DISCURSO DE A. TSIPRAS
NO COMITÉ CENTRAL DO SYRIZA
(…) tivemos que fazer frente a um eixo de forças políticas, animado,
principalmente, pelos espanhóis e portugueses, que, por razões políticas evidentes,
tentaram levar as negociações ao fracasso, correndo o risco de criar um
incidente a nível internacional, com o objectivo de evitar perturbações
políticas no interior dos seus países.
Camaradas,
Estamos no início de um longo e difícil combate, unidos não
só pelo programa na base do qual o povo grego nos deu a sua confiança, mas
também pelos princípios, valores fundamentais, deias e história da esquerda,
pela nossa vontade de servir o povo e o país, pelas nossas relações francas e
abertas com os trabalhadores, com aqueles que criam e inventam o futuro, pelo
nosso apego à democracia e à justiça social, pela mobilização solidária do povo
em torno de reivindicações amadurecidas, que dão o verdadeiro sentido à palavra
progresso. E para que não haja confusão – faço questão de dizer, claramente,
que: se nós representamos o novo, o “sem precedentes”, a esperança de mudança,
isso não significa de modo nenhum, que tenhamos nascido ontem. Nós temos a
antiguidade e a experiência do nosso partido, dos seus combates, da sua longa
história.
Nós demos provas em períodos difíceis. E, hoje, aconteça o
que acontecer, não vamos transigir com os nossos princípios e valores, nem
recuar perante as dificuldades, traindo os nossos compromissos. Todos aqueles
que esperarem isso terão uma desilusão. E, permitam-me recordar um conselho dos
nossos mestres da emancipação social: o nosso combate político tem como ponto
de partida princípios e valores imutáveis, mas não os esvaziará do seu conteúdo
com uma obstinação cega. Nós estivemos sempre, e hoje ainda mais, obrigados a
servir esses princípios e valores, elaborando uma táctica eficaz e inteligente,
tendo em conta as relações de força, a disposição dos trabalhadores e do povo,
a nossa margem de manobra em cada instante e em cada circunstância, os
imperativos do nosso país. Este discernimento é a principal virtude numa
situação como a de hoje, em que o SYRIZA está confrontado com um desafio sem
precedentes: promover a mudança social e política, assumindo responsabilidades
governamentais e não o de força reivindicativa de oposição.
Sabem o que isto significa, camaradas. Isto quer dizer que
cada decisão, cada avaliação dos nossos actos, cada atitude, cada posição
pública tem repercussões, não só na imagem actual da esquerda e seu futuro, não
só sobre o conjunto das mobilizações progressistas, mas também sobre o presente
e o futuro do nosso país e do nosso povo. É uma responsabilidade inédita, numa
situação inteiramente nova. E eu estou certo de que somos capazes de assumir,
com o apoio do nosso povo, esta responsabilidade.
Camaradas,
Há apenas um mês que o povo grego confiou ao SYRIZA um
mandato governamental. Um mês que pôs em causa os códigos e velhos usos, os
tabus políticos e ideológicos.
E, seria desejável não perder de vista o quadro de conjunto:
o nosso país e o nosso governo encontraram-se no centro das preocupações
europeias e mundiais. A Grécia deixou de ser considerada, desde os primeiros
dias do novo governo, como um paria, que recebe ordens e aplica memorandos. O
povo grego sente ter reencontrado a dignidade que lhe havia sido contestada e
ultrajada.
A oposição à austeridade foi colocada no centro de todas as
conversações. A crise humanitária, as pessoas que sofrem, que nós representamos
nas conversações, não são já consideradas como simples números sem dimensão
humana.
Nós encontrámos aliados no nosso combate de denúncia de uma
crise auto-alimentada.
Nós reconquistámos o direito fundamental de que qualquer
povo livre dispõe, o de discutir o seu futuro. O de decidir o seu futuro.
Nós pronunciámos não um, mas vários NÃO, em poucos dias,
apesar das pressões que se tornaram, por vezes, tremendas, ao revestirem o carácter de chantagem. E, depois destas provações, chegamos a uma primeira
conclusão política: hoje, a margem de liberdade de acção do nosso governo e do
nosso país alargou-se. A libertação dos memorandos e das políticas desastrosas
de austeridade não são já unicamente objectivo de um desejo exaltado, tal como
foi expresso no resultado das urnas eleitorais. O nosso governo fez disso um
acto político, afirmando a sua “legitimidade”, tanto a nível da opinião pública
europeia como a nível das instituições europeias, quando o pôs em prática como objecto
de negociação e de confrontação política. E os primeiros passos foram dados na
via da libertação, com a qual o SYRIZA se comprometeu, unindo o nosso povo. Não
é para nos congratularmos com os cumprimentos, nem para embelezar a dura
realidade, falsificando a verdade, que nós fazemos esta constatação política.
Os subterfúgios não enganam o nosso povo e estão nos
antípodas da cultura do nosso partido. Em contrapartida, esta constatação
contribui para o esclarecimento da nossa conduta actual e futura, já que a
melhoria da nossa posição e da situação geral permitir-nos-á reivindicar e
aplicar uma outra política, que nós desejamos e prometemos.
São as circunstâncias difíceis? Sim. Grandes dificuldades se
levantam diante de nós, pois, todos os dias, travamos novos combates e os maiores
estão para vir. Mas, nós preparamo-nos, melhorando as nossas posições e a
situação geral, com vista a atingir os nossos objectivos. Hoje, uma coisa é
clara: a troika acabou. E tanto pior para aqueles que vêem a troika no lugar da
Comissão Europeia ou das instituições europeias e internacionais, com as quais
colaboramos e discutimos, evidentemente, pois pertencemos à zona euro. A
troika, como mecanismo de supervisão e de dominação extra-institucional,
arbitrária e sem legitimidade democrática está, formalmente, terminada. E esta
missão foi levada a cabo pelo novo governo grego.
É, igualmente, claro que os memorandos pertencem ao passado.
E isto está atestado com o fundo e a forma do acordo de empréstimo, visto não
fazerem parte do texto adoptado e porque as medidas absurdas de austeridade já
não figuram no nosso novo acordo. Este novo acordo, obtido após uma série de
negociações difíceis, demonstra não só a perseverança dos dogmáticos da
austeridade, mas também a determinação do nosso governo em acabar com os seus
dogmas.
Mas, gostaria de sublinhar que, se o comportamento dos
antigos governantes, pretendendo que continuamos na via deles, parece sobretudo
cómico, ouvir discursos denunciadores, deformando a realidade, pronunciados por
representantes de forças políticas de esquerda, levados por uma ingenuidade
revolucionária, é, em contrapartida, triste e consternante.
Evidentemente, há e deve haver opiniões e julgamentos diferentes,
discussões, reservas, discordâncias. Evidentemente, há e haverá ataques dos nossos
adversários, na Europa e na Grécia. Mas, nós temos o dever para com o nosso
povo, para com os povos da Europa que olham para nós atentamente com um
sentimento de esperança, para com os movimentos que lutam pela inversão da
austeridade, de revelar e defender a verdade. Então, quais são as verdades
sobre as negociações que conduziram ao acordo-ponte?
Primeira verdade: nós chegámos a uma zona minada. as forças
conservadoras mais agressivas da Europa, montaram-nos armadilhas, com a
colaboração do governo Samaras, para provocar o nosso naufrágio, antes mesmo de
governarmos. A intenção deles era a asfixia financeira e a queda do nosso
governo, fazendo da vitória do SYRIZA um simples parênteses anti-memorandos.
Nós encontrámo-nos entalados em prazos premeditadamente
muito curtos, com os cofres vazios e os bancos com pouca liquidez, com a
herança dos compromissos do anterior governo e os acordos assinados com os seus
protectores. Com o cutelo da asfixia financeira sobre o pescoço.
Eles tinham tudo preparado para nos levar ao naufrágio e ao
país também. Mas não previram que a nossa vitória estaria muito próximo da
maioria absoluta, que nós éramos capazes de formar governo rapidamente, sem
recorrer a eles, que nós teríamos um apoio popular, sem precedentes, após as
eleições, uma mobilização popular, de apoio ao nosso combate pela dignidade e
pela soberania, com uma amplidão jamais vista desde o período da Resistência
Nacional. Estes imprevistos anularam os seus desígnios e deram-nos esta margem
de liberdade que nos permitiu evitar cair na armadilha deles.
Segunda verdade: antes das eleições, nós previmos as
dificuldades, mas a avaliação teórica dos obstáculos não é suficiente. É
preciso tempo e meios de governação para lhes fazer face. E nós tivemos que
reagir antes mesmo da abertura do novo Parlamento: não tínhamos, pois, nenhuma
outra arma senão a da nossa determinação em obedecer à vontade do povo tal como
foi expressa nas urnas.
Terceira verdade: nós havíamos compreendido, com razão, que
o receio de uma desestabilização geral, causada pela eventualidade de um
fracasso, sobrepor-se-ia aos projectos orquestrados pelas forças conservadoras na
Europa. Esse receio conduziu os grandes países, como a França, os
Estados-Unidos, a China e outros, a uma posição mais positiva e responsável
relativamente ao eixo da austeridade europeia, permitindo-nos promover os
nossos argumentos. Contudo, tivemos que fazer frente a um eixo de forças
políticas, animado, principalmente, pelos espanhóis e portugueses, que, por
razões políticas evidentes, tentaram levar as negociações ao fracasso, correndo
o risco de criar um incidente a nível internacional, com o objectivo de evitar
perturbações políticas no interior dos seus países.
Que podemos, pois, concluir destas verdades? Houve um projecto,
feito com a colaboração do primeiro-ministro grego que estava de saída, que não
hesitou, no momento em que a Grécia iniciava negociações cruciais, em assinar
resoluções, no quadro do Partido Popular Europeu, contra o seu próprio país.
Esse projecto visava, e continua a visar, conduzir o governo à impotência ou à
capitulação, antes de este mostrar provas das suas capacidades, antes de o
paradigma grego ter repercussões na relação de forças políticas noutros países
e, sobretudo, antes das eleições em Espanha. Isto é, criar pressões que nos
conduzam a concessões inaceitáveis, sob a ameaça de asfixia financeira.
Provocar a decepção a fim de nos privar do apoio popular. Utilizar a asfixia
financeira para suscitar o descontentamento popular.
O objectivo era o de nos obrigar a participar numa formação
governamental, de moralidade e legitimidade duvidosas, à semelhança do governo
Papademos. Ou, então, derrubarem-nos, pondo fim às nossas reivindicações
políticas, que tanto medo lhes fazem. Permitam-me juntar, ainda, um comentário:
estes projectos, que visavam conduzir não só o SYRIZA, mas, também, a Grécia
“ao leito de Procusto”(1), estavam baseados na sobrestimação cega da sua força,
na incompreensão de dados concretos relativos à Grécia e à força da sua
esquerda, na subestimação da nossa determinação e da nossa resiliência. Habituados
a tratar com representantes servis do establishment dos memorandos, foram
surpreendidos com o nosso NÃO, pronunciado na primeira reunião do Eurogrupo. E,
muito irritados com o nosso segundo NÃO, na reunião seguinte, lançaram um
ultimato. Mas, a nossa recusa em ceder à chantagem do ultimato mobilizou outras
forças políticas europeias, que intervieram, defendendo a via da razão. O nosso
povo também interveio eficazmente, manifestando-se e mobilizando-se. Foi
suscitada uma vaga de apoio internacional, duma amplidão nunca vista desde a
época da ditadura. E foi assim que chegámos a um compromisso, que nos permitiu recuperar
o fôlego e evitar os piores cenários, que teriam consequências desastrosas, tanto
para a Grécia como para a Europa.
Camaradas,
Permitam-me lembrar os objectivos principais dessa
negociação: a dissociação do acordo de empréstimo dos memorandos. Um
acordo-ponte intermédio, que nos dá tempo e espaço necessários para a
negociação principal, a da dívida pública, e aplicar uma política de
crescimento, fora do pântano da austeridade. Mas, não foi apenas a armadilha montada
que nós conseguimos evitar. Nós obtivemos o fim formal e material do memorando.
As exigência [da troika] ditadas por correio electrónico a Hardouvelis
[ex-ministro das Finanças] desapareceram da mesa das negociações. E lembram-se
do carácter e da dureza dessas medidas! Nós obtivemos o fim da troika. A partir
de agora, não trataremos mais dos nossos assuntos com empregados, mas com a
Comissão e as instituições que, pelo seu carácter propriamente político, são
obrigadas, no quadro das suas funções e negociações, a adoptar critérios que
não são exclusivamente tecnocráticos, mas também políticos. Obtivemos o fim dos
excedentes irrealistas e inalcançáveis, que são o sinónimo e a base da
austeridade e pudemos proteger os bancos. Por isso, os bancos continuaram abertos
e a segurança do sistema financeiro, no seu conjunto, foi preservada.
Camaradas,
Nós não temos ilusões. Aliás, não temos direito a tê-las.
“Nenhum descanso, nenhuma interrupção, nenhuma trégua”. Estamos apenas no
começo.
Demos o primeiro passo, mas muitos outros problemas nos
esperam: aumentar as receitas dos fundos públicos. Pôr de pé uma sociedade devastada
por cinco anos de sevícias. Superar as pressões e as chantagens que ainda serão
exercidas sobre o nosso governo. Estamos conscientes das nossas
responsabilidades e o nosso combate será longo e constante. Mas estou optimista
e creio que podemos ultrapassar todos os obstáculos, aproveitando o “fôlego”
que obtivemos, para materializar rapidamente os nossos compromissos prioritários.
Coordenando todas as nossas forças, com o apoio do povo, com a energia da nossa
vontade e do nosso trabalho assíduo, nós podemos transformar o acordo de
empréstimo em testa de ponte para a grande mudança. É do vosso conhecimento que
são muitos os que apostaram num terceiro memorando, antes do fim de Junho.
Esses serão desmentidos uma vez mais. Os memorandos, seja qual for a forma,
acabaram no dia 25 de Janeiro.
O que procuramos – e aquilo para que nos preparamos,
empregando todas as nossas capacidades – é chegar, com os nossos parceiros, a
um acordo mutuamente aceitável, que permita libertar definitivamente o nosso país
de uma tutela tão asfixiante como humilhante. Um acordo que tornará socialmente
duráveis os nossos compromissos financeiros, permitindo-nos retomar o
crescimento, a normalidade e a coesão social.
Estamos a entrar, agora, num período de trabalho
construtivo. Ontem, anunciei, no Conselho de Ministros, a entrega dos primeiros
projectos de lei para inverter a situação actual. O primeiro projecto diz
respeito a medidas que serão tomadas para acorrer à crise humanitária. O
segundo diz respeito à regularização das dívidas vencidas ao Estado e a fundos
públicos. O terceiro diz respeito à protecção da residência principal e será
apresentado na próxima semana, a fim de pôr termo à angústia de centenas de
milhares de nossos concidadãos, trabalhadores e reformados, que estão em risco
de perder a sua casa. Do mesmo modo, na próxima semana, quinta-feira, dia 5 de
Março, apresentaremos o projecto de lei para a reabertura da ERT
[radiotelevisão pública]. Ao mesmo tempo, entregaremos uma proposta de criação
de uma comissão de inquérito para examinar as razões e as circunstâncias
exactas que conduziram o nosso povo a esta desgraça. Estas são as primeiras
intervenções parlamentares e legislativas do nosso governo de salvação social.
E as nossas reformas legislativas vão prosseguir, até à erradicação completa
dos problemas da opacidade da vida pública, da corrupção e conflitos de
interesse. Contudo, a obra governamental não pode limitar-se à tarefa
legislativa. A partir da próxima semana, começamos uma maratona de reformas a
fim de racionalizar a administração pública e facilitar a vida dos cidadãos.
Estas primeiras medidas ilustram já os princípios da orientação geral das
nossas reformas. Mas, gostaria, também, de falar de uma outra medida crucial, que
manifesta, de forma exemplar, a passagem ao período pós-memorandos: decidimos
revogar a autorização, para pesquisas e explorações, à mina de Skouries, com o
objectivo de defender, da maneira mais eficaz possível, duas grandes
prioridades do nosso governo: o ambiente e o interesse público. E a nossa
resposta às reacções suscitadas pela nossa decisão é simples e sem equívocos:
se o povo nos concedeu a sua confiança, é porque, para nós, os trabalhadores, o
desenvolvimento produtivo progressivo, o ambiente e o interesse público, estão
acima dos interesses comerciais, por grandes que sejam e importantes as suas
redes de influência.
Camaradas,
Face à alteração de circunstâncias, que fazer? O nosso
trabalho no governo será determinante para o futuro do país. Mas, o papel do
nosso partido é, igualmente, essencial. […] Nós temos necessidade de um partido
que vigie e critique a nossa acção, dando prova de responsabilidade, espírito
metódico, que julgue, tende em conta todos os parâmetros […] Espírito de
equipa, bom senso, adaptabilidade, comprometimento, resistência, pensamento
crítico, são as qualidades que vão permitir-nos inscrever a ideia do progresso
na consciência colectiva, na história da nossa sociedade e do nosso país. E
isso merece esforços e sacrifícios!
28 de Fevereiro de 2015
________________
(1) Ver o significado desta alusão na Wikipedia
Nota do tradutor: Esta tradução foi feita a partir da tradução para francês publicada AQUI
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