Não quero que o Capitalismo me ofereça
medalhas*
Hoje é um dia muito importante. Um dia
muito especial para todos aqueles que acreditam e lutam por um mundo mais
justo, fraterno e solidário. Por isso dedico esta medalha à minha família, aos
meus amigos, aos meus colegas de trabalho, aos meus utentes, aos meus
camaradas, a todos os militantes da causa dos direitos humanos.
Receber esta distinção e este
reconhecimento na casa da democracia é para mim uma enorme alegria mas
sobretudo uma tremenda responsabilidade.
Esta cerimónia pública compromete-me ainda
mais com a libertação daqueles que sofrem, o prestígio deste prémio exigirá de
mim mais dedicação, mais coragem para denunciar, mais entusiasmo para
construir, mais motivação para consciencializar os que todos os dias são
vítimas do sistema.
Mesmo assim, eu troco esta medalha por
outro modelo de desenvolvimento económico. Deixo ficar esta medalha no
Parlamento se os Srs deputados me prometerem que futuramente as leis aprovadas
nesta casa não vão causar mais estragos na vida daqueles que, por terem deixado
de dar lucro, são agora considerados descartáveis.
Em 2012, cento e vinte mil (120 mil)
portugueses saíram do País em busca de uma vida digna no estrangeiro. 500 mil
crianças deixaram de receber abono de família, o desemprego atinge hoje em
Portugal mais de 149 mil jovens. Os idosos vivem com reformas miseráveis sem
recursos económicos para comprar medicação.
Eu não quero que o Capitalismo me ofereça
medalhas. Eu quero é igualdade de oportunidades, quero que todos tenham acesso
aos recursos, aos serviços e aos equipamentos públicos de qualidade.
Eu não quero receber medalhas, quero
justiça na economia, justiça na repartição da riqueza criada, quero emprego com
direitos para gerar essa riqueza, quero que a dignidade do homem seja mais
valorizada que os mercados, quero que o interesse colectivo e o bem comum
tenham mais força que os interesses de meia dúzia de privilegiados.
Eu troco esta medalha por mais
esclarecimento. Troco esta medalha por mais informação. Troco esta medalha por
uma campanha que desintoxique as mentes. Eu ofereço esta medalha a quem tiver
capacidade de explicar ao povo que outro caminho é possível, que existem outras
saídas, outras alternativas, outras soluções para libertar as pessoas do
castigo da austeridade.
Eu não quero medalhas. Quero que a ciência
e a tecnologia sejam motor de progresso e que esse progresso toque a vida de
todos.
Eu não quero medalhas, quero que os
campos, a floresta e a àgua dos rios não sejam contaminadas. Quero que a
modernidade traga felicidade e bem estar, mas não apenas a uma minoria cada vez
mais restrita. Quero que os cidadãos do meu país hipotecado realizem os seus
sonhos, quero que estes governantes estanquem imediatamente este retrocesso
civilizacional que ilumina palácios mas ao mesmo tempo enche a cidade de
pessoas a dormir na rua.
Eu não quero medalhas, quero que os
cidadãos deste país protestem livremente e de forma legítima dentro desta casa
e que ao reivindicarem os seus direitos por uma vida melhor não sejam expulsos
pela polícia das galerias deste parlamento.
Eu não quero medalhas, quero que os
políticos com poder resistam à idolatria do dinheiro, à tirania dos mercados, à
especulação financeira. Como diz Frei Bento Domingues, eu não quero uma
política que considere os doentes e os velhos um estorvo e o desemprego uma
fatalidade.
Eu troco esta minha medalha por uma
política que não MATE.
*José António Pinto. Intervenção proferida a 10 de Dezembro 2013 na cerimónia de entrega da
medalha atribuída pelo júri do Prémio Direitos Humanos constituído no âmbito da
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da
Assembleia da República.
A medalha ficou no Parlamento.
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