O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 21 de dezembro de 2013

Não quero que o Capitalismo me ofereça medalhas*

Hoje é um dia muito importante. Um dia muito especial para todos aqueles que acreditam e lutam por um mundo mais justo, fraterno e solidário. Por isso dedico esta medalha à minha família, aos meus amigos, aos meus colegas de trabalho, aos meus utentes, aos meus camaradas, a todos os militantes da causa dos direitos humanos.

Receber esta distinção e este reconhecimento na casa da democracia é para mim uma enorme alegria mas sobretudo uma tremenda responsabilidade.

Esta cerimónia pública compromete-me ainda mais com a libertação daqueles que sofrem, o prestígio deste prémio exigirá de mim mais dedicação, mais coragem para denunciar, mais entusiasmo para construir, mais motivação para consciencializar os que todos os dias são vítimas do sistema.

Mesmo assim, eu troco esta medalha por outro modelo de desenvolvimento económico. Deixo ficar esta medalha no Parlamento se os Srs deputados me prometerem que futuramente as leis aprovadas nesta casa não vão causar mais estragos na vida daqueles que, por terem deixado de dar lucro, são agora considerados descartáveis.

Em 2012, cento e vinte mil (120 mil) portugueses saíram do País em busca de uma vida digna no estrangeiro. 500 mil crianças deixaram de receber abono de família, o desemprego atinge hoje em Portugal mais de 149 mil jovens. Os idosos vivem com reformas miseráveis sem recursos económicos para comprar medicação.

Eu não quero que o Capitalismo me ofereça medalhas. Eu quero é igualdade de oportunidades, quero que todos tenham acesso aos recursos, aos serviços e aos equipamentos públicos de qualidade.

Eu não quero receber medalhas, quero justiça na economia, justiça na repartição da riqueza criada, quero emprego com direitos para gerar essa riqueza, quero que a dignidade do homem seja mais valorizada que os mercados, quero que o interesse colectivo e o bem comum tenham mais força que os interesses de meia dúzia de privilegiados.

Eu troco esta medalha por mais esclarecimento. Troco esta medalha por mais informação. Troco esta medalha por uma campanha que desintoxique as mentes. Eu ofereço esta medalha a quem tiver capacidade de explicar ao povo que outro caminho é possível, que existem outras saídas, outras alternativas, outras soluções para libertar as pessoas do castigo da austeridade.

Eu não quero medalhas. Quero que a ciência e a tecnologia sejam motor de progresso e que esse progresso toque a vida de todos.

Eu não quero medalhas, quero que os campos, a floresta e a àgua dos rios não sejam contaminadas. Quero que a modernidade traga felicidade e bem estar, mas não apenas a uma minoria cada vez mais restrita. Quero que os cidadãos do meu país hipotecado realizem os seus sonhos, quero que estes governantes estanquem imediatamente este retrocesso civilizacional que ilumina palácios mas ao mesmo tempo enche a cidade de pessoas a dormir na rua.

Eu não quero medalhas, quero que os cidadãos deste país protestem livremente e de forma legítima dentro desta casa e que ao reivindicarem os seus direitos por uma vida melhor não sejam expulsos pela polícia das galerias deste parlamento.

Eu não quero medalhas, quero que os políticos com poder resistam à idolatria do dinheiro, à tirania dos mercados, à especulação financeira. Como diz Frei Bento Domingues, eu não quero uma política que considere os doentes e os velhos um estorvo e o desemprego uma fatalidade.

Eu troco esta minha medalha por uma política que não MATE.


*José António Pinto. Intervenção proferida a 10 de Dezembro 2013 na cerimónia de entrega da medalha atribuída pelo júri do Prémio Direitos Humanos constituído no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República.
A medalha ficou no Parlamento.

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