O artigo de Vicenç Navarro foi publicado dois dias antes desta manifestação, em Madrid, convocada pelo Podemos:
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O MOMENTO É AGORA! |
Quem são os
extremistas? O caso da Grécia
Por Vicenç Navarro*
A imagem mediática que tem vindo a ser projectada à
população, em relação ao que se passa e passará na Grécia, é a de que um
partido da extrema-esquerda foi eleito, nesse país, e e que levará a cabo
políticas extremistas que desembocarão num desastre económico e financeiro,
forçando a sua expulsão do euro. Há, hoje, muitíssimos artigos, nos meios de
informação, que apresentam esta visão do que está a acontecer na Grécia.
Tem interesse sublinhar que esta interpretação da realidade
grega, assim como os termos que utiliza (tais como definir o partido Syriza
como um partido extremista), vêm de um establishment político-mediático, tanto
europeu como espanhol, que tem aplicado políticas de cortes da despesa publica
e reformas laborais, visando reduzir os salários, causando uma enorme dor e
sacrifício à população, muito em particular às classes populares, e provocando
uma das recessões económicas mais profundas que a Europa conheceu desde os
princípios do século XX. Efectivamente, na Grécia, mais do que recessão, houve
uma Grande Depressão, pior do que a sofrida pelos EUA, no início do mesmo
século. O PIB desceu nada menos que 25% e os indicadores económicos e fiscais
(desde o elevadíssimo desemprego até ao aumento dos suicídios) têm sido um
desastre (e não há outra maneira de o definir).
Os partidos políticos que estiveram a impor estas políticas
públicas (conhecidas como políticas de austeridade), que careciam de mandato
popular (já que não constavam das suas propostas eleitorais), são definidos
como partidos “razoáveis”, “moderados”, que estão aplicando o que o
conhecimento económico e financeiro (ao qual se referem como científico,
chamando-lhe ciências económicas) lhes dita. Um exemplo é o programa da TV3, a
televisão pública catalã, conhecido como “Aulas de Economia” (Classes
d’Economia), onde o economista mais mediático e promovido pelo governo Mas e os
seus meios de informação e persuasão espalha por toda a Catalunha o ideário
neoliberal, com o argumento de que está a ensinar ciências económicas,
insistindo, ainda hoje, em que a enorme recessão, que a Eurozona está a viver,
não tem nada a ver com um grave problema de falta de procura (originada pelas
políticas de austeridade), mas com a excessiva intervenção do Estado, que
dificulta os investimentos.
Este discurso não é considerado extremista. E também não são
definidos como extremistas os trabalhos promovidos por FEDEA, instituição de
investigação económica, financiada pela banca privada e pelas maiores empresas
do IBEX35, que é apresentada como fonte de informação científica, lógica,
razoável, moderada e, naturalmente, carente de extremismos. Todos eles
enfatizam a necessidade de aplicar as políticas neoliberais.
Por que se define o
Syriza como extremista?
E quando aparece uma força política, o Syriza, que quer
parar com estas políticas e reverte-las, chama-se-lhe “extremista de
ultra-esquerda”. Como bem assinala o professor Paul Krugman, num recente artigo
publicado no The New York Times (26.01.15), o facto de se definir as propostas
que o Syriza está a fazer (que, como Krugman indica, são de claro cariz
social-democrata, antes de os partidos social-democratas terem deixado de o
ser) como medidas extremistas (também definem assim o partido), diz muito da
enorme viragem à direita da cultura económica e política do país, sendo isso um
indicador de até que ponto a cultura política e económica dos establishment
políticos, mediáticos e económicos se tem deslocado para posições
autenticamente extremistas, sem nenhuma validade científica, imbuídas de e
sustentadas por uma ideologia ultraliberal. Como diz o professor Paul Krugman,
o que vimos é o domínio do ultraliberalismo, a ideologia mais extremista que
existe no conhecimento económico, financiada pelos interesses financeiros, que
dominam o establishment político e mediático europeu e alcança a sua máxima
expressão em Espanha.
Hoje, com base na evidência científica, acumulada durante
estes anos do enorme dano que estas políticas supuseram para as populações dos
países a elas submetidos, pode-se concluir que se trata de políticas
profundamente erróneas, que não podem ser apresentadas com o aval científico e
que respondem aos interesses particulares (e muito especialmente aos
financeiros), em vez de responderem aos interesses gerais. Com base no
princípio, tão repetido, de que as políticas públicas que favorecem os
interesses da grande banca e grandes corporações são, também, as que melhor
beneficiam as classes populares, foram aplicadas estas intervenções estatais,
que aumentaram enormemente as desigualdades, prejudicando o bem-estar e
qualidade de vida da maioria das classes populares. A evidência disto é
esmagadora.
As políticas
supostamente extremistas do Syriza
Uma análise pormenorizada das propostas económicas do
partido Syriza mostra claramente que o que sugerem é o desenvolvimento das
políticas redistributivas, com um incremento da despesa pública (enfatizando o
investimento social) e com um aumento dos salários e de assalariados, com o fim
de estimular a procura doméstica, paralisada pelas políticas de austeridade.
Tudo isto financiado com medidas fiscais, que incrementem a progressividade
fiscal e corrijam a abusiva fraude fiscal. E, como é lógico, renegociar uma
dívida que é artificialmente alta, devido ao sistema financeiro desenvolvido na
Eurozona, centrado no Banco Central Europeu, que, em vez de ser um banco
central (que proteja os Estados face à especulação financeira, comprando dívida
pública), é um lóbi da banca. Este sistema é profundamente injusto e deve ser
mudado.
Qualquer analista da realidade económica da Grécia, que não
esteja imbuído do dogma neoliberal, pode ver que estas políticas são as
intervenções de que a Grécia necessita. E, a estas políticas – de claro recorte
social-democrata – o establishment económico, financeiro, político e mediático
europeu chama políticas “extremistas”. Isto mostra o grau de viragem à direita
das culturas políticas e mediáticas dominantes.
Algo parecido aconteceu com o documento que o Professor Juan
Torres e eu preparámos, a pedido do novo partido Podemos, com propostas que
este partido, em caso de governar, deveria aplicar para sair da crise. A mesma
agressividade apareceu nos círculos financeiros e económicos e nos meios de
informação e persuasão próximos desses interesses. E, como seria de esperar, o
presidente do maior lóbi da banca alemã, o banco central alemão Bundesbank,
definiu-o como um documento perigosíssimo, que destruiria a economia espanhola,
mensagem reproduzida em todos os maiores foros económicos do país, incluindo o
jornal El País.
O desastre ao qual as políticas neoliberais levaram não só
os países periféricos, mas um número crescente de países da Eurozona, gerou um
número crescente de protestos e desacordos com as ditas políticas. Na
realidade, a rejeição das políticas de austeridade apareceu inclusive em
círculos que antes as tinham promovido, tal como o FMI. E a resposta inicial
dos partidos governantes, em França e Itália, à vitória do Syriza e às suas
propostas, não foram de rejeição, mas de simpatia. Hoje, o governo Merkel e o
seu maior aliado, o governo Rajoy, estão claramente à defesa. O seu dogma está
a desmoronar-se. A derrota do seu outro grande aliado, o partido conservador e
neoliberal grego Nova Democracia, significou um passo muito ameaçador para
eles, pois abre toda uma série de possibilidades que debilitarão a sua posição.
Inclusive o famoso e justo pedido de reestruturação da dívida grega é mais que
possível, já que a maioria dessa dívida está nas mãos de instituições oficiais
(e não dos chamados mercados financeiros), que têm capacidade de decisão e
responsabilidade quanto ao preço da dita dívida.
Esta nova etapa requererá grandes mobilizações sociais,
tanto dentro da Grécia, como no resto da Europa. E daí a enorme importância de
que a manifestação do dia 31 de Janeiro una todas as forças que recusam estas
políticas neoliberais, transformando-se numa das maiores manifestações que
ocorram na Europa. Assim seria de desejar.
* Catedrático de Ciências
Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi
Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona
Original deste artigo encontra-se em
http://www.vnavarro.org/?p=11736