O QUE ELES ESCONDEM

quarta-feira, 27 de agosto de 2014


A redefinição da luta de classes

Por Vicenç Navarro*

Algo se está passando nas análises da estrutura social, no mundo anglo-saxão (consequência da enorme crise do capitalismo), que quase passou despercebido em Espanha, mas que, em breve, adquirirá, também, uma grande importância na vida política e social deste país. Na realidade, já está a adquirir. Refiro-me ao redescobrimento da existência de classes sociais nos países capitalistas mais desenvolvidos. Efectivamente, a categoria “classe social” havia desaparecido do léxico analítico da maioria dos estudos que tratam da distribuição de poder nessas sociedades. A maioria das análises centraram-se, nos últimos trinta anos, em categorias de poder, como género, raça e nação, entre outras, estudando as causas e consequências de os homens terem mais poder que as mulheres; os brancos terem mais poder que os negros; ou que certas nações tenham mais poder que outras. Excelentes trabalhos académicos centraram-se nestes temas e, seguramente, continuarão a produzir-se mais, pois a necessidade é clara, dadas as desigualdades de poder baseadas nestas categorias.
A “classe social” deixou de ser tema de interesse (em parte, pelo declive do marxismo como maneira de entender a sociedade). Sob a hegemonia do pensamento dominante (resultado do seu triunfo na Guerra Fria), centrado no stablishment académico-político-mediático estado-unidense, a expressão “classe social” desapareceu. Nos EUA, falar de classe capitalista e classe trabalhadora, ou, na Europa, falar de burguesia, pequena burguesia, classe média e classe trabalhadora passou a ser entendido como maneira “antiquada” de ver a sociedade. Escusado será dizer que uma consequência (desejada) desta percepção é que ninguém falava de luta de classes, algo já mais que antiquado. Considerava-se esta expressão uma blasfémia. Falar destes conceitos e categorias implicava, para quem os utilizava, ser definido como pior que “antiquado”. Era considerado um ideólogo, imune à realidade que o rodeia.

Nesta realidade, configurada pela sabedoria convencional, o progresso económico e tecnológico havia eliminado ou diminuído a classe trabalhadora, substituindo-a pela classe média, considerada como a classe à qual pertencia a maioria da população. A estrutura social ficava, pois, constituída por ricos (a classe alta), classe média e pobres (a classe baixa). Esta categorização chega a níveis extremos no Estado espanhol, que divide os espanhóis em classe alta, classe média alta, classe média média, classe média baixa e classe baixa, para o qual eu sugeriria, ironicamente, que o Estado criasse outra categoria a que se chamaria “classe baixa baixa”. Para apoiar esta categorização, realizavam-se constantemente inquéritos em que se perguntava aos cidadãos se pertenciam à classe alta, à classe média ou à classe baixa. E, visto que a maioria dos cidadãos não se considerava nem rica nem pobre, as pessoas respondiam “classe média”. Deste tipo de inquérito conclui-se que a maioria dos cidadãos eram e consideravam-se classe média.

Erros e falácias da soberania convencional

Não era preciso que aparecesse o conhecido livro de Piketty, Capital in the Twenty-First Century, para observar que o capitalismo em si, seguindo a sua própria lógica de optimizar a acumulação de capital a fim de aumentar os lucros, levava, não a uma redução das desigualdades, com maior distribuição da riqueza (como assumiam os apologistas do sistema capitalista), mas, pelo contrário, a um crescimento da concentração do capital. Quer dizer que os ricos e super-ricos eram cada vez mais ricos e super-ricos, crescendo a sua riqueza (derivada da propriedade do capital) mais rapidamente do que a destinada ao mundo do trabalho, via salários.

O facto de que isto não acontecesse durante e depois da 2ª Guerra Mundial (a chamada “época dourada do capitalismo”) deveu-se a causas políticas e, muito em especial, ao poder da classe trabalhadora, que pressionou para que houvesse uma redistribuição da riqueza. Foi precisamente esta pressão que criou um grande aumento do nível aquisitivo e de bem-estar da classe trabalhadora, à custa de uma descida da concentração da propriedade do capital e respectivas rendas, conseguida, em parte, através de intervenções públicas (de carácter fiscal).
O nível de carga fiscal para o capital e rendimentos mais altos alcançou, nos EUA, inclusive 91% (sem que isso afectasse, por certo, o crescimento económico, como os economistas neoliberais sempre clamam que ocorrerá, se os impostos sobre o capital e os rendimentos mais altos aumentarem). Como consequência disto, os dirigentes das maiores companhias industriais dos EUA nunca ganhavam uma renda 30 vezes superior à dos trabalhadores. Por outro lado, o salário na General Motors era (em dólares de hoje) 50 dólares à hora (contando as prestações sociais). É interessante sublinhar que, naquele momento (1945-1978), pouco se falava de classe média, apesar da capacidade aquisitiva da classe trabalhadora ser maior então do que agora. O eixo central que marcava o nível salarial era o trabalhador da manufactura.

O neoliberalismo, promovido a partir de 1978 (com a reforma laboral e tributária da Administração Carter, e com maior afinco por parte do Presidente Reagan e da Srª Thatcher), era a resposta da classe capitalista a favor dos seus interesses, rompendo o pacto social que tinha existido durante o período 1945-1978. O neoliberalismo foi, e é, a doutrina e ideologia que tinha como objectivo derrotar a classe trabalhadora, atrvés de baixas salariais, do desmantelamento da protecção social e privatização dos serviços públicos do Estado de Bem-estar. Este debilitamento do mundo do trabalho (a sua derrota na luta de classes, que se realizou em todas as dimensões da sociedade) era essencial para recuperar o poder que a classe dominante tinha perdido, na época anterior. E conseguiu-o.
Hoje, nos EUA, a maior empresa não é a General Motors, mas a cadeia de supermercados Walmart, conhecida pela hostilidade aos sindicatos, pagando 10 dólares à hora, sem praticamente nenhumas prestações sociais. Os impostos sobre o capital e rendimentos mais altos baixaram para 23% e os executivos das maiores empresas ganham 350 vezes mais que os seus trabalhadores. A redução da suposta classe média é, na realidade, a baixa de salários da classe trabalhadora mais bem paga e a precarização do mercado de trabalho, assim como o que alguns de nós já indicámos num determinado momento “a proletarização dos profissionais”, isto é, a perda de autonomia dos profissionais (incluindo os licenciados universitários), a deterioração das suas condições de trabalho e a redução da remuneração da classe profissional (médicos, engenheiros, licenciados universitários) que caracterizou estes trinta anos.

Por que se substitui a expressão “classe trabalhadora” pela de “classe média”?
Esta mudança era enormemente importante para fazer crer à classe trabalhadora que o que a unia não era o trabalho e a sua relação com o tipo de trabalho, mas, sim, o consumo e o nível de rendimento, sem analisar a origem desse rendimento. Era, também, a maneira de individualizar e atomizar a resposta que, até então, tinha sido colectiva. Segundo este mito, a maioria dos cidadãos estava no meio (embora, muito claramente, o meio fosse baixando e baixando). A descida era consequência da descida dos salários e da perda de poder dos sindicatos. O enorme crescimento da riqueza distribuía-se entre os proprietários do capital, à custa dos recursos destinados aos trabalhadores.

Pois bem, esta situação criou um enorme potencial de alianças de classe, já que, à classe trabalhadora, que continua a existir com uma grande variedade de componentes, se somam as classes profissionais que, historicamente, tinham como função gerir, supervisionar e dirigir (sob a supervisão do capital) a sociedade, grupos que se estão a polarizar, com grupos muito remunerados, próximos das elites governantes (tanto financeiras e económicas, como políticas e mediáticas), e os restantes, a maioria de profissões que estão a ser massificadas, em condições que têm muitas semelhanças com o mundo do trabalho mais tradicional. Isso explica que, de maneira crescente, a luta de classes seja cada vez mais a luta entre os proprietários e gestores do capital e seus serventuários na reprodução desse poder (10% da população) e a grande maioria da população (90%), que está expropriada pelo primeiro grupo, que, além disso, controla o poder político e mediático do país. A luta de classes é, hoje, muito mais ampla e é o conflito dos de baixo face aos de cima ou, por outras palavras, da maioria (90% da população) frente à minoria (10%).
O grande êxito do movimento 15-M, em Espanha, e do Occupy Wall Street, nos EUA, e, mais recentemente, do movimento e Partido Podemos, foi, precisamente, dar voz a esta realidade que, imediatamente, se estendeu ao resto da população. Hoje, a legitimidade do Estado está de rastos, com amplas possibilidades de recusa do sistema actual, que não pode limitar-se a realizar reformas pontuais – típico comportamento parlamentar -, mas que deve fazer uma mudança mais substancial do sistema político-mediático actual. O número e extensão dos movimentos contestatários está a aumentar de forma notável, mostrando o esgotamento do neoliberalismo e das instituições políticas que o têm reproduzido.

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*Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.


 

domingo, 24 de agosto de 2014


Resposta ao presidente do Montepio e quem mente

por Eugénio Rosa

O Dr. Tomás Correia, presidente do conselho de administração do Montepio tem multiplicado nos órgãos de comunicação social, à falta de argumentos, ataques pessoais contra mim acusando-me de eu " mentir aos associados " (ex.: Dinheiro Vivo , DN, de 19/8/2014 e outros jornais) na informação que fiz aos associados, embora depois não prove. Em relação a estas declarações do presidente do conselho de administração do Montepio quero dizer apenas o seguinte:

1- Os dados que utilizei na minha informação aos associados, e que o Dr. Tomás Correia diz que não são verdadeiros, constam dos relatórios e contas, que são públicos, assinados pelo conselho de administração, de que ele é presidente, portanto confirmando a sua veracidade. Os meus dados só não serão verdadeiros se os dados constantes dos relatórios e contas não forem verdadeiros. Mas esta questão cabe ao Dr. Tomás Correia esclarecer.

2. Nos vários "confrontos verbais" que tenho tido com o Dr. Tomás Correia ao longo dos anos sobre questões de gestão do Montepio, tenho constatado que o mesmo tem dificuldades em compreender e interpretar corretamente dados financeiros e contabilísticos, certamente porque a sua formação de base é de direito.

3. O Dr. Tomás é uma pessoa estruturalmente autoritária. Quando confrontado com ideias ou posições diferentes das suas, procura "quebrar" o oponente (já me ameaçou direta e pessoalmente que me ia "quebrar" ), procurando intimidar utilizando o poder que advém da sua função. Sente-se o "dono de todo o Montepio" e ouve-se fundamentalmente a si próprio, o que é sempre um risco para qualquer organização, pois naturalmente comete mais erros do que cometeria se ouvisse mais os outros e, nomeadamente, opiniões diferentes.

4. Tenho sido solicitado por diversos órgãos de comunicação social a prestar declarações sobre o Montepio, o que tenho recusado pois não quero alimentar uma polémica que é sempre negativa para a reputação do Montepio que defendo. A informação que publiquei tornou-se necessária para esclarecer os associados sobre a situação do Montepio, que estava a ser objeto de controvérsia no espaço público pelos órgãos de informação. E divulguei-a para esclarecer qual era a minha posição, e para tornar claro que defendo uma gestão diferente para o Montepio, o que nunca ocultei nos órgãos sociais do Montepio em que participo.

5. Finalmente para que os próprios associados possam concluir quem fala verdade – se sou eu ou o presidente do conselho de administração do Montepio – seguidamente apresento cópias das paginas dos relatórios e contas da Caixa Económica – Montepio Geral onde constam os dados que utilizei na minha "Informação aos associados" (como indico o número da página, qualquer associado poderá ter acesso direto a esses dados pois os relatórios e contas são públicos e estão disponíveis no "site" do Montepio em
www.montepio.pt/iwov-resources/SitePublico/documentos/pt_PT/institucional / assembleias-gerais /2014 /CEMG-RC-2013.pdf e www.montepio.pt/... )

6. Muitos associados continuam a perguntar-me se as suas poupanças e depósitos estão seguros no Montepio. Com a informação que possuo a minha resposta é SIM (tenho poupanças na Associação Mutualista e não tenciono retirá-las). Mas é preciso que não se cometam no futuro os mesmo erros de gestão que se cometeram até aqui que tiveram ou podem vir a ter custos elevados (perdas de muitos milhões €, de que é exemplo o caso BES/GES) para o Montepio como provam os dados que se apresentam seguidamente. É esse o objetivo do meu alerta. E com o alerta que fizemos e com o apoio dos associados esperamos que uma gestão mais profissional e cuidadosa passe a existir no Montepio. Mas para isso é preciso maior atenção e fiscalização dos associados.

Vamos apresentar a seguir cópias das páginas dos Relatórios e contas da Caixa Económica – Montepio Geral que contém os dados que utilizamos na “Informação aos associados sobre a situação do Montepio”, que o presidente do Montepio afirmou que eu menti aos associados. E indico as páginas dos relatórios, que estão disponíveis no “site” do Montepio, para facilitar a procura no caso de algum associado estar interessado em as consultar. Para que a interpretação dos dados seja mais fácil mesmo por aqueles que não estão familiarizados com os conceitos contabilísticos e financeiros faremos acompanhar cada quadro de uma nota explicativa.

Desta forma ficará claro para os associados quem mente: eu ou o presidente do Montepio ?

Saudações mutualistas , Eugénio Rosa, 20/8/2014

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Os documentos apresentados por Eugénio Rosa podem ser consultados em:


 

terça-feira, 19 de agosto de 2014


Informação aos associados do Montepio

por Eugénio Rosa [*]

Perante as noticias negativas divulgadas nos órgãos de comunicação social sobre o Montepio, muitos associados, por email ou mesmo por telefone, pediram-me informações sobre a situação da Caixa Económica porque estão preocupados pois têm as suas poupanças no Montepio. Por essa razão e também porque tenho a responsabilidade de prestar contas a todos que, confiando na Lista C que eu encabeçava, nos elegeram decidi elaborar este comunicado com o objetivo de informar os associados do Montepio.

Sou membro do Conselho de Supervisão da Caixa Económica – Montepio Geral e estou impedido, por lei, de divulgar a informação a que tenho acesso neste órgão (ela é confidencial). Por isso, vou utilizar apenas a informação que consta dos relatórios de contas de 2010, 2011, 2012 e 2013, assim como das contas do 1º Trimestre e do 1º Semestre de 2014 da Caixa Económica-Montepio Geral que são publicas e acessíveis a qualquer outra pessoa (estão disponíveis no "site" do Montepio) que, se for devidamente analisada e interpretada, permite compreender os problemas atuais que enfrenta a Caixa Económica-Montepio Geral. A dificuldade é que cada um desses documentos tem entre 400 a 500 páginas, é de difícil leitura, e a informação útil está dispersa e coberta por muita "palha" e é, por vezes, muito técnica e de difícil interpretação para quem não esteja familiarizado com ela. Para ajudar os associados a ficar a saber qual é a verdadeira situação da Caixa Económica elaboramos o quadro 1, com dados importantes das contas da Caixa Económica. Desta forma cada associada poderá ele próprio tirar as suas próprias conclusões sobre o que tem sido dito sobre a Caixa Económica e sobre a sua situação.

Quadro 1- Dados dos relatórios e contas da Caixa Económica-Montepio Geral


Quais são as conclusões mais importantes que se podem tirar dos dados das contas, que são públicas, da Caixa Económica – Montepio Geral que constam deste quadro?

 
O IMPACTO NEGATIVO DA AQUISIÇÃO DO FINIBANCO PELO MONTEPIO

Em primeiro lugar, para que o associado consiga interpretar corretamente os dados do quadro 1 precisa ter presente que o ano de 2011, é o ano da OPA da AM-MG sobre o Finibanco, portanto o ano de aquisição e da sua integração na Caixa Económica–MG, aquisição esta que nos opusemos tendo votado contra ela no Conselho Geral da Associação Mutualista, como na altura demos a conhecer a todos os associados. E é importante ter presente isso porque essa aquisição teve um impacto negativo grande no Montepio, ainda maior porque o país estava, e está, mergulhado numa grave crise económica e social com consequências muito grandes em todos os bancos

Observando os dados do quadro 1, constata-se que em 2011 (ano da OPA e de incorporação do FINIBANCO), o crédito concedido sem garantias disparou (entre 2010 e 2011, passou de 976 milhões € para 1.625 milhões €, ou seja +66,5%) , e as provisões/imparidades para fazer face a perdas no crédito concedido e em operações financeiras aumentaram de 603 milhões € para 878 milhões € (+45,6%). As consequências da aquisição são também visíveis a nível de custos e do produto bancário. Segundo os respetivos relatórios e contas, entre 2010 e 2011, os custos operacionais da Caixa Económica aumentaram de 246 milhões € para 369,1 milhões € (+50%), enquanto a Margem Financeira (diferença entre os juros recebidos e os juros pagos) subiu apenas de 270,9 milhões € para 318,7 milhões € (+17,6%), e o Produto da Atividade, ou Produto bancário que corresponde, grosso modo, ao valor acrescentado bruto da banca, aumentou de 422,3 milhões € para 564 milhões € (+33,7%). É visível o impacto negativo da aquisição do FINIBANCO nas contas da Caixa Económica, até porque o FINIBANCO era um banco com um perfil de risco muito mais elevado do que o da Caixa Económica e seria previsível que, com a persistência da atual crise, o incumprimento disparasse com consequências negativas para o Montepio, como se está a verificar. Em suma, a aquisição do Finibanco constituiu, a nosso ver, um erro grave de gestão, não criando valor para o Montepio, mas sim destruindo valor. Foi por estas razões, que a realidade veio depois confirmar, que votamos contra a sua aquisição.

 
OS PROBLEMAS DA CAIXA ECONÓMICA NÃO RESULTAM APENAS DO FINIBANCO

No entanto, não pensamos que os problemas atuais da Caixa Económica resultem apenas da aquisição do Finibanco. A crise atual está a ter também um impacto grande na Caixa Económica, como sucede com todas as instituições financeiras, o que agrava os problemas resultantes de uma gestão pouco adequada, e mesmo, a nosso ver, com erros graves. A prová-lo está, por ex., o disparar do crédito concedido sem garantias, cuja taxa de incumprimento é muto elevada e, depois, de muito difícil recuperação (reembolso). Como mostram os dados do quadro, entre 2010 e 2013, aumentou bastante tendo registado em 2012 uma quebra (entre 2011 e 2012, passou de 1625 milhões € para 1.445 milhões €), para novamente aumentar de uma forma muito rápida. Entre 2010 e 2013, o crédito sem garantias aumentou de 976 milhões € para 1.995 milhões € (atualmente dever ultrapassar largamente os 2.000 milhões €). E o risco deste crédito de não ser pago é muito mais elevado do que o restante crédito. Basta ter presente que, de acordo com o Relatório e Contas de 2012, dos 902,7 milhões € de imparidades (provisões) 253,3 milhões € (28%), diziam respeito a imparidades para "crédito sem garantias", quando este crédito representava apenas 8,5% do crédito total.

CONTRARIAMENTE AO QUE DIZEM OS BANQUEIROS AS IMPARIDADES SÃO GRAVES

Para disfarçar graves erros de gestão e para criar a ilusão de que a sua gestão está a enfrentar com êxito a grave crise económica, financeira e social que fez disparar o incumprimentos e baixar drasticamente o crédito, com consequências muito negativas na estabilidade do sistema financeiro, os banqueiros afirmam, perante um caso de falência de um grande cliente, ou do provável não reembolso de crédito concedido, como é o caso do grupo Espírito Santo, que tal não acarretará consequências para o seu banco, porque esse crédito já estava provisionado. Num entanto, " esquecem-se" de informar os acionistas, os associados ou clientes, o que significa criar uma provisão ou que é uma imparidade. Uma provisão ou uma imparidade é um custo que reduz os lucros (se o banco os tiver) ou aumenta os prejuízos (no caso de não ter lucros). Afirmar que isso não determina problemas para o banco porque esse crédito já está provisionado é ou tentar enganar a opinião pública ou então dão uma ideia de ignorância do que falam.

Foi precisamente pelo facto de ter de criar provisões/ imparidades para prováveis perdas elevadas de crédito concedido que os prejuízos da Caixa Económica dispararam tendo, fundamentalmente devido a isso, os prejuízos operacionais de 2012 e 2013 somado 540 milhões de euros (168 milhões € em 20'12 mais 372 milhões € em 2013). E só nesses dois anos as provisões/imparidades por prováveis perdas de crédito concedido (inclui também as resultantes de operações financeiras) somaram 629 milhões €, determinando os elevados prejuízos operacionais que a Caixa Económica – Montepio Geral teve nesses dois anos. E mesmo em 2014, só no 1º semestre, a Caixa Económica já teve de criar 293 milhões € de provisões/imparidades por perdas prováveis de crédito concedido, nomeadamente a empresas do grupo Espírito Santo que afetam os resultados do Montepio, anulando praticamente os elevados ganhos (mais-valias) que a Caixa Económica obteve no 1º semestre de 2014 (275 milhões € com operações financeiras – ver contas), nomeadamente resultantes da venda de divida publica portuguesa.

A aquisição do FINIBANCO assim como os elevados prejuízos da Caixa Económica em 2012 e 2013, obrigou a uma elevada recapitalização da Caixa Económica para que os rácios de capital fossem respeitados. Assim, entre 2010 e 2013, o chamado capital institucional da Caxa Económica sofreu vários aumentos tendo passado de 800 milhões € para 1500 milhões €, ou seja, aumentou em 700 milhões €. E este aumento de capital foi feito pela Associação Mutualista, ou seja, com o dinheiro que os 600 mil associados entregam a ela. E é esta a realidade que todos os associados devem saber. Para além deste dinheiro posto na Caixa Económica devido à compra do Finibanco e também por causa de elevados prejuízos, aqueles que adquiriram unidades de participação de 200 milhões € também contribuíram para a recapitalização da Caixa Económica.

AS MINHAS POUPANÇAS ESTÃO SEGURAS NA ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA?

As minhas poupanças estão seguras na Associação Mutualista?

– É esta a pergunta que muitos associados me colocam e não quero fugir a ela. A Caixa Económica está umbilicalmente ligada à Associação Mutualista (quase 2/3 das poupanças dos associados colocadas na Associação Mutualista estão aplicadas na Caixa Económica) , e a Caixa Económica conseguiu até a este momento, e espero que aconteça no futuro (e eu estou empenhado nisso), absorver os efeitos negativos que esta grave crise económica, financeira e social está a ter em todas na instituições financeiras e, consequentemente, também na Caixa Económica assim como os erros de gestão cometidos, a meu ver, que referi anteriormente.

Mas para que isso aconteça é também necessário uma gestão mais profissional, e uma fiscalização mais eficaz não só por parte do Banco de Portugal sobre a Caixa Económica (que se esforça embora com atraso) e pelo Ministério da Solidariedade sobre a Associação Mutualista (que não faz) mas também pelos órgãos de fiscalização internos da Caixa Económica, nomeadamente pelo Conselho Geral e de Supervisão. E é importante que os associados saibam que da Lista C apenas eu estou neste conselho, sendo ele dominado pelos membros eleitos na lista A do presidente do conselho de administração do Montepio, que têm a maioria absoluta (dos 11 membros, apenas 3 não pertencem à lista A) que está sempre com o presidente.

Para que os associados possam ter uma ideia da cultura de autoritarismo do presidente que existe no Montepio basta relatar o seguinte episódio. Aquando da emissão dos 200 milhões € de unidades de participação, eu fiz uma informação aos associados que os esclarecia de aquele produto não garantia nem um rendimento certo (dependia dos lucros da Caixa Económica que têm sido reduzidos) nem estava garantido o reembolso da totalidade do capital investido (se o associado quiser obter o capital terá de vender as unidades de participação no mercado secundário e recebe o que for oferecido – em 17/8/2014 os 200 milhões € valiam 188 milhões € – ver Euronext –
europeanequities.nyx.com/... (o valor varia quase todos os dias). Por ter informado os associados, e após um ataque pessoal a mim pelo presidente todos aprovaram uma moção em que me ameaçavam com um processo no tribunal. Foi só quando disse que se avançassem com tal processo iria defender-me não só em tribunal mas também junto dos associados é que o bom senso acabou por imperar pois o risco reputacional era grande.


Este episódio mostra bem as dificuldades que enfrento. Embora minoritário não me vergam , como já me ameaçaram, e vou continuar a lutar para fiscalizar, e pela transparência e segurança das poupanças dos associados, recorrendo aos supervisores (ex.:BdP) sempre que julgar necessário. Para levar tal tarefa a bom porto necessito do apoio ativo dos associados, com que espero contar.

Saudações mutualistas e um abraço de consideração e amizade para todos.

 

18/Agosto/2014

 

[*] Membro do conselho geral do Montepio, da Assembleia Geral e do Conselho Geral e de Supervisão da Caixa Económica eleito na Lista C pelos associados.


Peço que enviem a vossa opinião para
eugeniorosa@zonmail.pt

Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/ .

terça-feira, 12 de agosto de 2014


A FALTA DE RIGOR DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO: A ARGENTINA NÃO ESTÁ EM SUSPENSÃO DE PAGAMENTOS CONVENCIONAL

Por Eduardo Garzón*
1 de Agosto de 2014
 
Durante toda a quinta-feira passada, foi difundida muita interpretação referente ao episódio que o Estado da Argentina está a viver, enfrentando a pressão judicial de alguns fundos abutres. A complexidade do assunto, a falta de profundidade em muitas notícias e reportagens, a confusão de alguns jornalistas no momento de escrever sobre temas que não conhecem muito bem e, inclusive a pouca simpatia que muitos grandes meios de comunicação têm pelo governo da Argentina, contribuíram para criar uma narrativa inexacta, que dá lugar a muita desorientação. A Argentina não entrou em default ou em suspensão de pagamentos, pelo menos não da forma convencional, referente à capacidade de pagar as suas dívidas. Se o Estado argentino não pagou uma parte da sua divida, isso deve-se a um conflito judicial e político, e não porque não tenha suficiente dinheiro para o fazer (que é o que se depreende ao ler a maioria das notícias que povoa os grandes meios de comunicação). Mas comecemos pelo princípio.
Após a grave crise de 2001 e depois da enorme dívida que o Estado argentino havia contraído, o governo de Néstor Kirchner negociou a sua reestruturação, em 2005 (que teria um segundo episódio, em 2010). Esta reestruturação consistia no seguinte: por cada 100 dólares que o Estado argentino devia aos seus credores, só seriam devolvidos 35 dólares. Evidentemente, esta era uma fórmula que beneficiava muito o Estado, porque, assim, pagaria menos e, portanto, aliviaria o peso da sua dívida pública. Para os credores (bancos e outros agentes financeiros) supunha registar bastantes perdas, porque receberiam menos dinheiro que o emprestado, mas, mesmo assim, a imensa maioria aceitou o acordo: preferiam que se lhes devolvesse menos dinheiro a que não se lhes devolvesse nada.

Contudo, 7% dos credores não aceitou a oferta do governo argentino, porque queriam recuperar todo o dinheiro emprestado. Estes credores são conhecidos como holdouts, isto é, os que ficam fora do acordo. A única forma de recuperar todo o dinheiro emprestado é por via judicial, processando o Estado argentino, por ter vulnerado os seus compromissos de pagamento, confiando em que algum tribunal do planeta sentencie a favor dos queixosos e obrigue o Estado a devolver o dinheiro emprestado, mais a penalização correspondente.
É a este tipo de actuação que se dedicam, profissionalmente, os fundos abutres, que são fundos de capital de alto risco, geridos por entidades financeiras. Estes gestores, que movimentam importantes quantidades de dinheiro, dispõem de equipas profissionais de advogados que conhecem todas as artimanhas e contam com todos os recursos necessários para ganhar, nos tribunais, os processos que levam a cabo contra empresas e Estados. A sua actuação não se limita apenas ao âmbito judicial, mas também a diferentes métodos de pressão – que vão desde embargos, operações de lóbi e campanhas na imprensa, desprestigiando os Estados devedores. A denominação de abutre deve-se ao facto de atacarem empresas e Estados que têm dificuldade de pagamento, com o objectivo de obter suculentos lucros (por exemplo, em 1996, o fundo abutre Elliott Management Corp gastou 11 milhões de dólares num processo contra o Estado do Peru, mas a vitória que obteve nos tribunais rendeu-lhe 58 milhões de dólares).

Desde então, os fundos abutres têm estado a processar o Estado argentino, em vários tribunais. Primeiro  na Bélgica e, depois, na Alemanha, onde a justiça não lhes deu razão. Mas, recentemente, a justiça estado-unidense (muito mais permissiva com as “liberdades” económicas) decidiu a favor destes fundos. Visto que o fundo abutre, que lidera o litígio, reclama 1.500 milhões de dólares, o juiz ordenou o congelamento dessa quantia, numa conta que o Estado argentino detém no banco estado-unidense Bank of New York Mellon. O objectivo é o de o Estado argentino não poder movimentar nem um dólar dessa conta até pagar ao fundo abutre. O problema é que, nessa conta, há dinheiro destinado aos outros credores que haviam aceitado a reestruturação da dívida argentina (isto é, que não são holdouts). E, no dia 31 de Julho, terminava o prazo para que a Argentina devolvesse 539 milhões de dólares a esses credores. Dado que o congelamento do dinheiro impediu isso, esses credores ficaram sem receber. Tecnicamente, trata-se de uma suspensão de pagamentos selectiva (porque não é geral, não se tendo pagado a uns credores em concreto), e daí a descida de rating, iniciada pela Standar and Poor’s e continuada pelas outras grandes agências de notação. Mas, o importante é entender que foi uma suspensão de pagamentos forçada, já que a Argentina tem o dinheiro, mas não pode movimentá-lo, por ordem judicial estado-unidense.

O Estado argentino poderia ter evitado a suspensão de pagamentos selectiva, se tivesse pagado esses 1.500 milhões de dólares aos fundos abutres. Se o dinheiro da conta tivesse sido libertado, poderia ter pagado aos outros credores. Mas, não quis fazê-lo, por duas razões: a primeira é que não considera  justo que assim seja, por muito que o diga a justiça estado-unidense. A segunda é que fazê-lo abriria um precedente para que os restantes holdouts se vissem animados e com mais força a continuar com processos até obter o que querem. O Estado argentino escolheu rebelar-se contra os fundos abutres e a justiça estado-unidense e, por isso, vai recorrer ao tribunal internacional de Haya. O custo disto é o dano que a propaganda mediática inflige na credibilidade do governo argentino. Em menos de 24 horas, a imensa maioria dos meios de comunicação lançaram-se na difusão de que a Argentina tinha entrado em suspensão de pagamentos, sem explicar muito bem o que isto era, dando a entender quer o país sofria enormes problemas para pagar as suas dívidas. A má intenção desta informação é evidente e responde aos numerosos e diversos interesses económicos e políticos, que procuram o descrédito de um governo argentino, que decidiu rebelar-se, há já muito tempo, contra o poder abusivo da elite financeira.
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* Licenciado em Economia e em Administração e Direcção de Empresas. Membro do Conselho Científico de ATTAC – Espanha.


 

 

 

 

 

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

 
 
O artigo que se segue, do eurodeputado João Ferreira, eleito pelas listas da CDU, desmonta a grande mentira (mais uma) apresentada por Durão Barroso e governo português:  a da "pipa de massa" de 26 mil milhões, que Portugal receberá até 2020.
João Ferreira dá conta dos montantes transferidos, ano após ano, para o estrangeiro e que ultrapassam, em muito, os euros deste "acordo de parceria" com a UE. 
A linguagem reles de Barroso, em consonância, aliás, com o personagem, monstra que pode falar assim para um país onde a desinformação é omnipresente e a memória muito curta. Se não, fá-lo-íamos engolir "a pipa de massa", apresentando a agiotagem que nos impôs: 34,4 mil milhões de euros em juros pela "ajuda" de 78 mil milhões. E que o dinheiro agora anunciado vai direitinho para os cofres da troika, já que, a partir do próximo ano, além dos juros, começamos a amortizar o "empréstimo", quantias que irão num crescendo até 2021, atingindo, só nesse ano, 20 mil milhõe de euros.
Se juntarmos a estas somas, já de si colossais, o que se esvai do país no serviço da restante dívida (que não pára de aumentar) e nos dividendos do capital estrangeiro (que já controla mais de 1/4 da produção nacional, 43% das empresas cotadas em Bolsa, metade do PSI20 e 7 das 10 principais empresas exportadoras), que não deixam um cêntimo em Portugal, percebemos porque há que roubar ao máximo o povo que trabalha.
 
 

 

Uma «pipa de massa»

Por João Ferreira

Durão Barroso, inspirado pelos ares da «silly season» e empenhado ele próprio em fazer da season ainda mais silly, resolveu dar um ar de sua (consabidamente pouca) graça ao afirmar, na passada semana, que os 26 mil milhões de euros que alegadamente Portugal receberá da UE até 2020 são «uma pipa de massa»(sic) – que deve calar «aqueles que dizem que a União Europeia não é solidária com Portugal».
Cumpridos dez anos de serviço na Comissão Europeia, o mordomo das Lajes regressa às inspiradas tiradas que fizeram dele, no dizer de sua senhora, o cherne. Encómios familiares à parte, falemos, pois, desta «solidariedade europeia» a que alude Barroso.

O Acordo de Parceria assinado entre o governo português e a Comissão Europeia enquadra a utilização dos fundos da UE por Portugal no período 2014-2020. Estamos a falar de um envelope financeiro de cerca de 21 mil milhões de euros de «fundos estruturais e de investimento», mais quatro mil milhões de euros para o desenvolvimento rural e 392 milhões para as pescas. No total, perto de 26 mil milhões de euros. Cerca de dez milhões de euros, por dia, durante sete anos. Uma valente «pipa de massa», pois.
Quase tanta como aquela que sairá do País (leia-se do suor e dos bolsos dos portugueses) durante o mesmo período, com destinos diversos, incluindo os cofres da UE e de vários dos seus países. Senão vejamos:

Durante o ano que corre pagaremos cerca de sete mil milhões de euros em juros da dívida pública. Esta é parte de uma dívida que cresceu, quer estrutural quer conjunturalmente, na componente pública como na privada, à sombra das políticas da União Europeia. Da destruição do aparelho produtivo nacional à viabilização da especulação sobre as dívidas soberanas, passando pela amputação de determinantes parcelas de soberania económica. Tudo ajudou. Solidariamente. O resultado: este ano serão sete mil milhões de euros pagos de juros. Dezanove milhões de euros por dia – uma pipa bem maior, convenhamos, do que a pipa de Barroso. Em 2015, será mais: cerca de 22 milhões de euros por dia – o dobro da pipa de Barroso. Ou seja, em três anos, mais coisa menos coisa, sairá do País aquilo que supostamente a UE solidariamente para cá mandará ao longo de sete anos. Só em juros. Mas nem só de juros se faz a sangria de recursos do País. Também os lucros e dividendos distribuídos por empresas com forte presença de capital estrangeiro na estrutura accionista dão uma «pipa de massa» jeitosa. E cada vez maior, com o avanço das privatizações.
Os dados são do Banco de Portugal: entre 2007 e 2013, período do anterior Quadro Financeiro Plurianual da UE (em Portugal, do chamado QREN), Portugal recebeu cerca de 33 mil milhões da UE. Uma «pipa de massa» da qual se deve descontar o que o próprio País pôs nos cofres da UE (já que, como qualquer um dos outros 28 estados-membros, também contribuímos para o orçamento da UE): 12,6 mil milhões. O saldo foi positivo, portanto, em cerca de 20,7 mil milhões. Mas falamos apenas de transferências orçamentais. Uma parte da história. Queira alguém contar a história toda e terá de acrescentar que no que se refere aos juros, lucros e dividendos distribuídos, entraram no País cerca de 30 mil milhões de euros entre 2007 e 2013. E no mesmo período saíram perto de 60 mil milhões. Um saldo negativo para Portugal (e inversamente positivo para a UE) de cerca de 29 mil milhões de euros, que supera portanto o saldo das transferências orçamentais. Dito de outra forma, no deve e haver das relações financeiras entre Portugal e a UE, nos últimos sete anos já saiu mais dinheiro do que aquele que entrou no País. Tendência que se acentuará previsivelmente nos próximos anos, por razões diversas: por um lado, a sangria de recursos – sob a forma de juros, lucros e dividendos que saem para o exterior – acentuar-se-á; por outro lado, o dinheiro que vem do orçamento da UE é menos do que aquele que veio entre 2007 e 2013.

Além disso, o efectivo recebimento da “pipa de massa” de Barroso está condicionado (de uma forma que até aqui não acontecia) ao cumprimento de regras, ditas de «condicionalidade macroeconómica», impostas pelas principais potências da UE – e aceites no Parlamento Europeu pelos deputados do PSD, do CDS e do PS. Ou seja, a «pipa de massa» efectivamente virá se e só se for escrupulosamente cumprido o cardápio de medidas de «austeridade» a aplicar ao longo dos próximos anos.
Cardápio que assegura, afinal de contas, que os Barrosos e Moedas de serviço tenham assegurado o respectivo quinhão da outra «pipa de massa», bem maior do que aquela de que nos falou Barroso – a que todos os dias continua a sair de cá para lá...

 
Artigo publicado no Avante! de 7-08-2014



segunda-feira, 4 de agosto de 2014


O CONTEXTO POLÍTICO DA MÚSICA

Por Vicenç Navarro*

Em artigos anteriores, acentuei a surpresa que me produz a falta de canções nas manifestações que há em Espanha contra as políticas impopulares, impostas pelos partidos governantes. Ao longo da minha vida, tive que viver em vários países (Suécia, Reino Unido e EUA), participando frequentemente em mobilizações que exigiam direitos sociais, políticos e laborais. Em todas elas, os participantes cantavam canções celebrando situações ou eventos que haviam inspirado lutas anteriores e estabelecendo, assim, uma linha de continuidade com causas anteriores. E mais, ao cantar conjuntamente, a multidão estabelecia um sentimento de solidariedade e de sentir colectivo, irmanando-se através da emotividade. Em Espanha, pelo contrário, não há canções nas mobilizações. Em seu lugar, há apitos e assobios que parecem  ter por objectivo fazer barulho, alguns francamente desagradáveis, inclusive para os próprios manifestantes.
Estas notas introdutórias servem como prólogo aos comentários que me sugere o livro Venceremos, escrito por Gabriel San Román, sobre a canção como arma política, referindo-se à experiência chilena. Um dos maiores privilégios que tive na minha vida foi o de assessorar (nas suas reformas do sistema de saúde) o governo de Unidade Popular, presidido pelo Presidente Allende. Daí que tenha tido sempre uma atenção especial para o que acontece naquele país.

A experiência da Nueva Canción chilena
No livro, San Ramón assinala a importância que as canções populares tiveram para manter uma cultura de compromisso e militância, que levou à vitória da Unidade Popular. Na realidade, a Nueva Canción, com raízes na velha canção chilena, teve um impacto enorme, não só no Chile, mas em todo o continente latino-americano. Esta Nueva Canción foi iniciada por cantautores como Violeta Parra (1917-1967), que viajaram por todo o Chile, incluindo as partes mais remotas do país, recolhendo as canções populares, fruto das lutas constantes do campesinato e do movimento operário contra a contínua opressão. Aquelas canções refectiam um sentimento de dedicação e compromisso, como parte de um sonho que os povos desejavam, lutando para que se convertesse em realidade. Eram cantos ao amor, à esperança, à solidariedade e à liberdade.

Esta pesquisa e elaboração das canções enraízadas na cultura popular ocorreu nos anos 50 e 60, estimulada, nesta última década, pelo desejo de contrariar a invasão de Elvis Presley e The Beatles na América Latina, procedentes dos EUA e da Europa. Era necessário e urgente – diz San Román – que se desenvolvesse uma canção identitária, que contrariasse a invasão anglo-saxónica. Surgiram, assim, Inti-Illimani e Quilapayún, que se estenderam pela  América Latina e por todo o mundo. Era uma música comprometida, revolucionária, não só no estilo, mas também no conteúdo e contexto.
A importância de desenvolver uma cultura musical própria e alternativa

Foi nos anos setenta quando a Nueva Canción se converteu no laço que unia socialistas, comunistas e cristãos de esquerda, no Chile, aliança que jugou um papel chave na vitória do governo de Unidade Popular. Víctor Jara foi o seu cantautor principal. E o governo sentiu-se completamente identificado com esta cultura. Na realidade, era um produto dela. O fortalecimento das classes populares significou uma grande ameaça para as forças reaccionárias que controlavam o país. E a Nueva Canción era claramente um inimigo. Daí a brutal repressão, assassinando os seus máximos expoentes, como o próprio Víctor Jara. E a ditadura começou com a sua brutal e sangrenta campanha de tentativa de eliminação – como ocorreu em Espanha – da esquerda e forças progressistas.
O interessante é que esta Nueva Canción se converteu, de novo, na tentativa de recuperar a memória histórica, de uma maneira espontânea, a nível popular, que apareceu sem apoio governamental, quando a ditadura terminou. Em Espanha, os governos democráticos abandonaram, também, qualquer tentativa de recuperar a cultura republicana e a cultura popular, que existiram, igualmente, durante a resistência antifascista. O desinteresse por esta recuperação da parte dos diferentes governos, incluindo os Ministros da Cultura (Jorge Semprún, inclusive), é escandaloso. E é esta a situação. Nas marchas reivindicativas, apitos e mais apitos, e nenhuma canção. Na realidade, aquela cultura é menosprezada, encarada como “política” e/ou “ideológica”. E, entretanto, as canções de distracção e irrelevantes dominam o panorama musical do país.

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O original deste artigo encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11152 

* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.

 

Conclusão, Einstein errou.
Duvidou da infinitude do universo, não da estupidez humana, que, essa, sim, é infinita.

Estão surgindo, contudo, manifestações de inteligência, em pessoas e grupos, neste momento de horror, como os movimentos cidadãos Podemos ou Frente Cívico Somos Mayoria e os próprios cidadãos Navarro e Illueca, isto para não citar senão dois.
A Espanha, embora amarfanhada por uma das reacções mais retrógadas, quer caminhar para um século de oiro, que despontou em tempos e o fascismo decapitou.

Cá por casa, também, há umas luzinhas esparsas, como do mesmo modo acontece noutros sítios, com Chesnais, Eagleton, Lapavitsas ou Harvey.
Onde, contudo, o sol é mais intenso, num quotidiano hesitante, ainda, mas vivo, crescente e determinado, é pelas Américas, Central e Sul, Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Nicarágua, El Salvador e Cuba, razão por que a sanha dos negreiros referve, calunia, envenena, apesar dos testemunhos da UNESCO, FAO, OMS e até ONU no seu todo, quando referem a erradicação da pobreza ou o acesso ao ensino, cuidados de saúde, bem-estar dos povos.

É lá, igualmente, que a penúria que Navarro assinala em manifestações dos seus, muito dados a assobios e algazarras, mas pouco dados aos cantos e a coros, é lá, repito, que a canção envolvente, mobilizadora surge, avança, crescendo imparavelmente.
Oxalá se imponha e vença, que o sistema, no estertor da agonia, não hesitará perante nada, querendo segurar o que lhe escapa.

Provam-no os ressurgimentos nazis e a guerra permanente, que, de larvar em diversas sítios, pode degenerar em loucura, à escala do planeta.
A fera, pressentindo a morte, é duplamente feroz.

A.S.A.



sábado, 2 de agosto de 2014

Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa    
 
Por Eduardo Galeano*

Desde 1948, os palestinianos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes.


Desde 1948, os palestinianos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem sequer respirar sem autorização. Têm perdido a sua pátria, as suas terras, a sua água, a sua liberdade, tudo. Nem sequer têm direito a eleger os seus governantes. Quando votam em quem não devem votar, são castigados. Gaza está a ser castigada. Converteu-se numa ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou legitimamente as eleições em 2006. Algo parecido ocorreu em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador.

Banhados em sangue, os habitantes de El Salvador expiaram a sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem. São filhos da impotência os rockets caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desleixada pontaria sobre as terras que tinham sido palestinianas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à orla da loucura suicida, é a mãe das ameaças que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está a negar, desde há muitos anos, o direito à existência da Palestina. Já pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está a apagá-la do mapa.

Os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polónia para evitar que a Polónia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinianos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros. Quem lhe presenteou o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está a executar a matança em Gaza? O governo espanhol não pôde bombardear impunemente o País Basco para acabar com a ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Talvez a tragédia do Holocausto implique uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde vem da potência 'manda chuva' que tem em Israel o mais incondicional dos seus vassalos? O exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis chamam-se danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais.

Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são meninos. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está a ensaiar com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinianos mortos, um israelita. Gente perigosa, adverte o outro bombardeamento, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a achar que uma vida israelita vale tanto como cem vidas palestinianas. E esses meios também nos convidam a achar que são humanitárias as duzentas bombas atómicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irão foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro? Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial destaca-se uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade. Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caça aos judeus foi sempre um costume europeu, mas desde há meio século essa dívida histórica está a ser cobrada aos palestinianos, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antissemitas. Eles estão a pagar, em sangue, na pele, uma conta alheia.

(Este artigo é dedicado aos meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas que Israel assessorou)

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* Escritor e jornalista uruguaio, autor, entre muitas outras obras, de DE PERNAS PARA O AR, A Escola do Mundo às Avessas, Caminho, 2002

Artigo publicado no  Sin Permiso

Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net 


 

Junho e Julho foram meses de celebração da ciência e da cidadania globais na Universidade de Coimbra. Entre muitas iniciativas, menciono as que acompanhei de perto porque foram organizadas pelo centro de investigação de que sou diretor, o Centro de Estudos Sociais. Mas podia mencionar muitas mais em outras universidades, todas elas reveladoras da pujança da comunidade científica portuguesa, do respeito mundial que granjeou e das responsabilidades e expectativas globais que criou nos últimos vinte anos. Esteve entre nós, para uma semana intensa de trabalho, a maior delegação de líderes de povos indígenas brasileiros que nos últimos 514 anos visitou Portugal! Vieram discutir connosco o modo como o modelo de desenvolvimento socialmente injusto e ecologicamente insustentável em curso no Brasil está a expulsá-los das suas terras, a destruir as suas florestas e a contaminar as águas dos seus rios. Poderosos grupos capitalistas nacionais e globais alargam sem limite a fronteira agrícola, iniciam projetos de mineração e planeiam barragens sem consultar as populações e sem estudos credíveis de impacto ambiental. Em toda a Amazónia estão registadas 52974 zonas de interesse minerário. A pulverização aérea dos campos com produtos agrotóxicos faz com que em zonas rurais do Nordeste haja taxas de cancro superiores às das grandes cidades. Escolheram o nosso centro porque conhecem o trabalho que temos realizado para chamar a atenção internacional para esta calamidade, como sabem da intervenção que tivemos no reconhecimento dos seus territórios ancestrais, nomeadamente no caso da reserva Raposa Serra do Sol. Sábios leitores da complexidade do mundo, os líderes indígenas não tiveram problemas em visitar a universidade donde saíram os missionários e administradores que primeiro os transformaram em "obstáculos ao desenvolvimento", para buscar aqui o reforço das alianças contra o colonialismo que perdura e em favor da luta por alternativas que, defendendo os povos indígenas, protegem a humanidade no seu conjunto de uma catástrofe ecológica.
Logo depois "ocupou" a Curia um grupo vibrante de 49 jovens de 16 países que vieram frequentar o nosso curso de verão, atraídos pelo tema aliciante de aprendermos a entender, respeitar e celebrar a diversidade social, cultural e política do mundo, orientados por professores da África do Sul, Argentina, Brasil, Colômbia, EUA, Itália, Índia, Moçambique, Portugal e Zimbabué. O importante foi que, tanto estudantes quanto professores, se sentiram atraídos pelas propostas inovadoras de interculturalidade e de diálogos entre saberes que temos vindo a propor. Muitos deles continuaram connosco nos dias seguintes, em que 685 congressistas vindos de 30 países se reuniram em Coimbra para dar visibilidade às boas práticas e às inovações sociais, políticas e económicas que por esse mundo fora procuram diminuir a injustiça social, aumentar a coesão social, eliminar a discriminação étnico-racial e sexual, fortalecer a democracia e o Estado social, promover a dignidade humana, incluir entre os direitos humanos os direitos da natureza, lutar pela paz e pela autodeterminação, criar sistemas económicos solidários, pautados pela cooperação, pela reciprocidade e pelo respeito pela natureza. Ou seja, práticas reais, concretas, nos antípodas do que hoje vigora, como pensamento único, numa Europa decadente, em perigosa espiral descendente, sem outras soluções que não sejam as ditadas pelos que causam os problemas que a afligem e deles se beneficiam. A pergunta que dominou este colóquio foi a de saber se a Europa tem condições de aprender com esta excitante experiência do mundo depois de durante tantos séculos ter sido a autodesignada professora do mundo. A réstia de esperança veio da alegria dos encontros, tanto entre pessoas como entre ideias, entre ciências plurais e a música do António Pinho Vargas, a pintura do Mário Vitória e o rap da Capicua, Chullage, Hezbó MC e LBC Soldjah.

Escrevi esta crónica para dar uma mensagem de esperança aos jovens cientistas sociais que têm vindo a viver o pesadelo de não poderem prosseguir o seu trabalho ao serviço da ciência cidadã em que continuam a acreditar.
 

 In  Visão, 24-07-2014 democracia | crise | Europa | capitalismo | esquerda | FMI | UE | cidadania | tribunais | troika