no governo e Parlamento alemães, estas instituições aprovaram um empréstimo de 100.000 milhões de euros para que o Estado espanhol resgatasse a banca, incluindo o Deutsche Bank. E um dos objectivos dos cortes é o de pagar ao Deutsche Bank, entre outros.
O Deutsche Bank está espalhado por todo o mundo, financiando algumas das maiores violações dos direitos humanos que ocorreram nos últimos anos. Financiou, por exemplo, a empresa mineira AngloGold Ashandi e as suas forças mercenárias (FNI), responsáveis por crimes contra a humanidade na República do Congo. No Sudão, o banco financiou várias empresas petrolíferas responsáveis pelos horrores de Darfur. Na Indonésia, financiou a empresa mineira de ouro e cobre Freeport-McMoRan, conhecida por ter destruído regiões inteiras do país, com contaminação de rios e mananciais, sendo, além disso, uma das maiores accionistas de empresas produtoras de bombas atómicas e urânio.

A Zona Euro está a entrar na terceira recessão (ver o meu artigo “Recuperação? Estamos a entrar na terceira recessão”, Público, 26.08.14 [N.T]). Mas, para a Banca, a situação está a ir muito bem. E o Deutsche Bank não é uma excepção. Segundo a BBC, os lucros deste ano subiram 87% em relação ao ano anterior, com a ninharia de 3.200 milhões de euros. Mas, ao mesmo tempo, continua a despedir os seus empregados, tendo-o já feito com 6.400. Como indicou Reinhard Butikofer, dirigente do Partido Verde Alemão, “é incompreensível para mim que o Deutsch Bank, um dos bancos com mais lucros, actue tão cinicamente, destruindo postos de trabalho, contribuindo para o elevado desemprego na Alemanha”. Conhecendo a sua história, não teria que ser tão incompreensível. É assim que se comportam os que, na prática, governaram e continuam a governar na Europa de hoje.
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[N.T.] A tradução do artigo referido pode ser lida em www.esquerda.net   

Texto original publicado em 28/08/2014, no www.publico.es

 *Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.
 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014


Há os europeístas e os que não o são. Os primeiros acreditam na bondade do capitalismo, os outros vêem a destruição que está a infligir aos países mais pobres e aos pobres dos países mais ricos e exigem justiça social, para todos.
Os defensores da União Europeia evocam a generosidade de princípios que presidiu à criação desta organização: um mercado comum, por via do qual a paz seria instaurada, definitivamente.

Esqueceram-se, contudo, que mercado é sinónimo de capitalismo e que capitalismo significa guerra, guerra do mais forte contra todos os outros.
Chegámos, agora, a um momento em que não é possível mais disfarçar a natureza predadora deste sistema, que gerou a União Europeia e a moeda única, o euro.

O Partido Comunista Português foi o único a rebelar-se contra a integração de Portugal na União Europeia, na altura CEE, e contra a adopção do euro. Carlos Carvalhas não se cansou de mostrar que “um pote de barro” (Portugal) seria feito em fanicos quando junto a "um pote de ferro" (Alemanha).
Mário Soares, prima-dona da entrada do país nesta anunciada desgraça, esfregava as mãos de contente, já que deixava o país entregue aos interesses capitalistas, os únicos dispostos a polirem-lhe a ambição de presidir uma das  maiores organizações mundiais. Outros valores mais altos se alevantaram, mas Soares pode gabar-se de ter deixado o país “atado e bem atado” (parafraseando Franco) à miséria e humilhação que hoje conhecemos e sofremos.

A moeda única é só um instrumento mais nesta subserviência à Alemanha, mais forte após a queda do muro de Berlim, pois, desta vez, sem disparar um tiro, explora os países com governos colaboracionistas. O velho sonho de Hitler, concretizado agora por via de uma guerra económica.
Entretanto, em Portugal, vão-se ouvindo algumas vozes a defender a saída do euro: João Ferreira e Octávio Teixeira, do PCP, ou João Ferreira do Amaral que, juntamente com Francisco Louçã, lançam hoje um livro com um estudo sobre o que fazer a seguir à saída da moeda única.

Mas, abandonar a União Europeia parece ser um tabu, dado que, 28 anos depois da propaganda de Mário Soares de que íamos finalmente ser europeus (porque, até aí, tínhamos sido africanos…), isso ainda ecoa.
Os europeístas de hoje, por mais que a realidade lhes mostre que o pacífico, bondoso e bonacheirão Pai Natal é, afinal, um celerado promotor de guerras e devia estar na prisão, negam-se a ver a evidência. Porquê? Infantilidade? Interesses não confessados?

Desinformação não será.
Moedas, o que colaborou na destruição do país, com meio milhão de desempregados no seu haver, é nomeado comissário do Trabalho. Donald Tusk, 1º ministro da Polónia, implicado em casos sujos de escutas ilegais e corrupção, mas com relações muito “privilegiadas” com Merkel, neoliberal puro e duro, facilitador da instalação, no seu país, de bases secretas da CIA e das Forças Armadas dos EUA e utilização do espaço aéreo de aviões de caça da NATO, em clara provocação à Rússia, é o escolhido pela casta que nos domina para Presidente do Conselho Europeu.

É nesta Europa democrática, de paz e progresso, que queremos continuar?
Consequências da saída? Certamente menos gravosas e muito mais dignas.

 

terça-feira, 2 de setembro de 2014


Em tempos da União Soviética, Rostropovich, o violoncelista, expatriou-se, para não ter que entregar parte do que ganhava ao seu país. Passou, então, a deliciar-se no convívio de gente fina, como a rainha de Inglaterra. Logo que lhe foi possível, comprou um palácio, em Leninegrado, cidade rebaptizada com o nome de São Petersburgo, em homenagem à miséria do século XIX, trazida de volta pelo capitalismo mais feroz.
Nos últimos dias, os meios de comunicação portugueses descobriram umas boas dezenas de médicos cubanos a trabalhar, em Portugal, no serviço público de saúde. A informação foi dada, não para denunciar a falta de médicos no SNS, ou as suas causas, mas para nos dizer que parte do que o Estado português paga pelos serviços desses médicos é enviada para o Estado cubano.

Numa sociedade onde se aplaude a ganância e os heróis são os que comem sobre o cadáver dos outros (ver o número de mortes por falta de assistência médica, suicídios por desespero de quem fica sem emprego, sem casa e sem comida), é natural que não se compreenda (ou não se queira compreender) aqueles que se regem por valores de humanidade, de solidariedade (nada a ver com caridade) e de verdadeiro patriotismo (1).
É destes últimos que fala a crónica de Fernando Ravsberg, jornalista, a viver há mais de 20 anos em Cuba, acusado de dar “uma no cravo, outra na ferradura”, quer dizer, ser objectivo, apontando os erros, mas, também, o que de bom, de excelente tem Cuba para dar, como exemplo, ao mundo.

Entre Rostropovich e médicos e artistas cubanos existe um abismo. Um abismo que separa o pré-humano (no circo, os macacos são também virtuosos) do humano. Mas, como todos os abismos, este pode fazer-nos parar, olhar para o lado e ver que caminhos há, diferentes, à nossa disposição.

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 (1) Aconselha-se a leitura do livro de João Ferreira do Amaral, Em Defesa da Independência Nacional, Lua de Papel, Abril de 2014


Cuba, onde a rua é uma boa escola

Fernando Ravsberg*

 La Habana (Cuba) 30/08/2014

Muitos artistas deram ao seu trabalho uma projecção social que transcende a sua obra e repercute directamente na gente comum. Ensinam arte em plena rua, convertem o seu bairro numa galeria, levam a ópera a bairros e aldeias, reparam as casas dos seus moradores ou criam estúdios para gravar os discos que as discográficas rejeitam.
 
 
Na maioria dos casos, estes projectos sociais vão-se custeando com o seu próprio dinheiro e esforço. “Estes são estúdios de gravação que não se auto-financiam e estão sempre em números vermelhos. Financio-os eu, com os meus espectáculos no estrangeiro, como tudo o que faço em Cuba” – conta-nos o autor-intérprete Silvio Rodriguez, numa entrevista. Deve, também, financiar do seu bolso os concertos gratuitos, que dá nos bairros mais humildes de toda a ilha. Assegura o autor-intérprete que se trata de um modo de vida: ”eu já não saberia viver de outra forma, Fernando, seria estranho, para mim, viver de outra maneira, não me encontraria, não poderia olhar-me ao espelho”

O artista plástico José Fúster fez, do seu bairro, Jaimanitas, uma gigantesca galeria de arte, onde se combina a beleza com a reparação das casas dos seus vizinhos. Alguns dizem que é um Gaudí tropical e, além de uma certa semelhança nas formas, texturas e cores, há uma evidente admiração pelo arquitecto catalão, imortalizada, numa esquina do bairro, por um mural de cerâmica, dedicado à sua memória.
Fúster explicou ao Público que “o projecto começou em 1994, em pleno Período Especial (crise económica), e é um símbolo do meu optimismo. Diziam-me que era um projecto demasiado caro, mas queria demonstrar que, com a minha pintura, podia pagá-lo, sem pedir nada ao Estado”. E, depois de 20 anos de trabalho, ficou demonstrado que o sonho era possível. “Em vez de ser rico, trato de gastar o meu dinheiro com os meus vizinhos, viver neste ambiente e ver crianças felizes, é como ter uma grande família. Satisfaz-me tremendamente partilhar não o que me sobra, mas parte do que tenho com os pobres da terra”.

Um projecto semelhante nasceu na ruela de Hamel, em pleno coração do centro de Havana. Salvador González conseguiu que os moradores lhe cedessem os muros e paredes das suas casas para os converter em enormes murais.
A seguir à pintura, multiplicaram-se as esculturas, apareceu a música, a dança e começaram a chegar cubanos de todas as partes. Hamel é uma obra viva. Agora, trabalham na criação de um parque infantil, que avança lentamente, porque todo o dinheiro sai do bolso de Salvador.

A transcendência é tal que, hoje, a outrora velha e suja ruela é escala obrigatória dos turistas que querem ver a Cuba profunda, a das gentes comuns, a da santaria e da rumba.
Poderia pensar-se que se trata de casos excepcionais, mas, no típico Paseo del Prado de Havana, aos fins-de-semana, ao meio-dia, mais de 200 artistas dedicam o seu tempo a dar aulas gratuitas, em particular às crianças e avós. Centenas de cubanos vêm de toda a capital e, também, dos concelhos mais próximos, trazem banquinhos articulados e sentam-se debaixo das árvores a aprender, desde pintura até origamis (2) asiáticos, passando pela espanholíssima renda de bilros. Cecilio Avilés dirige o projecto Imagen 3 e, para ele, “a verdadeira projecção de um artista está em quando pode ter impacto positivamente noutro ser humano e, quando isso é conseguido com centenas, a felicidade é enorme, não há melhor paga para um verdadeiro artista”.

Mas, nem todos foram compreendidos. O cantor lírico Ulises Aquino pertenceu à TVE e trabalhou noutras companhias da Europa e dos EUA. Contudo, regressou a Cuba com o sonho de levar a ópera ao cubano comum. Criou, então, a sua própria companhia, a Ópera de la Calle (Ópera da Rua), e saiu para percorrer bairros e aldeias, com um repertório que incluía música religiosa afro-cubana, Freddy Mercury e o mais antiquado da operística internacional, num só espectáculo. O seu êxito foi tão grande, que decidiram abrir um centro cultural com um restaurante para financiar o concerto. Apesar do apoio do Ministério da Cultura, o Partido Comunista concelhio ordenou o encerramento e enviou a Ópera, outra vez, para a rua. Contudo, Aquino não se rende: ”não deixámos de trabalhar, voltámos às ruas e aos teatros, realizámos mais de 120 espectáculos, em Cuba, só este ano” – diz-nos, antes de anunciar que, este mês, vão ao Canadá para a inauguração do Festival de Ópera do Quebeque e actuarão, igualmente, em Montreal e Toronto.
Nenhum deles se sente um mecenas. Ulises Aquino, simplesmente, não quer deixar a sua pátria e reconhece que “em qualquer outro país, tudo teria sido mais fácil, mas não sei viver sem Cuba. Não conseguiria viver com dinheiro e cheio de saudades”.

Silvio Rodriguez pensa que “em Cuba, há uma espécie diferente, graças à formação que nos deu a vida que temos tido. Creio que, aqui, se construiu um novo ser humano”. E finaliza a entrevista, perguntando a si mesmo como é possível que um governo tão mau, como é descrito pelos inimigos, tenha formado este povo tão bom, reconhecido por todos.
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(1) Arte tradicional japonesa, de papel dobrado. [N.T.]

*Fernando Ravsberg é actualmente correspondente, em Cuba, do jornal digital espanhol Público e professor de pós-graduação em “Informação internacional e países do sul”, na Universidade Complutense de Madrid. Foi correspondente da BBC Mundo até há poucos meses. Trabalhou, também, para a Rádio Nacional da Suécia, Telemundo dos EUA e TV Azteca do México. É autor de três livros, “El Rompecabezas Cubano”, “Reportajes de Guerra” e “Retratos”, além do vasto conjunto de crónicas, escritas para a BBC, intituladas “Cartas desde Cuba”.