O ENORME ROUBO QUE O GOVERNO ESTÁ A
FAZER AOS TRABALHADORES PORTUGUESES
Portugal é o 3º país da
União Europeia com as maiores desigualdades sociais, depois da Letónia e da
Lituânia. 43,4% da população portuguesa vive no limiar da pobreza, enquanto as
25 maiores fortunas, só no ano de 2013, engrossaram em mais 16% e os 100 mais
ricos detêm 34 mil milhões, o equivalente a 22,1% do PIB nacional. Entretanto,
há pessoas que morrem por lhes ser negada assistência médica: há crianças a ir
para a escola com fome e milhares de famílias a viver da esmola.
O artigo seguinte, de Vicenç
Navarro, mostra que a origem das desigualdades reside na exploração do trabalho
pelo capital, sublinhando o papel que o Estado tem no apoio que dá a esta
exploração.
Os trabalhadores portugueses
conhecem bem, sobretudo nos últimos anos (dos PECs e da troika), os cortes
directos que têm sofrido nos salários, quer o patrão seja o Estado, quer um
privado, apesar de a produtividade total e por trabalhador ter aumentado
consideravelmente, mais do que na Alemanha (Ver Costas Lapavitsas, Crisis in the Eurozone, pp 59, 2012).
Isto é, a riqueza produzida pelos trabalhadores vai, na sua maior parte, para a
acumulação do capital.
No entanto, a transferência
da riqueza, das mãos de quem a produz para uma minoria exploradora, não se
processa, apenas, por aquela via, pois há que considerar que o salário real,
aquele que tem em conta o “custo de vida” é composto por:
- O salário directo, que
recebe directamente do patrão.
- O salário indirecto, para
o qual desconta e que recebe através das prestações sociais (subsídios de doença, de desemprego,
abono de família, etc.) e da diferença entre o preço no mercado de serviços
como a Educação e Saúde e o preço desses serviços no sector público.
- O salário diferido, para o
qual desconta, mas que só vem a receber, mais tarde, em forma de pensão ou
reforma.
É, sobretudo, nestas duas
últimas componentes do salário que o Estado contribui, de maneira mais
encapotada, para a descida do valor real dos salários, aumentando a parte da
riqueza produzida que é transferida para o capital.
Os números da execução
orçamental do 1º trimestre deste ano, comparativamente com o período homólogo
do ano passado, chegam para verificar o processo acelerado a que o governo
português está a proceder para realizar aquele objectivo:
- Subsídio de desemprego e
apoio ao emprego; -12,6% (320.792 desempregados, 46,5% do total, já não recebia
qualquer subsídio).
-Complemento solidário para
idosos: -13,6%, que corresponde a 24.700 pessoas.
- Rendimento social de
inserção: -8,4%, correspondente a 49.300 pessoas.
- Abono de família: -6.9%,
isto é, 39.900 crianças e jovens.
- Subsídio de doença: -4,2%,
equivalente a 4.300 trabalhadores, que, ou foram trabalhar doentes, ou não receberam
absolutamente nada, quando mais precisavam (não esquecer a enormidade das taxas
moderadoras, do aumento nos medicamentos e do pagamento do transporte para
hospitais e centros de saúde).
Neste 1º trimestre de 2014,
as receitas do IRS, o imposto sobre os rendimentos do trabalho, aumentou 10%,
tendo sido o maior aumento verificado nos 34 países da OCDE. Em sentido
contrário, o IRC, o imposto sobre os rendimentos do capital, desceu 9%.
Em juros da dívida, foram
pagos mais 170 milhões (+19%) do que em igual período do ano passado. E, para
todo o ano, estão orçamentados 7,2 mil milhões, isto é, 4,3% da riqueza
produzida no país vai direitinha para os bolsos dos especuladores financeiros.
A este número, acrescente-se 1,2 mil milhões que o governo vai entregar às
parcerias público-privadas rodoviárias (apenas rodoviárias, falta conhecer as restantes)
e que, de público, só tem o nosso dinheiro.
Não contente com este roubo,
sem precedentes, aos trabalhadores, hoje, o doentio 1º ministro ameaçou
aumentar mais os impostos sobre quem trabalha, além de confirmar a intenção de
acabar com os contratos colectivos de trabalho, graças aos quais muitos dos
portugueses alcançam um salário de pobreza, mas que lhes vai permitindo pagar a
água e a luz.
Perante este cenário, não
basta exigir a demissão do governo, mas, sim, levá-lo a julgamento, ao governo
e à maioria que o sustenta, por crimes contra os direitos humanos e alta
traição ao país.
A exploração social como principal causa
do aumento das desigualdades
Por Vicenç Navarro*
O enorme aumento das
desigualdades, em rendimentos e riqueza, que ocorre na maioria dos países dos
dois lados do Atlântico Norte (América do Norte e Europa Ocidental), desde os
anos oitenta do século passado (quando se iniciou a era neoliberal, com o
Presidente Reagan, nos EUA, e com a Sra. Tatcher, na Grã-Bretanha), explica que
estas desigualdades tenham alcançado níveis nunca vistos desde os princípios do
século XX. Esta situação gerou uma certa preocupação, inclusive no centro de
reflexão neoliberal, conhecido como Forum de Davos, onde os representantes dos
poderes financeiros (que criaram a crise) e económicos se reúnem com políticos,
economistas e académicos afins e servis aos seus interesses, para discutir os
principais acontecimentos do mundo e ver como lhes hão-de dar resposta, de
forma a garantir a continuidade dos seus interesses. Mas, não só em Davos este
interesse existe. O tema das desigualdades converteu-se num tema central, de
frequente análise e informação, no mundo ocidental. Espanha, cujo clima
intelectual e político é muito conservador, anda sempre atrasada na
visibilidade mediática dos grandes temas que absorvem a atenção mundial. Sendo
este país um dos que tem maiores desigualdades, na UE a 15, é possível que,
pouco a pouco e a conta-gotas, comecem a aparecer alguns artigos sobre estes
temas, nos maiores meios de informação e persuasão.
Nos estudos destas
desigualdades, que vão aparecendo na América do Norte e na União Europeia
(entre os quais, há que destacar Capital
in the XXI Century, de Thomas Piketty), documenta-se a sua evolução e, em
muitos deles, acentua-se, com razão, a importância que tiveram as políticas
neoliberais no crescimento dessas desigualdades. No entanto, são poucos os que
chegam a assinalar a verdadeira origem dessas desigualdades, que é,
precisamente, a exploração do mundo do trabalho pelo mundo do capital. Isto é,
aquilo a que se costumava chamar “luta de classes”, termo que, presentemente,
não se utiliza, por se conciderar, na linguagem moderna, antiquado, que exclui,
inclusive, a categoria “classes sociais” (para não falar já da “exploração de
classe”) da linguagem permitida pelo saber convencional (quer dizer, o saber permitido
e promovido pela estrutura do poder nos meios de comunicação e centros
académicos, como Fedea, em Espanha, financiados pelo grande capital e que
apresentam tais termos e conceitos como ideologias a marginalizar, ou melhor, a
ignorar).
Vejamos, agora, os dados. E
comecemos por definir os termos, muito especialmente “exploração”. Exploração
de classe é quando uma classe social vive melhor à custa de outra que vive
pior. E isto é o que acontece e tem vindo a crescer desde os anos oitenta. E os
dados estão aí para quem quiser e não utilize palas ideológicas que lhe impeçam
ver a realidade tal como ela é e não como desejaria que fosse lida. Todos os
dados que analisaram o crescimento da produtividade (uma variável-chave para
determinar o crescimento da riqueza de um país) mostram que esta aumentou nos
últimos quarenta anos, na América do Norte e na Europa Ocidental. E isto
refere-se tanto à produtividade total como à produtividade per capita e por
trabalhador. O que quer dizer que a riqueza dos países dos dois lados do
Atlântico Norte cresceu muito significativamente. Mas, esta riqueza, resultado
do crescimento da produtividade, foi mais para enriquecer o mundo do capital,
isto é, os proprietários e gestores das grandes empresas (onde cresceu a
produtividade), através do enorme aumento dos lucros empresariais e das
retribuições a dirigentes e delegados destas empresas, à custa do escasso
aumento dos salários que os trabalhadores recebem. Assim, nos EUA, Lawrence
Mishel e Kar-Fai Gee calcularam (e publicaram na revista International Productivity Monitor, Spring 2012) como a
produtividade foi crescendo e quem mais beneficiou com isso. Deste modo, “de
1973 a 2011, a produtividade por trabalhador aumentou nada mais nada menos que
80,4%. Contudo, o salário/hora médio aumentou apenas 4%. Na realidade, se os
salários tivessem aumentado como aumentou a produtividade laboral, o
salário/hora médio deveria ter sido de 27,89 dólares (em dólares de 2011), em
vez de 6,07 dólares”. Quase todo o produto gerado pelo crescimento da
produtividade foi para o enriquecimento dos lucros das grandes empresas e para
compensações aos seus dirigentes. É esta a causa principal do enorme crecimento
da concentração da riqueza e do rendimento, nas nossas sociedades, concentração
esta, ajudada pelas intervenções do Estado, mais favoráveis ao mundo do capital
do que ao mundo do trabalho.
Situação semelhante ocorreu
na Grâ-Bretanha, França, Itália, Japão, Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha e
Irlanda. Em todos estes países, o rendimento do capital cresceu muito mais
rapidamente do que o rendimento do trabalho, durante o período que vai de 1980
a 2011. Na Alemanha, a descida dos salários foi muito acentuada, a partir das
reformas Schröder, também conhecidas como Agenda 2010, cujas políticas fiscais
beneficiaram os rendimentos do capital, ao mesmo tempo que as reformas laborais
determinaram a descida dos salários (0,5% ao ano), com o que paralisaram a
procura interna, estimulando as exportações. Durante este período, a
produtividade laboral cresceu 1,3% ao ano, muito acima do crescimento dos
rendimentos do trabalho. (Para um desenvolvimento deste tema, ver Wages, Profits and Productivity, de Pete
Dolak em Counter Punch, March 28-30,
2014).
As políticas neoliberais
facilitaram a enorme descida dos salários. Nos EUA, os salários, hoje, são mais
baixos do que em 1968. E o salário mínimo interprofissional é 23% mais baixo do
que em 1968, quando Martin Luther King liderou a marcha de Washington, exigindo
um salário mínimo de 2 dólares/hora, o que, em dólares de hoje, seriam 15,35
dólares, muito mais elevado do que o estabelecido actualmente, de 7,25 dólares.
O presidente Obama está a propor um salário mínimo de 10,10 dólares/hora (o
que, em dólares de hoje, são dois terços do que King pedia em 1968!). Outro
tanto ocorre nos restantes países citados anteriormente.
Esta informação mostra
também, certamente, o desacerto da solução proposta pelo neoliberalismo – que
se centra na educação – para corrigir esta descida salarial. Tal proposta
ignora que a descida salarial, generalizada em todos os sectores, ocorreu
quando o nível educativo aumentou. A evidência é clara e contundente. A partir
dos anos oitenta, o mundo do capital foi incrementando o seu poder e os seus
lucros, à custa do mundo do trabalho e com a ajuda dos Estados. Daí que os
primeiros vivam melhor à custa de que os outros (a maioria dos cidadãos, que
obtem os seus rendimentos do trabalho) vivam pior. É a isto que se chamava e
deveria continuar a chamar-se exploração.
______
*
Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de
Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona.
É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University
(Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas
Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e
The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de
Espanha.
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