Por Boaventura Sousa Santos
Os componentes da provocação ocidental são
três: sanções para debilitar a Rússia; instalação de um governo satélite em
Kiev; guerra de propaganda. As sanções são conhecidas, sendo a mais insidiosa a
redução do preço do petróleo, que afeta de modo decisivo as exportações de
petróleo da Rússia, uma das mais importantes fontes de financiamento do país.
Esta redução trará o benefício adicional de criar sérias dificuldades a outros
países considerados hostis (Venezuela e Irão). A redução é possível graças ao
pacto celebrado entre os EUA e a Arábia Saudita, nos termos do qual os EUA
protegem a família real (odiada na região) em troca da manutenção da economia
dos petrodólares (transações mundiais de petróleo denominadas em dólares), sem
os quais o dólar colapsa enquanto reserva internacional e, com ele, a economia
dos EUA, o país com a maior e mais obviamente impagável dívida do mundo. O
segundo componente é controlo total do governo da Ucrânia de modo a transformar
este país num estado satélite. O respeitado jornalista Robert Parry (que
denunciou o escândalo do Irão-contra) informa que a nova ministra das finanças
da Ucrânia, Natalie Jaresko, é uma ex-funcionária do Departamento de Estado,
cidadã dos EUA, que obteve cidadania ucraniana dias antes de assumir o cargo.
Foi até agora presidente de várias empresas financiadas pelo governo
norte-americano e criadas para atuar na Ucrânia. Agora compreende-se melhor a
explosão, em Fevereiro passado, da secretária de estado norte-americana para os
assuntos europeus, Victoria Nulland, “Fuck the EU”. O que ela quis dizer foi:
“Raios! A Ucrânia é nossa. Pagámos para isso”. O terceiro componente é a guerra
de propaganda. Os grandes media e seus jornalistas estão a ser pressionados
para difundirem tudo o que legitima a provocação ocidental e ocultarem tudo o
que a questione. Os mesmos jornalistas que, depois dos briefings nas
embaixadas dos EUA e em Washington, encheram as páginas dos seus jornais com a
mentira das armas de destruição massiva de Saddam Hussein, estão agora a
enchê-las com a mentira da agressão da Rússia contra a Ucrânia. Peço aos
leitores que imaginem o escândalo mediático que ocorreria se se soubesse que o
Presidente da Síria acabara de nomear um ministro iraniano a quem dias antes
concedera a nacionalidade síria. Ou que comparem o modo como foram noticiados e
analisados os protestos em Kiev em Fevereiro passado e os protestos em Hong
Kong das últimas semanas. Ou ainda que avaliem o relevo dado à declaração de
Henri Kissinger de que é uma temeridade estar a provocar a Rússia. Outro grande
jornalista, John Pilger, dizia recentemente que, se os jornalistas tivessem
resistido à guerra de propaganda, talvez se tivesse evitado a guerra do Iraque
em que morreram até ao fim da semana passada 1.455.590 iraquianos e 4801
soldados norte-americanos. Quantos ucranianos morrerão na guerra que está a ser
preparada? E quantos não-ucranianos?
Estamos em democracia quando 67% dos
norte-americanos são contra a entrega de armas à Ucrânia e 98% dos seus
representantes votam a favor? Estamos em democracia na Europa quando uma
discrepância semelhante ou maior separa os cidadãos dos seus governos e da
Comissão da UE, ou quando o parlamento europeu segue nas suas rotinas enquanto
a Europa está a ser preparada para ser o próximo teatro de guerra, e a Ucrânia,
a próxima Líbia?
in Visão, 11-12-2014
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