O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 26 de outubro de 2018


PORQUÊ A RECUSA?
A Comissão Europeia rejeitou liminarmente o Orçamento da Itália. Eis alguns pontos que não lhe agradaram:
- Reduz a duração máxima dos contratos temporários de 36 para 24 meses.
- Estabelece que o contrato temporário só poderá ser prorrogado se existirem causas temporais e objectivas que o justifiquem.
- Aumenta significativamente a indemnização por despedimento dos contratados temporalmente e penaliza o seu uso abusivo com um aumento de 0,5% para a Segurança Social por cada prorroga do contrato.
- Empresas que abandonem o território italiano têm que devolver o dinheiro das ajudas públicas que receberam.
- Aquelas que saiam para fora da EU são sancionadas com pesadas multas.
- É criado um rendimento mínimo para 5 milhões de italianos.
- A reforma mínima passa de 500 para 780 euros.
- É proibida a publicidade às apostas desportivas e jogos de azar (com excepção da lotaria nacional), nos meios de comunicação, eventos desportivos, culturais ou artísticos, painéis publicitários e internet. A ludopatia, que atinge sobretudo os mais pobres e é já um grave problema social, passa, assim, a ser combatida, contra os interesses dos grandes grupos de comunicação.
Convém saber, igualmente, que a Itália tem um excedente comercial e um excedente primário (saldo positivo, antes do pagamento de juros da dívida); que cerca de dois terços da dívida pública é detida pelos próprios italianos e que a Itália, ao propor um défice de 2,4%, continua a respeitar a regra dos 3% como máximo, ao contrário da França, de que Moscovici foi ministro das Finanças entre 2012 e 2014 e nunca cumpriu.
O que está, então, em causa? Será o facto de o governo italiano se ter atrevido a contestar as orientações neoliberais dos ladrões da EU e tenha começado a desmontar o mito do tratado de Maastricht e as suas consequências e queira recuperar a soberania e o Estado?
É verdade que as medidas propostas para combater a regressão nos direitos laborais (como a reforma de Matteo Renzi, a do “contrato único” ou despedimento livre) são insuficientes. Mas, é também verdade que tudo o que cheire a contestação é, de imediato, apelidado de nacionalista, fascista, populista.
Não se sabe ainda para onde irá o governo italiano: acabará por obedecer à ditadura da EU e dos mercados ou encontrará um caminho novo, que a Grécia desprezou, vergando-se?








terça-feira, 1 de maio de 2018


Arábia Saudita e Israel: uma perigosa aliança terrorista

Em Março de 2012, vai para cinco anos e meio, escrevi um artigo no qual tentava desmontar uma ideia enganosa que punha e põe o centro do conflito do Médio Oriente num lugar em que não está. Tinha-se cumprido um ano do início da chamada “primavera árabe” e haviam transcorrido apenas uns meses desde o atroz assassinato de Muamar El Kadafi e a guerra na Síra mal começava.
Aí dizia «Nas relações internacionais, é comum falar de “conflito árabe-israelita”, quando, porém, se alguém se introduz com certa profundidade no tema, verá que, na realidade, se faz alusão à política expansionista do estado israelita contra o povo palestiniano, violando a justa e legítima resposta deste.
O que acontece na realidade é a confrontação entre aliados dos Estados Unidos e Europa que podem ser árabes e/ou israelitas e os povos árabes duplamente oprimidos pela intervenção imperial nos seus territórios em conivência com os seus governos e o carácter repressivo, autoritário e antidemocrático da maioria dos governos da região. É assim que Israel tem excelentes relações com uma boa quantidade de governos dos países árabes com os quais supostamente está em conflito.
Israel, as monarquias autocráticas e os governos reaccionários do Médio Oriente e norte de África estabeleceram uma aliança virtual sob a égide da Grã-Bretanha, primeiro, e Estados Unidos, depois. A falácia de um suposto conflito alimentado pelo Ocidente não faz mais do que sustentar um mercado vital para a manutenção de um modelo de sociedade decadente».
Todavia, nesse momento, era possível disfarçar a realidade, mas as evidências dos factos recentes encarregaram-se de arrancar as máscaras e confirmar a certeza de que o exposto naquela altura se transformou num cenário triste e lamentável que prefigura os acontecimentos políticos mais relevantes do Médio Oriente e do norte de África. A aliança comandada pelos Estados Unidos e integrada pela Arábia Saudita, Israel e quase todas as monarquias do Golfo Pérsico destapou as suas verdadeiras intenções para justificar os mais terríveis desmandos, o apoio e a protecção ao terrorismo no Iraque e na Síria, uma despiedada guerra contra o povo iemenita e as violações mais flagrantes ao direito internacional e ao respeito pelos direitos humanos. Só no Iraque, fala-se de entre 1,2 e 1,4 milhões de mortos, na Síria, cerca de 450 mil falecidos e, no Iémene, uns 40 mil, além da pior crise humanitária da história recente em que se contam 850 mil cidadãos que contraíram cólera dadas as insuficientes condições de salubridade, assim como 14,8 milhões de pessoas que carecem de serviços básicos de saúde e 14,5 milhões de água potável, segundo números da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Enquanto isto acontece, os projectos da aliança saudita-israelita não puderam ser cumpridos: Bashar El Assad continua no poder na Síria e as suas forças armadas derrotaram virtualmente o ISIS e as outras organizações terroristas, o exército iraquiano recuperou a quase totalidade do território nacional, os huthies do Iémen melhoram dia-a-dia a sua capacidade e disposição combativa e começam a assestar golpes certeiros às forças sauditas invasoras, no seu próprio território.
O desespero começou a aumentar no interior da monarquia wahabita e o reino começa a mostrar as suas brechas. O brutal dispêndio económico que significa manter o nível de vida da família monárquica, os gastos gigantescos no financiamento do terrorismo e na manutenção da guerra no Iémene, fizeram diminuir os fundos das arcas reais. A resposta tem sido comprar armas aos Estados Unidos no valor de 110 mil milhões de dólares, durante a recente visita do presidente Trump a Riade, com o intuito de tentar dar uma volta à situação bélica no sul da península arábica, o que parece pouco provável. Em troca, o presidente dos Estados Unidos comprometeu-se a dar carta branca a todas as acções da aliança saudita-israelita na região.
Do mesmo modo, tomaram uma série de medidas de carácter interno com o objectivo de tentar manter a coesão social e a governabilidade do país, face às cada vez maiores de descontentamento popular, que levaram a incrementos na repressão, sem temor a críticas, atendendo ao apoio ocidental a tais práticas. Procurando saída para a tensa situação, o rei Salmán destituiu quem tinha nomeado como sucessor para designar, em seu lugar, o filho Mohamed Bin Salmán, a quem, para além disso, concedeu a titularidade do Ministério da Defesa, correspondendo-lhe dirigir a desastrosa campanha do Iémene.
Com o objectivo de dar um carácter institucional à mudança na máxima hierarquia do governo, a 4 de Novembro passado, o rei criou um comité anticorrupção, pondo-lhe à frente o próprio príncipe Mohamed que, como maneira de abrir caminho para o seu futuro reinado e que, na realidade, foi um auto-golpe de Estado, mandou prender 201 altos cargos do governo, das Forças Armadas, governadores provinciais e empresários, aos quais se confiscaram ou congelaram cerca de 800 mil milhões de dólares, que passarão para as arcas do Estado, a fim de permitir ao príncipe pagar dívidas, dar continuidade à guerra no Iémen e financiar o terrorismo, depois do governo monárquico se ter visto obrigado a recorrer aos mercados creditícios e aos fundos da reserva nacional para conter a acelerada crise da sua economia. Os empresários detidos, alguns deles considerados entre os maiores milionários do reino e do mundo, estão a ser submetidos a pressões e torturas para que declarem onde se encontram os seus capitais, que necessitam ser repatriados para Riade. Entre estes magnatas presos encontram-se os proprietários de algumas das principais cadeias de comunicação do mundo árabe: MBC, ART e Orient. Com tais acções, o príncipe herdeiro garantiu o controle das finanças, dos meios de comunicação, das forças armadas e dos governos locais, completando assim um autogolpe de Estado, com êxito e sem sangue.
Tendo por objectivo “lavar a cara” da monarquia e mostrar uma face mais agradável ao mundo, Mohamed perseguiu e reduziu os líderes wahabitas radicais, procurando revelar uma atitude modernizante no quadro de uma lógica ocidentalizada, o que permite perceber as razões do desenho do seu programa estratégico denominado “Visão 2030”, com vistas a renovar a economia saudita, elevando os níveis de produção industrial e tecnológico, para reduzir a dependência da produção petrolífera.
No fundo, a verdadeira razão está no impacto que o crescimento e intensificação do prestígio do Irão tem na monarquia, em detrimento da sua própria capacidade de influenciar os acontecimentos políticos da região. Por isso, com o regozijo e a bênção dos Estados Unidos, deu um passo audaz, ao estabelecer uma aliança estratégica com quem supostamente era o seu adversário histórico: Israel. Assim, configurou um esquema a partir da inimizade comum de ambos os regimes contra o Irão, acusando-o de estar por detrás dos últimos e vitoriosos ataques das forças armadas iemenitas, dirigidas pelo movimento Ansar Allah, que permitiram consolidar as acções bélicas em profundidade do território saudita.
Por isso mesmo, procurando criar um novo cenário de conflito que lhe proporcione a infalível intervenção de Israel e o reforço de uma aliança com o regime sionista, a Arábia Saudita forçou a inexplicável renúncia do primeiro-ministro libanês Saad Al Hariri, quando visitava Riade, para manter consultas com o governo, actuando como se fosse o embaixador saudita no Líbano e não o chefe de um governo de um país independente. Embora Hariri seja um antigo aliado da casa Saúd, que deu uma importante ajuda financeira para o império empresarial da sua família, informações provenientes da região afirmam que o primeiro-ministro libanês está sequestrado em Riade, sem poder regressar ao seu país. A estranha justificação para a sua renúncia foi a de que o movimento Hezbollah libanês tentava assassiná-lo, sem apresentar uma única prova de tal acusação, que foi imediatamente desmentida pelo líder da organização Hasan Nasrallah. A monarquia saudita, num acto de extrema e absoluta impotência, comunicou que o Líbano lhe tinha declarado guerra, sem avançar qualquer argumento que sustentasse tão grave imputação. O objectivo final é a criação de condições para uma nova invasão sionista do Líbano, de modo a envolver o Hezbollah nesse conflito, desviando-o da sua missão de apoio ao governo sírio na luta contra o terrorismo.

Quando, ao que tudo indica, o terrorismo está a ser definitivamente derrotado no Iraque e na Síria, a aliança saudita e israelita poderia estar a criar no Líbano uma nova frente de guerra no Médio Oriente e, com isso, outro incêndio incontrolável para o Ocidente, que terá de ter em conta o facto de tal conflagração se produzir numa zona ainda mais próxima da Europa, mesmo na fronteira do regime sionista e contra a única força que o derrotou no passado. 

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Texto original encontra-se aqui

sexta-feira, 27 de abril de 2018



O caso Skripal, escape (provisório) para May e Trump

Por Ángel Guerra*

Donald Trump uniu-se à putinofobia de Theresa May com a expulsão de 60 diplomatas russos so solo estadunidense. A maior de representantes de Moscovo desde o começo da guerra fria. Recapitulemos.
A 4 de Março, apareceram inconscientes em Salisbury, Inglaterra, Serguei Skripal, oficial russo dos serviços secretos militares, que se tornou agente inglês, e a filha Yulia, de nacionalidade russa. Condenado na Rússia pelo seu trabalho de espionagem a favor do Reino Unido, o agente saiu da prisão graças a uma troca de espiões e instalou-se em Inglaterra. Os Skripal mostravam graves sintomas de intoxicação e foram conduzidos para um hospital onde permanecem em estado crítico (NT). A 6 de Março, o esgrouviado Boris Johnson, ministro britânico dos Negócios Estrangeiros, deu a entender que Moscovo estava implicado na tentativa de envenenamento dos Skripal e pôs em causa a participação do seu país no mundial de futebol na Rússia. A 12 de Março, a conservadora primeira-ministro May disse ante o parlamento britânico que era “altamente provável” Moscovo ter sido o autor do envenenamento dos Skripal “ com um agente nervoso de natureza militar” do género que a Rússia desenvolve, conhecido como Novichok. May deu um ultimato de dois dias a Moscovo para se explicar e ameaçou adoptar severas medidas se o Kremlin não desse uma respostas satisfatória.
O ministro dos Negócios Estrangeiros russo Serguei Lavrov esclareceria que a Rússia não proporcionou a informação exigida, devido ao facto de não ter obtido nenhuma amostra do agente neurotóxico utilizado contra Skripal. O chefe da diplomacia russa afirmou que, segundo a Convenção sobre Armas Químicas, o Reino Unido devia ter-se dirigido directamente ao país suspeito de haver utilizado a substância, proporcionando-lhe o acesso à mesma.
Duramente censurada no seu próprio partido pela péssima condução do Brexit e em desespero para fugir ao descrédito interno que lhe causou, May viu no envenenamento dos Skripal a mais fácil porta de escape para a crise interna. Não duvidou, por isso, em culpar a Rússia, apesar da Scotland Yard ter dito que a investigação levaria muitos meses e que a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAC) tardaria três semanas só para identificar o agente neuroparalisante supostamente utilizado contra os Skripal. A primeira-ministra, porém, esperou apenas uma semana para culpar a Rússia do crime e 10 dias para expulsar 35 diplomatas russos do território britânico.
Washington não tardou a anunciar a expulsão dos russos e, atrás, vieram em cascata mais de 24 membros da NATO e da União Europeia, assim como da Austrália. Deverão abandonar os países onde trabalhavam para cima de 120 funcionários do serviço de estrangeiros, no que se chama Ocidente, onde não abundam os países independentes.
Por seu lado, em Washington, o “primeiro ataque com armas químicas na Europa desde a segunda guerra mundial” assentou como uma luva, não importando que nem uma única prova de autoria russa tenha sido apresentada: a Trump, para fugir ao cerco judicial apertado do Procurador Robert Mueller e das crescentes acusações de abuso sexual de várias mulheres; aos fanáticos russófobos como o secretário de Estado Mike Pompeo, o director da segurança nacional John Bolton e um bom número de legisladores republicanos e democratas, porque querem uma política ainda mais hostil contra Moscovo.
Ainda que seja com este circo de mau gosto, o “Ocidente” ripostou aos duros e vitoriosos contragolpes de Vladimir Putin na Geórgia, Ucrânia e Síria, que destronam Washington e Israel como principais decisores no Médio Oriente. E não só. A exibição pelo chefe do Kremlin de armamentos hipersónicos, capazes de neutralizar a instalação contínua de bases da NATO nas suas fronteiras e operar em qualquer parte do mundo, a sua aliança estratégica com a China, a imposição, juntamente com o gigante asiático, de uma política de diálogo na península coreana, o seu arrasador triunfo eleitoral de 18 de Março, tudo isto é demasiado insuportável para o Ocidente.
A Rússia foi declarada livre de armas químicas pela OPAQ. Os Estados-Unidos não. E o alto chefe militar russo Igor Kirilov afirmou que “o laboratório de Porton Down, Inglaterra, continua a ser uma instalação supersecreta, cujas actividades incluem não só destruir armas químicas obsoletas, mas… fazer experiências”. A Rússia negou enfaticamente as acusações. Putin, levar a cabo um ataque destes contra um espião de quarta categoria na véspera das eleições e do mundial de futebol? Por favor!
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*Especialista em questões latino-americanas, analista internacional e colunista do jornal mexicano La Jornada. Comentador da teleSUR. Foi director do jornal Juventud Rebelde (1968-71), da revista Bohemia (1971-80).


NT: o texto original foi publicado em 29 de Março de 2018 e pode ser lido aqui. Entretanto, os Skripal continuam vivos, graças a Deus!

segunda-feira, 2 de abril de 2018




Relatório demolidor da EU contra a ingerência privada no sector público

O Tribunal de Contas Europeu critica duramente, num relatório, a participação privada em infraestructuras e serviços públicos, recomendando aos países membros que não promovam modelos público-privados. Em Espanha, este modelo serviu para financiar autoestradas de portagem que o Estado, agora, deve resgatar.

O Tribunal de Contas Europeu é contundente e claro: a EU não deve continuar a financiar infraestructuras ou serviços públicos com participação privada. Em relatório recente, que acaba de publicar, o principal órgão de controlo financeiro da União Europeia, a que o Público teve acesso, a instituição critica duramente as parcerias público-privadas para infraestruturas ou serviços públicos por “insuficiências generalizadas”, “gastos ineficazes”, “falta de transparência”, “atrasos”, e “sobrecustos”, entre outras coisas.
Além disso, recomenda que nem a EU nem os seus Estados membros criem parcerias público-privadas até se resolverem os principais problemas identificados no seu relatório especial Parcerias público-privadas na EU: Deficiências generalizadas e benefícios limitados, publicado no passado dia 20 de Março. Concretamente, o documento analisa 12 parcerias público-privadas, cofinanciadas pela EU, em França, Grécia, Irlanda e Espanha, nos âmbitos do transporte rodoviário e tecnologias da informação e comunicação, que implicaram 5.600 milhões de euros de financiamento europeu. E conclui que a participação privada nesses projectos “não se pode considerar uma opção economicamente viável para o funcionamento de infraestructuras públicas”.
Numa análise devastadora, acrescenta que a entrada de capital privado em projectos do sector público fez-se com “insuficiências generalizadas e benefícios limitados, com gastos ineficazes e ineficientes”, onde “a relação custo-benefício e a transparência se viram gravemente prejudicadas, em particular, por políticas e estratégias pouco claras, uma análise inadequada, registos fora do balanço patrimonial e acordos”.
O relatório afirma que os projectos público-privados analisados padeceram de “ineficiências consideráveis sob a forma de atrasos durante a construção e aumentos importantes dos custos”. No total, sete dos nove projectos completados – com custos de 7.800 milhões de euros em projectos agregados – sofreram demoras que oscilaram entre 2 e 52 meses. Para mais, foi necessária uma quantidade adicional de quase 1.500 milhões de euros de fundos públicos para completar as cinco autoestradas auditadas na Grécia e em Espanha, dos quais a EU proporcionou cerca de 30% - 422 milhões de euros -, denuncia o relatório especial. O Tribunal considera que estas quantidades “foram gastas de maneira ineficiente no que respeita a consecução dos benefícios potenciais”.
Os projectos financiados sob o modelo público-privado “são aproveitados para proporcionar bens e serviços que o sector público habitualmente oferece”, explica o relatório, que indica a grande magnitude do negócio que esta fórmula pressupõe, na qual as multinacionais privadas fazem negócio com o apoio financeiro público: desde a década de 1990, na EU levaram-se a cabo 1.749 projectos público-privados por um valor de 336.000 milhões de euros. Segundo revela o relatório, a maioria destes projectos consumaram-se no sector do transporte, que, em 2016, representou um terço dos investimentos de todo o ano, superando o serviço de saúde e a educação.

Sombras de corrupção
A suspeita de corrupção política paira sobre alguns dados que o relatório oferece, como “na maioria dos projectos fiscalizados, onde se elegeu a opção do financiamento público-privado sem nenhuma análise comparativa prévia de opções alternativas, inclusive a do sector público, não se demonstrando, portanto, tratar-se da opção que maximizava a relação qualidade-preço e protegia o interesse público ao garantir uma igualdade de condições entre a parceria pública-privada e a tradicional adjudicação de contratos públicos”.
Neste sentido, o Tribunal indica que “os projectos de autoestradas, em Espanha, se licitaram de maneira pontual, mas os contratos renegociaram-se pouco depois, o que suscita perguntas sobre se a contratação foi devidamente gerida”.
As auditorias revelam que no caso das autoestradas público-privadas analisadas os custos dispararam após a contratação em cerca de 300 milhões de euros que o sócio público devia assumir. Em suma, o custo da autoestrada A-1 aumentou 33% (158 milhões de euros) e um atraso de dois anos e a autoestrada C-25 na Catalunha teve um aumento de 20,7% (143,8 milhões de euros, incluindo 88,9 milhões de euros em custos financeiros) e atrasos de 14 meses. E isto apenas nas autoestradas auditadas neste relatório.

Próximo negócio, a água
As conclusões do Tribunal de Contas Europeu conhecem-se após o anúncio dos resgates das autoestradas com portagem por parte do governo central, o que supõe uma nova paulada nos modelos de parceria público-privada. Contudo, as grandes construtoras já não têm os olhos postos nas infraestruturas de transportes como as autoestradas, que consideram um sector esgotado financeiramente, mas centram-se, agora, no negócio da água pública, onde, como explicam os peritos, há um mercado garantido.
“A água é um serviço público que se presta sob condições de monopólio natural e de um ponto de vista mercantilista, estes serviços apresentam o grande atractivo de disporem de clientes cativos, uma procura estável e capacidade de pagar por esses serviços, seja através do orçamento municipal ou de tarifas aos consumidores. Aceder a este “mercado” é o sonho de qualquer multinacional”, afirma Luis Babiano, gerente da Associação Espanhola de Operadores de Água Pública (AEOPAS).
De facto, segundo dados do Tribunal de Contas, os serviços já privatizados (seja como empresas que ficaram com a concessão do serviço de águas ou empresas mistas público-privadas) apresentam sobrecustos que vão de 22% a mais de 90%, relativamente ao serviço prestado de forma directa, com encarecimentos médios de 27% na recolha do lixo ou 71% na limpeza das ruas (que aparecem na factura da água). Sobrecustos a somar a uma menor qualidade na prestação do serviço e um subinvestimento, de acordo com as mesmas fontes.
Numa situação de emergência social e de duras críticas sobre este modelo público-privado ou directamente privatizador, a patronal da água AEAS-AGA, que agrupa as três principais multinacionais da água – FCC Aqualia, Grupo Suez e Acciona – e, surpreendentemente, algum operador público, mandou recentemente uma carta aos grupos parlamentares para incluir os mecanismos de contratação público-privados como prioridade dentro do chamado Pacto Nacional da Água em que o Executivo está a trabalhar: uma espira mais no modelo que procura fazer negócio a partir dos serviços públicos e requer a conivência dos representantes políticos.

Ricardo Gamaza, in Publico.es, 31/03/2018