O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 9 de maio de 2014


O ENORME ROUBO QUE O GOVERNO ESTÁ A FAZER AOS TRABALHADORES PORTUGUESES

Portugal é o 3º país da União Europeia com as maiores desigualdades sociais, depois da Letónia e da Lituânia. 43,4% da população portuguesa vive no limiar da pobreza, enquanto as 25 maiores fortunas, só no ano de 2013, engrossaram em mais 16% e os 100 mais ricos detêm 34 mil milhões, o equivalente a 22,1% do PIB nacional. Entretanto, há pessoas que morrem por lhes ser negada assistência médica: há crianças a ir para a escola com fome e milhares de famílias a viver da esmola.
O artigo seguinte, de Vicenç Navarro, mostra que a origem das desigualdades reside na exploração do trabalho pelo capital, sublinhando o papel que o Estado tem no apoio que dá a esta exploração.

Os trabalhadores portugueses conhecem bem, sobretudo nos últimos anos (dos PECs e da troika), os cortes directos que têm sofrido nos salários, quer o patrão seja o Estado, quer um privado, apesar de a produtividade total e por trabalhador ter aumentado consideravelmente, mais do que na Alemanha (Ver Costas Lapavitsas, Crisis in the Eurozone, pp 59, 2012). Isto é, a riqueza produzida pelos trabalhadores vai, na sua maior parte, para a acumulação do capital.
No entanto, a transferência da riqueza, das mãos de quem a produz para uma minoria exploradora, não se processa, apenas, por aquela via, pois há que considerar que o salário real, aquele que tem em conta o “custo de vida” é composto por:

- O salário directo, que recebe directamente do patrão.
- O salário indirecto, para o qual desconta e que recebe através das prestações   sociais (subsídios de doença, de desemprego, abono de família, etc.) e da diferença entre o preço no mercado de serviços como a Educação e Saúde e o preço desses serviços no sector público.

- O salário diferido, para o qual desconta, mas que só vem a receber, mais tarde, em forma de pensão ou reforma.  
É, sobretudo, nestas duas últimas componentes do salário que o Estado contribui, de maneira mais encapotada, para a descida do valor real dos salários, aumentando a parte da riqueza produzida que é transferida para o capital.

Os números da execução orçamental do 1º trimestre deste ano, comparativamente com o período homólogo do ano passado, chegam para verificar o processo acelerado a que o governo português está a proceder para realizar aquele objectivo:
- Subsídio de desemprego e apoio ao emprego; -12,6% (320.792 desempregados, 46,5% do total, já não recebia qualquer subsídio).

-Complemento solidário para idosos: -13,6%, que corresponde a 24.700 pessoas.
- Rendimento social de inserção: -8,4%, correspondente a 49.300 pessoas.

- Abono de família: -6.9%, isto é, 39.900 crianças e jovens.
- Subsídio de doença: -4,2%, equivalente a 4.300 trabalhadores, que, ou foram trabalhar doentes, ou não receberam absolutamente nada, quando mais precisavam (não esquecer a enormidade das taxas moderadoras, do aumento nos medicamentos e do pagamento do transporte para hospitais e centros de saúde).

Neste 1º trimestre de 2014, as receitas do IRS, o imposto sobre os rendimentos do trabalho, aumentou 10%, tendo sido o maior aumento verificado nos 34 países da OCDE. Em sentido contrário, o IRC, o imposto sobre os rendimentos do capital, desceu 9%.
Em juros da dívida, foram pagos mais 170 milhões (+19%) do que em igual período do ano passado. E, para todo o ano, estão orçamentados 7,2 mil milhões, isto é, 4,3% da riqueza produzida no país vai direitinha para os bolsos dos especuladores financeiros. A este número, acrescente-se 1,2 mil milhões que o governo vai entregar às parcerias público-privadas rodoviárias (apenas rodoviárias, falta conhecer as restantes) e que, de público, só tem o nosso dinheiro.

Não contente com este roubo, sem precedentes, aos trabalhadores, hoje, o doentio 1º ministro ameaçou aumentar mais os impostos sobre quem trabalha, além de confirmar a intenção de acabar com os contratos colectivos de trabalho, graças aos quais muitos dos portugueses alcançam um salário de pobreza, mas que lhes vai permitindo pagar a água e a luz.
Perante este cenário, não basta exigir a demissão do governo, mas, sim, levá-lo a julgamento, ao governo e à maioria que o sustenta, por crimes contra os direitos humanos e alta traição ao país.  

 

 

A exploração social como principal causa do aumento das desigualdades

Por Vicenç Navarro*

O enorme aumento das desigualdades, em rendimentos e riqueza, que ocorre na maioria dos países dos dois lados do Atlântico Norte (América do Norte e Europa Ocidental), desde os anos oitenta do século passado (quando se iniciou a era neoliberal, com o Presidente Reagan, nos EUA, e com a Sra. Tatcher, na Grã-Bretanha), explica que estas desigualdades tenham alcançado níveis nunca vistos desde os princípios do século XX. Esta situação gerou uma certa preocupação, inclusive no centro de reflexão neoliberal, conhecido como Forum de Davos, onde os representantes dos poderes financeiros (que criaram a crise) e económicos se reúnem com políticos, economistas e académicos afins e servis aos seus interesses, para discutir os principais acontecimentos do mundo e ver como lhes hão-de dar resposta, de forma a garantir a continuidade dos seus interesses. Mas, não só em Davos este interesse existe. O tema das desigualdades converteu-se num tema central, de frequente análise e informação, no mundo ocidental. Espanha, cujo clima intelectual e político é muito conservador, anda sempre atrasada na visibilidade mediática dos grandes temas que absorvem a atenção mundial. Sendo este país um dos que tem maiores desigualdades, na UE a 15, é possível que, pouco a pouco e a conta-gotas, comecem a aparecer alguns artigos sobre estes temas, nos maiores meios de informação e persuasão.

Nos estudos destas desigualdades, que vão aparecendo na América do Norte e na União Europeia (entre os quais, há que destacar Capital in the XXI Century, de Thomas Piketty), documenta-se a sua evolução e, em muitos deles, acentua-se, com razão, a importância que tiveram as políticas neoliberais no crescimento dessas desigualdades. No entanto, são poucos os que chegam a assinalar a verdadeira origem dessas desigualdades, que é, precisamente, a exploração do mundo do trabalho pelo mundo do capital. Isto é, aquilo a que se costumava chamar “luta de classes”, termo que, presentemente, não se utiliza, por se conciderar, na linguagem moderna, antiquado, que exclui, inclusive, a categoria “classes sociais” (para não falar já da “exploração de classe”) da linguagem permitida pelo saber convencional (quer dizer, o saber permitido e promovido pela estrutura do poder nos meios de comunicação e centros académicos, como Fedea, em Espanha, financiados pelo grande capital e que apresentam tais termos e conceitos como ideologias a marginalizar, ou melhor, a ignorar).

Vejamos, agora, os dados. E comecemos por definir os termos, muito especialmente “exploração”. Exploração de classe é quando uma classe social vive melhor à custa de outra que vive pior. E isto é o que acontece e tem vindo a crescer desde os anos oitenta. E os dados estão aí para quem quiser e não utilize palas ideológicas que lhe impeçam ver a realidade tal como ela é e não como desejaria que fosse lida. Todos os dados que analisaram o crescimento da produtividade (uma variável-chave para determinar o crescimento da riqueza de um país) mostram que esta aumentou nos últimos quarenta anos, na América do Norte e na Europa Ocidental. E isto refere-se tanto à produtividade total como à produtividade per capita e por trabalhador. O que quer dizer que a riqueza dos países dos dois lados do Atlântico Norte cresceu muito significativamente. Mas, esta riqueza, resultado do crescimento da produtividade, foi mais para enriquecer o mundo do capital, isto é, os proprietários e gestores das grandes empresas (onde cresceu a produtividade), através do enorme aumento dos lucros empresariais e das retribuições a dirigentes e delegados destas empresas, à custa do escasso aumento dos salários que os trabalhadores recebem. Assim, nos EUA, Lawrence Mishel e Kar-Fai Gee calcularam (e publicaram na revista International Productivity Monitor, Spring 2012) como a produtividade foi crescendo e quem mais beneficiou com isso. Deste modo, “de 1973 a 2011, a produtividade por trabalhador aumentou nada mais nada menos que 80,4%. Contudo, o salário/hora médio aumentou apenas 4%. Na realidade, se os salários tivessem aumentado como aumentou a produtividade laboral, o salário/hora médio deveria ter sido de 27,89 dólares (em dólares de 2011), em vez de 6,07 dólares”. Quase todo o produto gerado pelo crescimento da produtividade foi para o enriquecimento dos lucros das grandes empresas e para compensações aos seus dirigentes. É esta a causa principal do enorme crecimento da concentração da riqueza e do rendimento, nas nossas sociedades, concentração esta, ajudada pelas intervenções do Estado, mais favoráveis ao mundo do capital do que ao mundo do trabalho.

Situação semelhante ocorreu na Grâ-Bretanha, França, Itália, Japão, Alemanha, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Em todos estes países, o rendimento do capital cresceu muito mais rapidamente do que o rendimento do trabalho, durante o período que vai de 1980 a 2011. Na Alemanha, a descida dos salários foi muito acentuada, a partir das reformas Schröder, também conhecidas como Agenda 2010, cujas políticas fiscais beneficiaram os rendimentos do capital, ao mesmo tempo que as reformas laborais determinaram a descida dos salários (0,5% ao ano), com o que paralisaram a procura interna, estimulando as exportações. Durante este período, a produtividade laboral cresceu 1,3% ao ano, muito acima do crescimento dos rendimentos do trabalho. (Para um desenvolvimento deste tema, ver Wages, Profits and Productivity, de Pete Dolak em Counter Punch, March 28-30, 2014).

As políticas neoliberais facilitaram a enorme descida dos salários. Nos EUA, os salários, hoje, são mais baixos do que em 1968. E o salário mínimo interprofissional é 23% mais baixo do que em 1968, quando Martin Luther King liderou a marcha de Washington, exigindo um salário mínimo de 2 dólares/hora, o que, em dólares de hoje, seriam 15,35 dólares, muito mais elevado do que o estabelecido actualmente, de 7,25 dólares. O presidente Obama está a propor um salário mínimo de 10,10 dólares/hora (o que, em dólares de hoje, são dois terços do que King pedia em 1968!). Outro tanto ocorre nos restantes países citados anteriormente.

Esta informação mostra também, certamente, o desacerto da solução proposta pelo neoliberalismo – que se centra na educação – para corrigir esta descida salarial. Tal proposta ignora que a descida salarial, generalizada em todos os sectores, ocorreu quando o nível educativo aumentou. A evidência é clara e contundente. A partir dos anos oitenta, o mundo do capital foi incrementando o seu poder e os seus lucros, à custa do mundo do trabalho e com a ajuda dos Estados. Daí que os primeiros vivam melhor à custa de que os outros (a maioria dos cidadãos, que obtem os seus rendimentos do trabalho) vivam pior. É a isto que se chamava e deveria continuar a chamar-se exploração.

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* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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