O
Patético Neoliberalismo da Comissão Europeia
Por
Vicenç Navarro*
Um dos personagens mais patéticos
(e não há outra forma de o definir), no cenário político europeu, é Olli Rehn
(a partir de agora, OR), Comissário dos Assuntos Económicos e Monetários da
União Europeia e porta-voz máximo do neoliberalismo, na Comissão Europeia.
Reproduz, acriticamente, as suas receitas, que levaram a Espanha ao desastre e
continua, hoje ainda, a insistir na necessidade das políticas de austeridade,
afirmando que estão a dar frutos, pois a Espanha está a sair da crise. Esta
posição é amplamente partilhada pela Troika (FMI, Comissão Europeia e Banco
Central Europeu), mesmo quando o FMI parece distanciar-se de dita posição. Mas
OR é um dos dogmáticos da fé neoliberal, totalmente impermeável à evidência
presente dos dados, que não confirmam o seu credo.
Foram três as políticas
públicas que OR mais promoveu para Espanha. Uma é a da redução e eliminação do
défice público, pois a Espanha, segundo ele, deve comportar-se como uma
família, que não pode gastar mais do que o que tem, apresentando o défice
público como causa da crise. O que é extraordinário é que este personagem
(assim como muitos dos analistas económicos defensores deste dogma, amplamente
promovidos nos media, tanto na
Catalunha, como no resto da Espanha) esteja, constantemente, a sublinhar que o
elevado défice público espanhol é a causa da crise económica actual, em
Espanha. A não ser que o défice público baixe e seja eliminado, a Espanha –
segundo OR – não sairá da grande depressão (em Espanha, falar de recessão é,
claramente, insuficiente para definir a situação económica). E os jornalistas
que o entrevistam tomam nota e publicam esta explicação da crise, sem nunca
fazer, ao Senhor OR, a pergunta óbvia: dado que Espanha tinha um superávit e
não um défice quando a crise se iniciou, como pode o Senhor dizer que a causa
da crise é o défice público, quando a Espanha estava com superávit? O facto de
os jornalistas não lhe fazerem esta pergunta, tão óbvia, é sinal de que os
jornalistas deste país parecem não entender os indicadores económicos.
Na realidade, todos os dados
mostram que foi a crise que criou o défice público e não o contrário. O enorme
desemprego, criado, em parte, pelas políticas de austeridade e cortes na
despesa pública, foi o que criou um abrandamento da procura e do crescimento
económico, causa da dramática redução das receitas do Estado (consequência de
que a grande maioria dos impostos, em Espanha, se baseia nos rendimentos do
trabalho e muito pouco nos do capital). Foi isso que fez disparar o défice
público. A combinação de cortes na despesa pública com a redução das receitas
do Estado, resultado, entre outros factores, do desemprego (26% da população
activa), foi o que causou o disparar do défice público. Os dados que apoiam
esta interpretação estão aí para quem quiser ver. Dizer, como OR continua a
dizer, que o elevado défice público foi o que causou a crise é mais do que uma
frivolidade. É uma falsidade, que não pode ser atribuída à ignorância. Mas, o
que é igualmente censurável é o silêncio dos media, resultado da sua enorme docilidade para com o poder.
O
apóstolo do austericídio: o comissário Olli Rehn
O outro erro (que, de novo,
poderia definir-se como falsidade) é a afirmação de que o Estado é como uma
família, que toda a gente sabe que não pode gastar mais do que recebe. OR
sublinha isto, continuamente, e fica com a mesma cara. O diário digital “Nada es gratis”, de Fedea, a plataforma
do grande capital, cuja ideologia é o neoliberalismo, repete também,
constantemente, esta frase. Pelos vistos, a família Rehn deve ser
multimilionária e compra tudo a pronto (seja uma casa ou um carro). Mas, a
maioria das famílias endivida-se, isto é, a economia familiar funciona com basa
no crédito. E o mesmo se passa com os Estados, que têm de pedir dinheiro
emprestado para educar os nossos filhos e netos, para investir em
infraestruturas, que também os beneficiarão e um longo etc.
Mas há um outro problema na
homologação das famílias com os Estados, que, pelos vistos, OR desconhece. O
Estado pode ter o que uma família não pode ter. Quer dizer, pode ter um banco
central, que imprima dinheiro e ajude a que os juros que tem de pagar pelos
seus títulos de dívida pública não sejam mais elevados do que aquilo que o
Estado pode pagar. Os bancos centrais podem comprar dívida pública e, com isso,
forçar os juros a baixar. As famílias não têm esta possibilidade. Mas, o que OR
parece desconhecer é que, na UE, os Estados nem sequer têm bancos centrais que
os possam ajudar. E aí está o problema, que os Estados são muito vulneráveis à
especulação dos mercados financeiros, pois não estão protegidos pelo Banco
Central Europeu, que, como já disse muitas vezes, não é um banco central, mas
um lobby da banca. Daí que a Espanha tenha tido que pagar uma quantia elevadíssima
de juros para obter dinheiro da banca privada. E o Sr. OR foi um dos que
apoiaram este sistema. E, agora, tem a ousadia de dizer que o Estado tem uma
dívida pública demasiado elevada e um défice público demasiado elevado e que
daí surja o problema de não poder conseguir empréstimos a juros razoáveis, pois
os famosos mercados financeiros não confiam nos Estados.
A nula credibilidade desta
posição apareceu claramente quando o Sr. Draghi, com uma só frase (indicando
que compraria dívida pública), provocou uma descida dos juros que o Estado
espanhol pagava, de forma automática e significativa. Se o BCE tivesse dito e
feito isto, inicialmente, a recessão não teria ocorrido como ocorreu. Isto é,
novamente, óbvio. Mas, os jornalistas nunca lhe fizeram esta observação.
A
cumplicidade dos media com o
austericídio
Outra frivolidade deste
personagem é a sua outra proposta para sair da crise: a redução dos salários
para tornar a economia mais competitiva. Outro dogma neoliberal. É interessante
que o Sr. OR nunca (repito, nunca) tenha sugerido baixar os lucros empresariais
(pois, segundo os livros de economia, os lucros fazem parte, também, dos custos
de produção e, portanto, os preços poderiam, igualmente, baixar, mediante a
redução dos lucros). Na realidade, à medida que os salários têm descido, os
lucros têm aumentado. Então, por que não reduzir os lucros? Isso não está no
cenário do Sr. OR. Quando fala de sacrifícios, supõe-se que só os trabalhadores
têm de os fazer. O que OR deseja é ir baixando os salários, para que os países
da UE compitam entre si, a ver quem os baixa mais, numa dinâmica que nos levará
ao nível do Bangladeche. Esta descida de salários, juntamente com os cortes,
está a criar-nos um problema enorme de falta de procura. Mas isto é demasiado complicado
para o entendimento de OR.
Estas políticas, que OR está
a impor, foram definidas, com razão, como um austericídio. A única interpretação
para a insistência é, ou o seu dogmatismo, impermeável à evidência empírica, ou
uma extraordinária incompetência, o que não excluo. Conheço bem como funciona
cada uma das instituições da Troika (tenho pessoas conhecidas que trabalham
nelas e, pela minha profissão, tenho de ler os seus documentos) e é
surpreendente a insuficiência de conhecimentos, quando não mera incompetência.
Um caso muito claro desta incompetência é a afirmação que fez, em Dezembro de
2013, dizendo que a Espanha estava, já, a sair da crise. Três semanas mais
tarde, em 23 de Janeiro de 2014, anunciava-se que o desemprego havia aumentado,
chegando ao nível máximo alcançado até então. O mesmo está, agora, a acontecer.
E o Sr. OR, muito tranquilo, dando entrevistas, sem que nenhum jornalista lhe
apresente os dados, que põem em causa os seus dogmas. Na realidade, tal
personagem não poderia manter qualquer credibilidade, se não fosse a docilidade
dos grandes media, controlados pelo
grande capital. Claro como água.
______
*
Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de
Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona.
É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University
(Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas
Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e
The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de
Espanha.
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