O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A administração do grupo Controlinveste, proprietário do Diário de Notícias, depois de ter despedido 160 trabalhadores, dos quais 64 jornalistas, nomeou um novo director para o DN, que, certamente para agrado dos patrões, dispensou colunistas de opinião como Baptista Bastos e contratou outros, entre os quais um tal Miguel Angel Belloso, "jornalista" espanhol, que se diz de direita e "liberal", esquecendo-se de colocar os prefixos "extrema" e "neo", respectivamente. Não chegava a merda que o jornal já acoita nas suas páginas, do tipo César das Neves, foi preciso ir buscar uma mierda adicional.

Hoje, não pude evitar escrever, nas caixas de comentário on-line daquele jornal, umas considerações sobre o que este Belloso ali esparramou e que pode ser lido em http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4211571&seccao=Miguel Angel Belloso&page=-1)

O meu comentário dizia o seguinte:

"Durante o papado de João Paulo II e do seu inquisidor-mor Ratzinger, futuro Bento XVI, os sacerdotes que denunciavam a injustiça social e a repressão política foram perseguidos, uns excomungados pelo Vaticano e outros assassinados, como o jesuíta espanhol Ignacio Ellacuría, reitor da Universidade Centro-Americana de El Salvador, juntamente com outros 5 religiosos; Monsenhor Óscar Romero, abatido quando dizia missa num hospital de religiosas que cuidavam de doentes com cancro. Para o sr. Belloso, aqueles que condenam a exploração predadora do capitalismo são o diabo, aqueles que enriquecem à custa dos outros merecem a beatificação."

Não é de estranhar que estas verdades tenham sido censuradas, não pelos energúmenos que também pululam nas caixas de comentário do DN, mas pelo próprio jornal, visto o meu texto não ter  aparecido, sequer, durante um segundo. E não é de estranhar, já que o DN está nas mãos de bancos e grandes interesses económicos, entre os quais uns angolanos, o BCP, o ex-BES e o genro de Cavaco Silva, Luís Montez.

A actual administração da Controlinveste, saída de uma nova arrumação de capitais do grupo, feita em Novembro de 2013, é liderada por Daniel Proença de Carvalho, o indivíduo com mais cargos no PSI-20 (as 20 maiores empresas portuguesas, cotadas em Bolsa) e o mais bem pago. Foi ele o intermediário dos angolanos na compra de parte da Controlinveste e, até ao rebentar do escândalo BES, era membro da comissão de remunerações daquele banco. Claro, é agora o advogado principal do gatuno e vigarista Ricardo Salgado.

Toda esta gente é quem manda no DN, no Jornal de Notícias, na rádio TSF, etc. Os mesmos ou outros são donos dos restantes grandes meios de informação. Como podem eles estar interessados em que se digam as verdades, como, por exemplo, que foi a mando de capitalistas selvagens como eles que os sacerdotes da Teologia da Libertação foram assassinados ou que foram eles que provocaram a actual crise financeira e que, em vez de estarem na prisão, conseguiram que os governos lhes dessem ainda mais dinheiro e impusessem a austeridade que está a matar pessoas (1) e a pouca democracia que existe?

Esta impunidade só é possível precisamente porque têm ao seu dispor os meios onde repetem, todos os dias e até à saciedade, que se deve salvar os bancos para que a economia não afunde (quando foram os bancos que a afundaram); que o aumento da dívida é o resultado do Estado gastador (apesar de, antes da crise, a dívida ser incomparavelmente menor) ou que andámos a viver acima das nossas possibilidades (quando são eles que enriquecem sugando o Estado, através de contratos de parceria público-privada, swap, fuga aos impostos, fraude fiscal, subsídios vários, sem contar os cerca de 7.000 milhões para o BPN e 12.000 milhões para os restantes bancos, a fim de continuarem a especulação financeira, porque nem um cêntimo está a ir para a economia real).

Isto é, estamos a ser governados por um conjunto de criminosos, através de uns lacaios chamados ministros, a quem eles pagam bem o trabalho mais sujo e visível.


(1) Vários estudos empíricos de David Stuckle e colaboradores calculam que por cada 80 euros cortados por pessoa a desempregados, reformados, famílias e crianças, a mortalidade geral aumenta quase 1% (0,99%), a mortalidade por tuberculose 4,3%, por doenças cardiovasculares 1,2%, por problemas relacionados com o álcool 2,8%. (Ver David Stuckle et al., The public health effect of economic crises and alternatice policy responses in Europe: Na empirical analysis, The Lancet, 2009)


quarta-feira, 29 de outubro de 2014


 

Esses monstros chamados bancos

Por Juan Torres López*

Os bancos privados desfrutam de um privilégio extraordinário: sempre que concedem um crédito criam dinheiro. Não moedas ou notas, que é o que as pessoas comuns julgam que é o dinheiro, mas dinheiro bancário, isto é, meios de pagamento através das suas contas.

Quando recebem os depósitos dos seus clientes, os bancos não os mantêm totalmente em reserva para fazer frente aos levantamentos que aqueles solicitem. Pelo contrário, conservam em caixa apenas uma parte mínima e dispõem do resto para realizar empréstimos (por isso se diz que é um sistema bancário de reserva fraccionária).

O fenómeno é fácil de entender: Pôncio dispõe dos únicos 100 euros que economizou e deposita-os num banco. Com o seu cartão de débito ou o livro de cheques pode fazer pagamentos no valor de 100 euros. Se o banco concede um crédito de 20 euros a Pilatos, mediante uma simples anotação contabilística, este poderá gastar aqueles 20 euros, de modo que, a partir desse mesmo instante, já há 120 euros em meios de pagamento. O banco criou 20 euros de dinheiro bancário.

Como isto se faz sucessivamente e sem descanso, acontece que os bancos “multiplicam” sem cessar os meios de pagamento, na mesma medida em que vão criando mais dívida. Como dizia o Prémio Nobel da Economia Maurice Allais, isso significa que os bancos criam dinheiro ex nihilo, a partir do nada.

Na Europa, a proporção dos depósitos que, hoje em dia, os bancos são obrigados a manter em reserva é a de 1%, no caso de se tratar de depósitos a menos de dois anos ou que se possam levantar sem pré-aviso, e de 0% nos restantes. Isto implica que, se supusermos que os clientes não retêm dinheiro nas suas mãos (o que hoje em dia sucede quase sempre, graças aos cartões), um banco pode criar do nada 100 euros sempre que um cliente deposite nesse banco 1 euro, a prazo de menos de dois anos, e tanto quanto quiser, nos restantes casos.
Este é o negócio que dá lucros à banca: criar dinheiro do nada, gerando dívida sem cessar.

Logicamente, os bancos não deixaram nunca de aproveitar essa oportunidade e dedicaram-se a impor as condições que obrigam as empresas, famílias ou governos a endividarem-se continuamente, fomentando, por exemplo, a compra da habitação em vez do arrendamento, cortando salários, permitindo créditos hipotecários acima do valor da casa, subindo artificialmente o preço da habitação, desagravando fiscalmente os juros de maneira a ser mais rentável endividar-se do que autofinanciar-se, etc.

Esta, e não outra, é a causa de que a dívida cresça constantemente. E também de que os bancos, volta e meia, tenham crises, já que criar dívida desta forma faz com que o valor dos seus créditos se afaste constantemente do  dos seus depósitos e do seu capital em geral.

Em Junho passado, foram publicados os últimos dados anuais que permitem comprovar a relação entre o capital e os activos dos 50 maiores bancos do mundo. Embora não seja exatamente entre depósitos e créditos, a relação reflecte perfeitamente como tem crescido o negócio bancário e a razão da sua permanente instabilidade.

Esses 50 megabancos têm, no total, um capital de 772.357 milhões de dólares, enquanto os seus activos têm um valor 87,6 vezes maior (67,64 biliões de dólares). Mas, há casos verdadeiramente impressionantes. O recorde pertence ao Wells Fargo Bank dos Estados Unidos, que tem ativos no valor de 2.646,6 vezes maior do que o seu capital. LesiguenCitibank, com uma relação de 1.793,3 para um e o ING, que tem 1.550,3 dólares em ativos para cada dólar de capital. No ranking encontram-se o Banco de Santander, no 15º lugar e com uma relação de 196,9 dólares em activos por cada dólar de capital, e o BBVA, em 35º lugar e com uma relação muito mais baixa, de 20,5 para um (a lista completa pode ver-se no Bankers Almanac).
O sistema de reserva fracionária dá origem a estes monstros financeiros que assentam em nada, sendo materialmente impossível que se mantenham em pé, sem caírem em algum momento. A história demonstrou-o dúzias de vezes.

Mas embora o sistema seja perigosíssimo, a banca adquiriu, graças a ele, um poder político imenso, diabólico, que se estende a todos os resquícios da sociedade e que lhe permite obrigar a que sejam os cidadãos a arcar com os custos multimilionários que gera, cada vez que cai.

Vivemos, pois, num sistema que permite que a utilização de um elemento essencial para criar riqueza, emprego e satisfação humana como é o dinheiro, que está para a economia como o sangue está para o corpo humano, dependa exclusivamente da vontade de um grupo social privilegiado. E que, além disso, o utiliza da forma mais esbanjadora e onerosa, criando uma dívida crescente que asfixia a vida económica.

Veja-se como se vir, não há outra alternativa senão acabar com o sistema de reserva fraccionária e considerar o crédito como um serviço público essencial, obrigando a banca, seja ela privada ou pública, a governá-lo, inapelavelmente, à luz desse princípio. Isto não só permitiria evitar o inferno criado por cada crise, que o sistema bancário actual recorrentemente provoca, mas também utilizar o dinheiro, que é um bem comum, para financiar convenientemente empresas e consumidores, e que os juros (que poderiam ser mínimos ou utilizados apenas como instrumento de estabilização) revertessem para o Estado, aliviando uma parte imensa da actual carga fiscal.


 

[*] Catedrático na Universidade de Sevilha, no Departamento de Teoria Económica e Economia Política.











 

sábado, 18 de outubro de 2014


AS CAUSAS ECONÓMICAS E POLÍTICAS DA EPIDEMIA DE ÉBOLA

Por Vicenç Navarro *

O Centro para o Controle de Doenças (CDC, Center for Disease Control) do governo federal dos EUA, um dos centros de maior prestígio e reconhecimento internacional, pertencente ao Serviço de Saúde Pública (U.S. Public Health Service) do dito governo, publicou, no mês passado, um relatório sobre a epidemia criada pelo vírus do Ébola, onde se dizia que “os casos de Ébola poderiam expandir-se numa quantidade que podia variar de 550.000 casos a 1,4 milhões, nos primeiros quatro meses”. O mesmo relatório pôs em causa os números proporcionados pela Organização Mundial de Saúde (OMS, a agência de saúde das Nações Unidas) sobre o número de casos da doença causada pelo vírus do Ébola (5.800 casos) e o número de mortos (2.800 casos). O CDC dizia que, provavelmente, os números serão muito maiores, à roda de 20.000 casos de infectados com a doença. E sublinhava que era provável que o número de novos casos de infectados e de mortos aumentasse exponencialmente, passando de centenas a milhares por semana. O CDC indicava, também, que, hoje, a epidemia se centra em três países da África Ocidental, Libéria, Serra Leoa e Guiné, onde as infraestruturas de higiene, saúde pública e serviços sanitários são muito deficientes, tendo piorado nos últimos anos, em consequência das políticas de austeridade da despesa pública, incluindo a despesa pública com a saúde, impostas a estes governos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial, instituições  conhecidas pelas suas políticas de “ajuda ao desenvolvimento”, que se centram, entre outras medidas, na redução da despesa pública para reduzir o défice e a dívida públicos. Estas políticas de austeridade, que estão a ter um impacto muito negativo no bem-estar da população, nos países da Eurozona, têm um impacto devastador na saúde e qualidade de vida das populações africanas expostas a tais políticas.

Como e onde se iniciou a epidemia de Ébola

A epidemia actual iniciou-se na Guiné, em finais de 2013. Porém, não foi notícia até Março do ano seguinte, 2014. É uma das infecções mais mortais que se conhecem. Quer dizer, a mortalidade entre os enfermos de Ébola é muito maior do que é costume acontecer com outras doenças infecciosas. O vírus do Ébola, os seus efeitos e como poderia curar-se está menos desenvolvido e conhecido que outros vírus causadores de outras doenças mais conhecidas nos países mais desenvolvidos economicamente. Como indicava um artigo na revista International Journal of Infections Diseases, “este vírus é dos que se conhecem menos da família de vírus a que pertence. Há uma grande ignorância sobre este vírus…” E isto acontece apesar da existência e elevada letalidade do vírus ser muito acentuada.

O primeiro caso que se conhece do Ébola, segundo o CDC, foi detectado no antigo Zaire, no ano de 1976, onde se iniciou a sua transmissão, como consequência das condições muito pouco higiénicas dos serviços hospitalares daquele país, com a utilização de seringas pobremente esterilizadas. Um novo surto registou-se no Sudão, em 1979, com 34 infectados e 22 mortos. E, mais tarde, houve outro, de novo, no Zaire. O escasso conhecimento do comportamento e natureza do vírus explica que não se tenha elaborado fármacos que possam curar a doença, situação muito comum em doenças que existem com muito maior frequência nos países chamados pobres. A indústria farmacêutica não presta atenção a doenças e doentes que não são rentáveis. Existem muitos casos como este. E a bem conhecida insensibilidade dos Estados dos países ricos relativamente ao bem-estar das populações dos países chamados pobres explica a escassa atenção a este tipo de doenças, ao considerarem, erradamente, que não os afectará. A SIDA demonstrou, contudo, o erro deste pressuposto. Mas, a esta insensibilidade há que juntar a sua considerável responsabilidade na existência e permanência da pobreza nestes países. É aí que está o cerne da questão, o que raramente aparece nos maiores meios de informação.

As causas políticas e económicas da epidemia do Ébola

A maioria das economias destes países africanos está, em grande parte, nas mãos de grupos financeiros e económicos que obtêm a sua riqueza destes países, sem que esta riqueza seja canalizada para o resto da população. O total da população que vive nestes países (Libéria, Serra Leoa e Guiné) é aproximadamente de 20 milhões de pessoas. O seu principal meio de produção é a terra, constituindo os produtos minerais e agrícolas a sua maior riqueza, a qual, contudo, está principalmente em mãos de proprietários de empresas transnacionais (também conhecidas, erradamente, como multinacionais) que extraem a dita riqueza sem que, com isso, a população enriqueça. Os lucros vão para o país sede dessas transnacionais. Aqueles países não são, portanto, países pobres, pois têm muitos produtos enormemente valiosos. Em contrapartida, a grande maioria da população que trabalha no campo vive em condições misérrimas (ver Tariq Ali and Allyson Pollok, “The Origins of Ebola Crisis”, CounterPunch, 12.10.14, e também Horace G. Campbell, “Ebola, the African Union and Bioeconomic Warfare”, CounterPunch, 12.10.14). Em quase nenhuma das informações sobre o Ébola, aparecidas na maioria dos meios de informação, se falou das causas profundas da epidemia de Ébola nestes países, sendo a primeira a enorme miséria da grande maioria da população, resultado da aliança entre as elites governantes destes países, por um lado, e os interesses económicos e financeiros que controlam as suas economias, por outro. E, todas as vezes que há mobilizações políticas para acabar com tais estruturas, os governos dos países ricos (sumamente influenciados por aquelas transnacionais) enviam tropas ou ajuda militar para que o sistema de poder permaneça intacto. É esta, repito, a realidade que explica a pobreza dos países erroneamente chamados pobres (veja-se o meu livro Imperialism, Health and Medicine, Baywood, 1981).

A enorme pobreza explica a segunda causa do aparecimento desta epidemia maciça: a pobreza da infraestrutura dos serviços sanitários, de saneamento e de saúde pública. Estes países têm uma estrutura de salubridade e sanitária muito insuficiente, estrutura que se tem debilitado dramaticamente como consequência das políticas neoliberais do FMI, impostas à maioria dos países africanos, incluindo estes três (Libéria, Serra Leoa e Guiné). Tais políticas têm um impacto desastroso nesses países, cujos gastos públicos com a saúde por habitante são, juntamente com os do Bangladeche e Haiti, os mais baixos do mundo. E, inclusivamente, estão a reduzir-se mais, como consequência das políticas de austeridade (com os cortes na despesa pública social, incluindo a saúde), impostas pelo FMI, para a redução da dívida pública, e isto como condição para que possam receber dinheiro emprestado para estimular a economia (veja-se os artigos no International Journal of Health Services, volumes 39 e 40, anos 2009 e 2010, sobre o impacto do FMI na saúde dos países pobres).

Estas políticas neoliberais do FMI, que estão a causar o enorme empobrecimento do sector público, incluindo as infraestruturas de saneamento e sanitárias públicas, têm um impacto muito negativo nos países mais desenvolvidos economicamente (o serviço de doenças infecto-contagiosas, do Hospital Carlos III, em Madrid, onde agora está internada a enfermeira contagiada com o Ébola, tinha sido encerrado, como consequência dos cortes na despesa pública, resultado das políticas de austeridade da Comunidade de Madrid e do governo Rajoy), e têm também um impacto, repito, devastador nos países erradamente chamados pobres (como a Libéria, Serra Leoa e Guiné).

É, igualmente, importante sublinhar que, nestes países, tal como acontece em Espanha, os serviços de saúde estão altamente estratificados por classe social, com uma medicina privada para as classes ricas (dependentes dos interesses transnacionais), que controlam a vida política e mediática do país. A pobreza da despesa pública estimulou o enorme crescimento da privatização, que contribui para a pobreza do sistema público. Hoje, em Espanha, estamos a ver o debilitamento das grandes unidades de saúde, à custa da expansão da medicina privada. Esta situação repete-se nos países africanos, com resultados catastróficos. À enorme pobreza da grande maioria da população, junta-se a enorme insuficiência da sua infraestrutura sanitária e de saneamento. Na realidade, o que acontece nos países erradamente chamados pobres é muito semelhante ao que acontece nos países “ricos”, embora os resultados sejam imensamente piores, devido à enorme pobreza naqueles países. Hoje, na Libéria, Serra Leoa e Guiné, os doentes com Ébola são recusados nos hospitais e morrem na rua, em plena luz do dia.

A resposta à crise actual

A resposta à crise naqueles países africanos foi, previsivelmente, muito lenta. E quando teve lugar, pediu-se urgentemente recursos humanos e dinheiro. Só para a Serra Leoa, o governo pediu 1.000 médicos e 3.000 enfermeiros. E a OMS indicou que são necessárias 4.300 camas de hospital, para tratar todos os doentes com Ébola, nestes três países (Libéria, Serra Leoa e Guiné), mais de dez vezes o número total de camas existentes nestes países. Os primeiros países a responder foram Cuba e China (Cuba, por certo, foi sempre exemplar na sua resposta aos pedidos de ajuda, tal como sublinhou, a seu tempo, o Presidente Mandela da África do Sul). Cuba foi o primeiro país que respondeu, enviando imediatamente 165 médicos e profissionais, ajuda especialmente valiosa, pois Cuba, apesar da sua pobreza económica, tem um dos programas mais avançados do mundo contra doenças infecciosas, como reconheceram, não só a OMS, mas também a Associação Americana de Saúde Pública, APHA. A China enviou 200 profissionais de saúde e, por fim, o governo Obama enviará 3.000.

Esta ajuda em pessoal é de uma grande urgência. Mas, dita ajuda será paliativa e não resolutiva, a não ser que haja mudanças maciças dirigidas a atacar as causas da epidemia de Ébola a que me referi neste artigo, a saber: a miséria da população que vive e trabalha nestes países e a grande insuficiência das suas infraestruturas de salubridade, de saneamento e sanitárias. A não ser que isto ocorra, as epidemias de Ébola ir-se-ão repetindo.

É evidente que tais epidemias podem controlar-se e assim está a acontecer inclusive nos países vizinhos dos três mais afectados (Libéria, Serra Leoa e Guiné). A Nigéria e o Senegal, por exemplo, parecem ter contido a epidemia. O Ébola é muito letal. Mas, não é muito contagioso. Na realidade, é das menos contagiosas de entre as doenças virais. E é muito pouco provável que, como ocorreu com a SIDA, se expanda nos países ricos. Isto poderia suceder, mas a infraestrutura sanitária dos países desenvolvidos é suficientemente avançada para poder controlar a difusão da doença. Mas, este pressuposto tão-pouco é definitivo, pois o desmantelamento dos serviços públicos de saúde a que estamos a assistir, inclusive na EU (muito visível em Espanha), pode diluir e debilitar esta garantia, de forma alarmante, como aconteceu em Espanha.

O neoliberalismo foi a causa desta possibilidade, tanto nos países da Africa Ocidental, como nos do sul da Europa.

______

*Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University.

Texto original em http://www.vnavarro.org/?p=11440 


Nota do tradutor:

Algumas riquezas da Libéria: principal produtor mundial de borracha, além de exportador de diamantes e ouro. Ocupa o 174º lugar, num total de 187 países, no Índice do Desenvolvimento Humano (IDH) em 2012, do relatório das Nações Unidas, publicado em 2013.

Algumas riquezas da Serra Leoa: diamantes; um dos maiores exportadores de titânio e de Bauxita; 3º maior porto natural do planeta. 177º lugar no IDH. (O filme do realizador Edward Zwick, “Diamante de Sangue” retrata bem como se transforma um país riquíssimo, a Serra Leoa, num dos mais pobres do mundo).

Algumas riquezas da Guiné-Conacri: grandes reservas de ferro e um terço das reservas mundiais de bauxita; grandes depósitos de diamantes e ouro; quantidades ainda indeterminadas de urânio; terra, água e condições climáticas excepcionais para a agricultura e pesca. 178º lugar no IDH.

Algumas riquezas da República Democrática do Congo, antigo Zaire: de todas as reservas mundiais, possuiu 34% de cobalto, 10% de cobre, ouro, urânio e petróleo, 50% de coltan (componente essencial de computadores e telemóveis); cotas relevantes de diamantes, cassiterita e nióbio; maiores recursos hídricos de toda a África. 90% da população não tem acesso à electricidade. O orçamento deste país é apenas um pouco maior do que o montante anual das despesas operacionais das 2.700 pessoas empregadas no FMI, organização que obriga este país a entregar 50% das suas receitas para o serviço da dívida. 186º lugar no IDH.

Se não houvesse esta pilhagem de recursos, não haveria epidemias de Ébola, nem tão-pouco uma emigração maciça e as consequentes mortes no Mediterrâneo.

 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014





Campeão das rotundas, Portugal vai passar a ser o país dos pelourinhos

11-10-2014
Por Óscar Mascarenhas [*]

Havendo males que vêm por bem, o desvario que esvurma dos atuais governantes e seus valetes vai recolocar, aos jornalistas, a necessidade de traçarem uma agenda própria, tão submissa e cordata tem sido a imprensa, com a exceção honrosa de raras teimosias de insubmissão.
Quando refiro os atuais governantes, não me cinjo nem ao tempo nem ao espaço; outros virão tão alvares como os que ainda se mantêm com unhas, dentes e gavinhas no santuário blindado da sua incapacidade - e o mesmo se passa por essa desencantada Europa fora. Os de cá não são intelectualmente medíocres, culturalmente vazios e civicamente vadios por não terem conseguido acompanhar os congéneres europeus. Nada: estudaram todos pelos mesmos manuais em formato tabloide, fascículos diários de Metafísica dos Costumes e Filosofia do Direito que cá pelo burgo vêm garridamente capeados de Correio da Manhã e O Crime.

E como entram nisto os jornalistas que honram a profissão? Não entram. Distanciam-se e denunciam. Como se apresentava uma corajosa coleção de livros - o mais deles proibidos e retirados do mercado - "quando a desordem se torna ordem, uma atitude se impõe: afrontamento". Era esse o nome da editora, é essa a consigna dos tempos de que nos envergonhamos.
Tudo às avessas: o que deveria estar ao acesso do público ou de setores da população é-lhes negado; e aquilo que deveria ser retirado da esfera pública, porque é privado ou íntimo, é colocado à disposição da curiosidade mórbida ou pérfida. Compete aos jornalistas revelar o que se esconde e publicar o que deveria ser exposto.

Os jornalistas já deixaram sem explicação e denúncia como é que Portugal se transformou no campeão das rotundas - e quanto alcatrão ficou agarrado a certos dedos, para serem limpos com muitas notas. Agora, ficam prevenidos e atentos aos pelourinhos onde vão ser expostos, à medieval, os condenados sem julgamento, sentenciados por leis de um poder apostado em gerar uma sociedade histérica e tabloide - com o pretexto de "também se faz lá fora", nessa vergonhosa sociedade tribal de vizinhos que se invadem e se chacinam uns aos outros na dita Europa.
Dois exemplos do que deveria ser conhecido e é sonegado: o ministro Nuno de Santo Estaline Crato - pode esquecer-se a matemática, mas o estalinismo inoculado na madrassa éme-éle é mais indelével do que uma tatuagem perante o laser e o seu sintoma são as unhas enterrarem-se na cadeira que se abarbata à custa de muita casaca virada e muita mesura - não publica as listas de colocações de professores. Estão nas escolas, diz o comissário contra o povo. Pois. Os professores concorreram a nível nacional mas, para saberem se houve batota ou simples erro, têm de ir a centenas de escolas e investigar por sua conta. Segredo de Estado! Deve ser "como se faz lá fora"...

O primeiro-ministro diz que não faz striptease da sua conta bancária. Certo. Mas, acho eu, ninguém quer saber se gastou o dinheiro que recebeu a comprar slips fio dental, lantejoulas, plumas ou varões para se despir langorosamente na intimidade aos requebros de um kuduro. A única coisa a mostrar é a lista do que recebeu, já que, exercendo cargos públicos, a coluna do que entrou na sua conta bancária deveria ser mostrada - e eu sempre defendi que essa declaração fosse reservada e não enchesse a gorja dos tabloides para fazerem o top ten dos mais ricos, pondo em risco a segurança dos filhos e familiares, por se tornarem um chamariz para os raptores. Mas a lei é imbecil, feita por políticos imbecis e conluiados com o tabloidismo - aquelas cabeças não dão para mais, coitadas - e que fazem vida de se queixarem dos tabloides que os cercam. Deve ser "como se faz lá fora"...
A ministra da Justiça é caso perdido. Acha que as visitas aos tribunais são sua "agenda privada", de que se recusa dar conta e permite-se interpelar um deputado com "o que é que o senhor fez pelo país?", ignorando que é o deputado quem lhe pede contas e não ao contrário.

Nem sequer percebe o que legisla ou o que quer legislar. É uma "Maria vai com o que se faz lá fora e, para dares um toque de sal à portuguesa, mete uma bojarda tua, que fica bem". Tem a ver com as listas dos que cumpriram a pena por pedofilia. "Lá fora" acha-se legítimo um patrão conhecer o passado penitenciado de um candidato ao emprego e recusá-lo por tais ou outros antecedentes. A ministra acrescenta uma "prevenção": os pais dos jovens com menos de 16 anos também têm o direito a conhecer. Não podem revelar o que sabem - num país em que o segredo de justiça é cumprido quando os reis fazem anos bissextos! Como a senhora, que se cultivou no confronto dos Irmãos Metralha com o Tio Patinhas, cuja leitura não lhe dava cãibras nos beiços, não consegue imaginar pais de crianças que as lançaram no negócio do sexo a troco de dinheiro. Agora a criativa governante quer dar rédea solta à chantagem. Uma coisa é a polícia ter a lista dos "suspeitos do costume" - o que já é dissuasor quanto possível numa sociedade em que os fins não justificam todos os meios - e outra é cortar a possibilidade de regeneração de quem cumpriu pena, estigmatizando-o publicamente. Deve ser "como se faz lá fora" - e se fez mesmo, com estrela cosida no casaco...
Agora assoma da casca o chefe da ASAE, que nunca se notabilizou por apanhar bancos agiotas e lavadores de dinheiro (está nas suas competências legais), mas que já entalou muita leitaria de bairro. Quer fazer uma lista negra de estabelecimentos detetados em incumprimento, autuados e obrigados a corrigir as carências. Disse o cavalheiro ao DN: "Era uma maneira de devolver (?) ao operador económico um estímulo pela negativa no sentido de querer sair da lista e, portanto, introduzir alterações." Não basta a contraordenação, que vai até ao encerramento; é preciso colocar no pelourinho da má fama a leitaria onde a colher de pau foi utilizada para mexer a sopa e a caldeirada. Deve ser "como se faz lá fora".

 

[*]Provedor do leitor do Diário de Notícias

terça-feira, 14 de outubro de 2014


 

As desigualdades de vida e morte

Por Vicenç Navarro*

Uma das situações mais preocupantes que estão, hoje, a acontecer no mundo é a existência de grandes desigualdades em indicadores sociais tão importantes como os anos de vida e a idade de morte das pessoas pertencentes a distintos países e a diferentes classes sociais dentro de cada país. A disparidade na esperança de vida (isto é, os anos que se calcula que uma pessoa viverá) entre países pobres e países ricos é conhecida e merece atenção mediática. O facto de que um cidadão da Serra Leoa, em África, viva em média 27 anos menos que uma pessoa no Japão é um dado importante, mobilizador da comunidade internacional que se considera sensível aos direitos humanos, entre os quais o direito à vida é um dos centrais (ver Therborn, G., The Killing Fields of Inequality, Polity Press, 2013). Mas, o que se conhece e reconhece menos são as enormes diferenças existentes na esperança de vida dentro dos países, tanto ricos como pobres, diferenças que, em ocasiões, são inclusive maiores que as existentes entre países ricos e países pobres. Assim, segundo Therborn, em estudos epidemiológicos levados a cabo com grande rigor na cidade escocesa de Glasgow, verificou-se que a diferença da média de anos de vida entre os bairros mais pobres e os mais ricos daquela cidade industrial da Escócia é de 28 anos, um número maior que a diferença existente entre o Japão e Serra Leoa. Inclusivamente, na Suécia, um dos países com menos desigualdades sociais da União Europeia dos Quinze (EU-15), a diferença da média de anos de vida entre os bairros ricos e os pobres é maior que a existente entre a Suécia (país rico) e o Egipto (país pobre). Em Espanha, tais diferenças de esperança de vida também se dão. Uma pessoa que vive no bairro rico de Sant Gervasi, na cidade de Barcelona, vive oito anos mais que uma pessoa que vive num bairro operário, como o Raval, na mesma cidade.
E esta diferença – como também escreve Therborn – tem estado a aumentar, em parte como consequência de que, em geral, a população mais rica tem vindo a viver mais anos. Mas, esta não é a única causa. Em muitos países, outra causa é a de que os anos de vida das classes menos ricas têm-se reduzido, o que tem pouca visibilidade mediática. Na realidade, o crescimento tão maciço do desemprego, que está a ter lugar na Europa, (e que adquire a sua máxima expressão nos países do sul da Europa, como Espanha) tem um impacto negativo nos anos de vida da população, primordial mas não exclusivo entre sectores da população como a inactiva e a desempregada. Isto está a ocorrer inclusive em alguns países escandinavos do norte da Europa, como a Finlândia. Na realidade, calculou-se que, como consequência da crise actual, houve na Europa um aumento de 8.000 suicídios (desde o início da crise de 2007 a 2010). Assim, extrapolando estes dados para o período de 2015-2019, calculou-se que, somando outras causas de morte além do suicídio, haverá um aumento da mortalidade de mais de 235.000 mortes, e isso como consequência da continuação da crise, a mesma crise que, calcula-se provocará um aumento de 9,5 milhões de desempregados durante o mesmo período.

Por que razão isto ocorre?

Não é necessário dizer que tem havido muitos trabalhos científicos orientados para a análise do porquê da taxa de variação da mortalidade segundo a localização da população na escala social (isto é, segundo a classe social à qual as pessoas pertencem). A grande maioria dos estudos centrou-se nas diferenças de comportamento que existem entre classes sociais, em hábitos de vida tais como fumar, a dieta, o exercício físico e outros factores considerados, com razão, variáveis importantes para explicar a esperança de vida de um indivíduo. Mas, o que é muito mais importante e muito menos conhecido é que estes factores, embora importantes, são dramaticamente insuficientes para explicar as diferenças de esperança de vida que existem na população. Na realidade, quando se compara a esperança de vida da população que tem os mesmos hábitos (isto é, que come igual, que fuma igualmente, que faz o mesmo exercício e outros factores que influenciam os anos de vida de uma pessoa), agrupando as pessoas pela sua classe social, vê-se que a taxa de variação da mortalidade, por classe social, continua. A influência dos hábitos de uma pessoa para explicar os seus anos de vida é menor do que a que tem a sua posição na escala social. E visto que a grande maioria da população morre na mesma classe social em que nasceu, a variável mais importante para explicar a esperança de vida é a classe social na qual o indivíduo nasce e à qual pertence.
Isto explica que se tenham feito estudos para averiguar o que há nesta situação que explique a mortalidade diferencial por classe social. E é arrasadora a evidência existente de que uma das variáveis mais importantes para explicar diferentes médias de anos de vida está na sensação de controle e satisfação que a pessoa tem sobre os elementos chave da sua vida, tal como o trabalho que exerce. A possibilidade de criatividade que esse trabalho permite, o sentimento de se ser tratado justa ou injustamente, a ajuda e apoio, assim como a segurança laboral e protecção social que se recebe, são factores mais importantes para explicar a esperança de vida do que os hábitos que as pessoas têm.

Esta evidência existe desde há anos. Já nos anos 70, nos EUA, estudos dos centros de investigação sanitária mais importantes do país (os famosos NIH) mostraram que a variável mais importante para explicar a esperança de vida das pessoas (acima dos 65 anos) era a satisfação que tinham tido com o trabalho que fizeram ao longo da sua vida.
Apesar da evidência acumulada durante todos estes anos, pouco se fez a este respeito, nos dois lados do Atlântico Norte. E a razão para explicar esta escassa atenção é a de que as políticas públicas que se requerem para aumentar a esperança de vida passam, não só por mudanças nos hábitos de consumo e estilo de vida, mas também por mudanças nas relações de poder, baseadas mais no mundo do trabalho e da produção do que na área do consumo. São soluções que requerem respostas colectivas, mais que individuais, e que afectam as coordenadas de poder existentes num país. Para os stablishments financeiros e económicos (que têm uma enorme influência política e mediática) é mais fácil e menos conflitivo dizer ao cidadão que tem de deixar de fumar do que ter que alterar as relações de poder no mundo da produção (ao que, claramente, se oporão tais stablishements). Dizer-lhe que tem que se organizar e mobilizar-se para conseguir mais poder na sociedade, mudando, por exemplo, a natureza do trabalho, para que este se converta num instrumento de prazer e criatividade, em vez de instrumento para permitir a optimização dos interesses dos que controlam o trabalho, é outra conversa. Daí que se dê muito mais prioridade a campanhas anti-tabagismo (que são úteis e necessárias) do que a intervenções públicas direccionadas a reduzir as desigualdades baseadas na pertença social das pessoas e na natureza do seu trabalho, além do seu consumo (que são inclusive mais importantes) E isto apesar de que, como documentaram Joan Benach, Carme Borrell, Carles Muntaner, Montse Bergara e outros investigadores espanhóis, conseguir que as pessoas com rendimentos inferiores tivessem as mesmas taxas de mortalidade que as pessoas com rendimentos superiores permitiria salvar mais vidas do que se se conseguisse que toda a gente deixasse de fumar. Em ciência, há temas mais prioritários que outros, devido às relações de poder (incluídas as de classe social, além das de género) existentes num país.
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*Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University.
Texto original em http://www.vnavarro.org/?p=11194

domingo, 12 de outubro de 2014


 
O caso PT ou por que se destrói a riqueza de um país
 
"Durante décadas a maior empresa portuguesa, e a primeira de dimensão internacional, a PT, era, também, a companhia que mais investia em tecnologia e investigação no nosso país", lembra Mariana Mortágua numa intervenção, no Parlamento.

Nunca é de mais fazer um exercício de memória para saber, exactamente, quem são os principais culpados da situação a que chegou a Portugal Telecom, ao darem liberdade aos administradores, através da privatização, para todo o tipo de negociatas e especulação financeira, com o nosso dinheiro.

Assim, temos, em 1 de Junho de 1995, a 1ª fase da privatização, ou primeira machadada nesta empresa pública, com Cavaco a alienar 27,26% do seu capital. Fê-lo a 4 meses das eleições, com os socialistas já perfilados na sucessão do poder. Terá sido receio de que o seu substituto, o socialista Guterres, honrando o nome do seu partido, recusasse privatizar uma empresa estratégica para a soberania nacional, com bons lucros, que revertiam para o Estado, isto é, socializados e não arrecadados apenas por alguns? Se sim, enganou-se, visto ter sido o dito socialista que mais privatizações fez, PT incluída.

O governo de Guterres (1995-2002), de quem António Costa foi duas vezes Ministro (é também bom não esquecer), foi quem procedeu à privatização quase total da PT: 21,74% do capital, em 1996, quase 26%, em 1997, 13,5%, em 1999 e o resto em 2000, ficando, por fim, o Estado com apenas 500 acções em golden share, isto é, com direitos preferenciais sobre as decisões da empresa. António Costa chamará a isto uma privatização inteligente, como, agora, propõe aplicar uma "austeridade inteligente". Isto é, um socialismo que, depois de ter sido metido na gaveta por Mário Soares, abre portas e janelas (as tais, das oportunidades) aos buldózeres da destruição completa dos bens públicos.

Os actuais vendedores do país não tiveram que se esforçar muito para pôr fim a essa golden share, tendo sido uma das  primeiras acções destruidoras, assim que tomaram posse (Conselho de Ministros de Julho de 2011).

Se se pedir responsabilidades a uns e a outros, responderão, vivaços, ou com ar sorna, que se limitaram a cumprir as exigências de Bruxelas, entre as quais, como Burroso nos ensinou lá do alto, da Comissão Europeia -  a "concorrência livre e não falseada". Não dirão que foram eles quem concordou com os tratados que prevêem o desmantelamento e privatização das empresas públicas lucrativas, assinando e apoiando todos os tratados europeus que contemplam esta traição ao país. O Tratado de Lisboa, assinado com pompa e circunstância por Guterres (de quem António Costa foi duas vezes Ministro, é útil não esquecer) foi o penúltimo capítulo e capitulação de Portugal como país independente. O último está no Tratado Orçamental, aprovado à sorrelfa, no Parlamento português, pela maioria de direita, isto é, PS+PSD+CDS.

Resta dizer que, dos países sob ocupação da Troika (Comissão Europeia, presidida pelo patriota Burroso, comprador de submarinos à Alemanha, Banco Central Europeu, presidido por um alto funcionário do banco privado Goldman Sachs, protagonista da trafulhice nas contas públicas da Grécia, e FMI, presidido por uma ex-ministra francesa a contas com a justiça por corrupção e desvio de fundos públicos), Portugal evidencia-se como o melhor sabujo deste bando de delinquentes. A Irlanda e a Grécia, depois de a Troika ter obrigado a privatizar algumas empresas, fizeram questão de guardar, nessas empresas, uma golden share. Ex.: A Public Power Company grega.

Mas, para vermos com mais clareza como a “construção europeia” tem sido feita para destruir as economias dos países periféricos, como Portugal, e pô-los sob o domínio da Alemanha e seus aliados, falta saber que esses países não privatizaram, total ou parcialmente, segundo os casos, os CTT, por exemplo, e detêm uma participação considerável em empresas estratégicas para as respectivas economias. Ex.: Volkswagen, Renault.

É assim que, agora, depois de totalmente privatizada e desvalorizada, os restos da Portugal Telecom irão parar a mãos francesas (segundo tudo indica, pois o especialista em venda do país a retalho, Paulo Portas, já recebeu os interessados, no seu gabinete de ministro), isto é, quem der mais e melhores luvas ao vendedor e intermediários.

Vêm, depois, dizer-nos que não há dinheiro. Pois não há, nem pode haver, se o que dá lucro nos é roubado, obrigando o Estado a endividar-se num crescendo, com emissão de títulos de dívida para pagar apenas juros. Mas é este o objectivo de quem manda na União Europeia e dos seus lacaios nacionais: acorrentarem-nos a uma dívida para todo o sempre.

 

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2014


Portugal Telecom – como se afunda uma empresa

Querem saber como se destrói uma empresa? Perguntem a Zeinal Bava e a Henrique Granadeiro. O que teve lugar na Portugal Telecom, nos últimos anos, devia ser compilado e dar origem a um manual de instruções para afundar empresas.

8 de Outubro, 2014                                                                                        
     Mariana Mortágua[*]
 

Zeinal Bava pode dizer que sai pelo seu pé, mas deixa atrás de si os cacos do que foi a mais prestigiada empresa nacional.

Durante décadas a maior empresa portuguesa, e a primeira de dimensão internacional, a PT, era também a companhia que mais investia em tecnologia e investigação no nosso país. Era, digo. Porque é este o legado de Bava à frente da empresa que o Estado privatizou: todas as notícias positivas sobre a PT estão no passado.

A PT, fruto do seu investimento no centro tecnológico de Aveiro, foi a primeira empresa mundial a criar um cartão pré pago. Foi com ele que reagiu à entrada das multinacionais de comunicações no nosso país e retomou a liderança no sector móvel. Foi com esse cartão que revolucionou o mercado brasileiro e tornou a VIVO o maior operador móvel da América latina. O mesmo aconteceu com os acessos à internet, rede 3 G e um sem número de produtos nascidos da articulação entre uma empresa com capitais públicos e uma universidade do Estado.

Há quatro anos a PT tinha a liderança do mercado móvel da América latina. Hoje, é uma empresa endividada até ao pescoço, sem capacidade de investimento, escorraçada pelo obsoleto parceiro brasileiro, e à beira de ser comprada por um fundo especulativo. O mesmo fundo que, depois de adquirir a Cabovisão, fez do despedimento de 100 funcionários o seu primeiro ato de gestão.

Não será certamente coincidência que a queda livre da PT coincida, temporalmente, com a alienação da Golden Share do Estado na empresa. Ou que o momento chave da destruição de valor, a venda da Vivo, tenha acontecido com a oposição do Estado, que acabou por se vergar à pressão do maior acionista da PT: o BES.

O banco de Ricardo Salgado precisava de liquidez e o futuro de uma empresa estratégica portuguesa era a sua última preocupação.

Foram essas necessidades de liquidez que fizeram com que a PT, durante anos e anos a fio, fosse a empresa que mais generosos dividendos foi distribuindo. A distribuição de dividendos muito acima das suas possibilidades, foi o esquema encontrado por Zeinal Bava e Henrique Granadeiro para gerirem uma complexa teia de interesses. O resultado está à vista. A sua ligação umbilical às necessidades da finança, leia-se Banco Espírito Santo, acabou por colocar o futuro da empresa em risco.

Não é a queda de um anjo, incensado até há pouco tempo pelos sucessivos governos, pela finança e até colunistas da imprensa especializada, que nos deve preocupar. O que nos preocupa é o futuro do operador incumbente de comunicações, o futuro de milhares de trabalhadores ou do investimento em infraestruturas vitais para a modernização do país.

Não nos esquecemos que a alienação da Golden Share foi um dos temas da campanha interna do PSD, juntando todos, à vez, na defesa desta irresponsabilidade.

E por isso está na altura de confrontar Passos Coelho com as suas próprias garantias.

Dizia o primeiro-ministro que o fim das Golden Share do Estado teria lugar acautelando os interesses estratégicos do país. Das duas, uma: ou Passos Coelho, na sua forma distorcida de ver a economia e a sociedade, entendia que o interesse estratégico do país passava por entregar uma das mais importantes empresas nacionais a um pequeno fundo internacional, sem nenhum conhecimento e capacidade de investimento; ou estamos perante um ato consciente de favorecimento dos interesses privados. Em ambos os casos, é o interesse nacional que, mais uma vez, sai lesado.

PSD, PS e CDS foram-nos garantindo que as privatizações não iriam colocar em causa a permanência dos sectores estratégicos em mãos nacionais. O atual Governo jurou-nos, depois, que o fim das golden share não hipotecava os interesses do país. Tudo furado.

Não só as privatizações de sectores como a energia ou combustíveis não trouxeram os proclamados benefícios da concorrência, como monopólios naturais fundamentais para a soberania nacional foram parar às mãos de regimes ditatoriais ou aos bolsos de fundos especulativos sem nenhum interesse de médio ou longo prazo.

O que está em causa é a irrelevância da PT. O que está em causa é o posto de trabalho de milhares de pessoas e a previsível deslocação ou desinvestimento no centro tecnológico de Aveiro, onde se concentra a maior fatia do investimento privado em investigação no país.

Não há como olhar para o que está acontecer, aqui e agora, mesmo à frente dos nossos olhos, e insistir, com certeza acrítica de quem está toldado pelo seu próprio radicalismo ideológico, que nada correu mal, que isto não poderia ter sido evitado, ou que não há lições para o futuro.

Sim, está a correr mal. Sim, podia ter sido evitado. Sim, há lições para o futuro: os setores estratégicos nacionais têm que estar em mãos públicas, a começar pela TAP, que o governo tenta vender à pressão sobre os escombros da PT, que tanto contribuiu para destruir.

Declaração política na Assembleia da República em 8 de outubro de 2014

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[*] Economista, Deputada do Bloco de Esquerda.
Texto retirado do jornal digital Esquerda.net

quinta-feira, 9 de outubro de 2014


Sendo esta uma boa carta de apresentação e que pode servir de modelo a quem procura emprego, decidimos transcrevê-la. Advertimos, no entanto, que é preferível ter experiência em portas giratórias, se quiser progredir na carreira.
 

Porteiro do Ritz apresenta currículo à Tecnoforma [*]

 
Exmos. Srs., 

Desejo candidatar-me a um lugar na V. excelente empresa beneficiando do inovador modelo remuneratório que consiste na substituição do salário pelo pagamento de despesas de representação. Proponho representar a V. excelente empresa em vários sítios e ocasiões, a saber: em três refeições diárias; em todas as minhas deslocações; e num escritório localizado em minha casa, cujas renda, água, luz e telefone ficarão, por isso, a vosso cargo.  
O facto de abdicar por completo de um salário não significa que o trabalho que desenvolverei não tenha valor - muito pelo contrário. Tenho várias ideias que gostaria de pôr em prática ao serviço de V. Exas. Acompanhei com interesse o processo através do qual a V. excelente empresa obteve financiamento no valor de 1,2 milhões de euros com o objectivo de formar cerca de 500 técnicos municipais para trabalharem em sete pistas de aviação e dois heliportos que têm hoje, no total, sete funcionários. O projecto falhou, e a Tecnoforma terá acabado por receber apenas 311 mil euros para formar 122 pessoas. Creio que o problema poderia ter sido resolvido com facilidade acrescentando à formação a formação de formadores. A formação é extremamente importante. Nessa medida, é fundamental garantir que os formadores estão aptos a ministrá-la correctamente. Como? Através da formação de formadores. Neste ponto, coloca-se um problema: como garantir que os formadores de formadores recebem formação de qualidade? A resposta é evidente: através da formação de formadores de formadores. E assim sucessivamente, numa espécie de mise en abyme formativo. Esta matrioska educacional permitiria não só esgotar o subsídio europeu de 1,2 milhões como também candidatar a empresa a novos subsídios, na medida em que a formação de formadores, por ser mais especializada, é mais cara do que a mera formação. O mesmo vale para a formação de formadores de formadores, em comparação com a simples formação de formadores. 

Acresce a tudo isto que a V. excelente empresa formou funcionários para trabalharem em aeródromos sem actividade, ou com actividade residual. Ora, como é sabido, a gestão e controlo de aviões provoca forte ansiedade. Mas a gestão e controlo de aviões que não existem tem potencial para provocar ansiedade ainda maior. Trata-se de uma espécie de "À Espera de Godot" aeronáutico. É uma tarefa muito inquietante, e nessa medida deve requerer formação adicional.  Por último, li com muito agrado a entrevista do antigo proprietário da V. excelente empresa, na qual elogia o vosso ex-funcionário Pedro Passos Coelho por, e cito, "abrir todas as portas". Confesso que me comovi quando constatei que a abertura de portas era, finalmente, valorizada como merece. Tendo em conta a minha experiência de cerca de 20 anos precisamente nessa área, creio que sou um bom candidato a desempenhar funções na Tecnoforma. 

Aguardo notícias de V. Exas

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[*] Texto de Ricardo Araújo Pereira, publicado na revista Visão

quarta-feira, 8 de outubro de 2014


Revolta a crueldade islâmica que está a degolar pessoas, muitas dos países civilizados que lhes bombardeiam cidades e pilham as riquezas e bens.

Parecem não haver entendido que, entre a brutalidade da faca e a delicadeza da bomba, a diferença é abissal, evidenciando a nobreza da civilização do Ocidente.

Experimente-se dar-lhes os meios com que destruir Paris, Londres, Nova Iorque ou Berlim, e adoptarão com certeza as guerras de civilização que nos permitem brindar Síria, Afeganistão, Iraque, Somália, Mali e, até, a Ucrânia europeia, de benefícios diários que toda a gente conhece.

Como a estupidez tem limites, concorde Einstein ou não, o bom exemplo encarrila os muitos transviados do mundo.

Que, por azar, são possuidores de petróleo ou se encontram muito próximos dele.

 Do blogue IRRESILIÊNCIAS

 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014


Cavaco Silva, num dos seus brilhantes discursos, desta vez, no 5 de Outubro, culpou os partidos e a organização do sistema político pela insatisfação dos portugueses com a democracia, apelando a uma “reflexão séria” e a “compromissos” para “mudanças efectivas”.
Esquecendo o facto de esta luminária ser o político profissional com mais anos no activo, desde dirigente partidário a primeiro-ministro e, agora, segundo dizem, Presidente da República, sendo, portanto, um dos principais culpados pelo descrédito na política em que caiu a maioria dos portugueses, a verdade é que, consciente ou inconscientemente, desvia a atenção da verdadeira causa da abstenção dos eleitores e do alheamento da maioria da população.

Se é verdade que a corrupção, a mentira, os privilégios, a impunidade de muitos políticos (não todos, como querem fazer crer) é uma realidade (coisa a que Cavaco não se referia, mas, sim, às leis eleitorais), o que leva muita gente a não participar na vida política é o facto de sentirem, cada vez mais, que as decisões são tomadas em instâncias supranacionais, dizendo-lhes que não têm outra coisa a fazer senão obedecer. É isto que todos repetem, quer Cavaco, quer os partidos da direita, PS incluído, ou outros, pertencentes ao mesmo bando, como o Presidente do Banco de Portugal. Este último, o tal que afiançou, na véspera do colapso do BES, que o BES era um banco de confiança. E, para não destoar, no sábado, voltou a repetir o estribilho de que cumprir o défice (exigido pela Comissão Europeia, pela Merkel, pelo BCE, pelo FMI) é “crucial”. Nem seria de esperar outra coisa de um indivíduo, “filho da pátria” como alguém já o apelidou, com o currículo que tem (ver biografia na página do Banco de Portugal) e num país onde o conflito de interesses não conta.
Ora, é este discurso e esta prática que levam os portugueses menos informados a resignarem-se com um “tem que ser, o que é que se há-de fazer!”.

O texto de Fernando Luengo aponta estes dois factos – “a desvalorização das instituições de representação formal [os parlamentos nacionais, por ex.] e os partidos políticos, como espaços de representação política” – como estratégia pensada, no sentido de aumentar o domínio de uma oligarquia que se quer todo-poderosa, sem os entraves da democracia, por mais limitada que seja.

 
Um novo capitalismo, mais oligárquico e autoritário

Por Fernando Luengo*

A gestão que vem sendo feita da crise económica dentro da União Económica e Monetária está a criar as condições, se não as criou já, para uma viragem substancial na configuração sistémica dos capitalismos europeus. Viragem que se iniciou muito antes da implosão financeira, pelo menos desde que se impôs por todo o lado a doutrina neoliberal, a partir da década de 80 do século passado, mas que, nos últimos anos, alcançou maior envergadura e visibilidade.
O protagonismo da Troika – sob esta denominação reúnem-se três instituições de carácter intergovernamental, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional -, que impôs as suas políticas aos governos, parlamentos e cidadãos, e a centralidade adquirida pela Alemanha, que fez valer e ilpor os seus interesses e os dos seus aliados, transpondo-os para as instâncias comunitárias, constituem dois elementos essenciais de um processo de maior amplitude, calado e transcendência, que está a propiciar uma transformação estrutural dos equilíbrios, consensos e relações de poder.

Algumas das componentes básicas dessa transformação são: a desvalorização das instituições de representação formal e dos partidos políticos como espaços de representação política, a contaminação e ocupação da política por parte dos grupos económicos e a degradação do estatuto socio-económico e político de uma parte da classe média.
Deste modo, rompida a maior parte dos diques de contenção social e política, está a produzir-se um histórico desmantelamento dos Estados de Bem-estar – que, supostamente, eram o principal emblema das “economias sociais de mercado” comunitárias -, um questionamento profundo do papel dos Estados como pedras angulares de um consenso social integrador e o debilitamento ou desaparecimento das pontes institucionais que, no passado, antes do colapso financeiro, tornaram possível uma certa redistribuição do rendimento.
Essa refundação sistémica alcança também os próprios alicerces do processo de acumulação. Consolidaram-se, nestes anos de decrescimento ou crescimento débil, mecanismos de extracção de rendimentos e riqueza das classes trabalhadoras paras as oligarquias. É neste contexto que é necessário situar a redução dos salários nominais e reais de boa parte dos trabalhadores, o alargamento do horário de trabalho e a intensificação dos ritmos na execução das tarefas. O desequilíbrio na relação de forças a favor do capital e contra o trabalho (propiciado pelas reformas laborais, o temor a perder e não recuperar o emprego, pelo contínuo aumento do desemprego ou pela permanente ameaça de proceder ao encerramento e deslocalização da empresa) abriu uma via de acumulação a partir da sobre-exploração  dos assalariados. Em direcção idêntica, um maciço transvase de recursos para as elites, apontam as políticas de ajustamento orçamental e os diferentes programas, postos em marcha para resgatar os grandes bancos e sanear os seus balanços, programas que supuseram uma enorme sangria das arcas públicas.

Está a assistir-se, adicionalmente, a uma ampla reorganização dos mercados, proporcionada pela recentralização da estrutura empresarial, pela entrada do sector privado e das lógicas mercantis em parcelas crescentes do público, através das privatizações e da externalização da gestão, e a uma abertura de novos nichos de negócio a partir dos espaços deixados por aquelas empresas que, por carecerem de financiamento ou por se enfrentarem a uma incerta evolução da procura, reduziram a escala das suas operações ou desapareceram.
Somemos a tudo isto, para dispor de uma visão completa da profunda reestruturação do capitalismo que está a ter lugar, a implementação de uma política monetária laxista, que entrega recursos a quem tem capacidade de endividamento, contribuindo para o fortalecimento do segmento financeiro da economia, que, no que diz respeito a privilégios, opacidade e potencial desestabilizador, permaneceu basicamente intacto.

Resumindo, estamos a ser testemunhas de uma refundação dos capitalismos europeus (melhor que a confusa expressão “refundação europeia”), à medida dos interesses e estratégias dos grupos económica e socialmente privilegiados e dos países com maior potencial competitivo, que supõe o reforço do perfil oligárquico do projecto comunitário. E a união monetária não só está a ser o cenário, mas também, por acção ou omissão, está a facilitar esta mudança sistémica.

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*Professor  de Economia Aplicada da Universidade Complutense de Madrid

Texto original em http://blogs.publico.es/econonuestra/2014/10/03/un-nuevo-capitalismo-mas-oligarquico-y-autoritario/