O QUE ELES ESCONDEM

quarta-feira, 21 de maio de 2014



 


OS PERIGOS DO TRATADO TRANSATLÂNTICO
Por Gaël De Santis*

O projecto escondido pelos dirigentes europeus e americanos antes das eleições.

Se não nos acautelarmos, a mão invisível do mercado, que tantos estragos fez na União Europeia (UE), poderá executar o seu trabalho sujo a uma escala ainda maior.
Neste preciso momento em que os aspirantes a deputados europeus se encontram em campanha, está a ser negociada uma parceria transatlântica de comércio e investimento (TTIP), mais conhecida por grande mercado transatlântico.

Ainda pode ser travado. Os parlamentares, saídos do escrutínio de 25 de Maio, terão de validar ou rejeitar este projecto, quando as negociações estiverem concluídas. Os 28 Estados terão, igualmente, que se pronunciar.
Se entrasse em vigor, o TTIP teria efeitos nefastos sobre a economia, mas, também, sobre os direitos dos trabalhadores europeus e estado-unidenses, expostos às arbitrariedades dos ventos da concorrência livre e não falseada. Do lado europeu, os promotores do projecto não procuram outra coisa senão testar, numa escala maior, o que já falhou. As negociações mantêm-se à porta fechada entre as equipas do comissário Karel De Gucht, pela UE, e do representante para o Comércio, Michael Froman, pelos Estados Unidos.

A próxima reunião terá lugar dia 19 de Maio, a seis dias das eleições europeias, sem que os cidadãos sejam informados sobre o estado actual das negociações. O objectivo da Comissão é o de criar a maior zona de livre comércio do mundo, que pesará 30% do comércio mundial. Isto teria duas vantagens: dar uma ajudinha de 0,5% do PIB à economia europeia, daqui a 2027, e fazer baixar os preços. É o que defende um estudo oficial, publicado, em Setembro, pela Comissão. Outras avaliações são menos encomiásticas, como a da Fundação Austríaca para a Investigação e Desenvolvimento, que avalia estes ganhos limitados e que pesarão nas contas públicas: a diminuição dos direitos alfandegários acarretarão uma perda de 20 biliões de euros para o orçamento europeu, durante os próximos 10 anos e os Estados terão de encontrar 1,4 biliões de euros, por ano, para fazer face às despesas com o desemprego. Com efeito, entre 430.000 e 1,1 milhão de pessoas terão de mudar de emprego, como resultado das reestreuturações necessárias.
Mas, o pior não está aí.

O mandato de negociação, adoptado pelos ministros do Comércio, em 14 de Junho último, contém perspectivas de evolução destrutivas do modelo social europeu. A soberania dos Estados é atacada pela perspectiva da criação de um “mecanismo de regulação dos diferendos” entre investidores e Estados. Os litígios entre os dois poderiam ser resolvidos em tribunais privados.
O objectivo é afastar qualquer obstáculo à mão livre do mercado. Por consequência, os direitos alfandegários serão fortemente reduzidos. Eles são já baixos, argumentam os defensores do tratado. A UE cobra, hoje, 3,3% sobre as importações provenientes dos Estados Unidos. Mas, alguns sectores, onde os direitos alfandegários são ainda elevados (carne, produtos agrícolas), poderiam ter que enfrentar uma concorrência desenfreada dos produtores americanos, originando uma forte volatilidade nos preços dos géneros alimentares.

Dos dois lados do Atlântico, querem derrubar as “barreiras não tarifárias”, isto é, as diferenças de normas sanitárias ou de segurança. Ora, quanto a isto, entre os Estados Unidos e a Europa, as concepções e culturas são diferentes. Lá, explora-se o gás de xisto de qualquer maneira, mergulha-se os frangos em água com cloro e não se refila por ingerir cereais OGM. Para que haja normas comuns, cada um terá de dar um passo na direcção do outro.
Esta harmonização das normas oferece um segundo perigo – o geopolítico. A nova parceria pesará 54% do PIB mundial e metade do consumo do planeta. As normas transatlânticas impor-se-ão ao resto do mundo. Isto permitiria ao Tio Sam prolongar, durante mais algum tempo, a sua hegemonia declinante e fazer frente à progressão rápida dos países emergentes. ´

O presidente Barack Obama só tem olhos para José Manuel Barroso, presidente da Comissão, que convenceu os Estados europeus a entrar neste negócio de vigaristas. Obama e o seu Secretário John Kerry multiplicam as idas e vindas ao sudeste asiático, para contrabalançar, aí, a influência da China e instalar uma parceria dos dois lados do Pacífico, semelhante ao futuro tratado transatlântico.
Por detrás deste projecto, prepara-se uma NATO económica, contra a qual está já a levantar-se uma ampla coligação de organizações sindicais, cidadãs, políticas, dos dois lados do Atlântico. Tanto para os militantes estado-unidenses, como europeus “é importante mostrar que não são eles contra nós, mas que temos interesses comuns”, previne Hélène Cabioc’h, da rede Aitec.

__________

* Jornalista

O original encontra-se em http://www.humanite.fr/telecharger-lhumanite-speciale-revelations-des-dangers-du-traite-transatlantique-528708

 
TRIBUNAIS ARBITRAIS: AS MULTINACIONAIS FORA DA LEI
Por Gaël De Santis
 
O principal perigo deste tratado é a instauração de uma justiça privada, que poderia impedir, a pedido das grandes empresas, os Estados de definir as suas prioridades políticas.

Como ficar de mãos atadas? Perguntem aos ministros do Comércio da União Europeia (UE) que, no dia 14 de Junho de 2013, redigiram o mandato de negociação da Comissão com vista a um tratado de livre comércio com os Estados Unidos. Eles aceitaram, sob pressão dos Estados Unidos, encetar conversações sobre um mecanismo de regulação de diferendos.
Por detrás deste termo pomposo e misterioso, esconde-se uma verdadeira máquina de guerra contra a soberania dos Estados. De que se trata? Quando uma multinacional julgar que a decisão de um governo é um entrave à sua “liberdade de investir”, pode apresentar queixa. Perante quem? Não será perante a justiça desse Estado, a quem é retirada a soberania judicial. O dito Estado será levado perante um tribunal arbitral internacional.

Estes tribunais não são outra coisa que empresas privadas, encarregadas de ditar as leis. Ora, estas leis privilegiam o livre comércio face às leis emanadas dos Parlamentos. É “um risco injustificado contra a capacidade de decisão política a nível local” e nacional – inquieta-se a Federação dos Sindicatos estado-unidenses (AFL-CIO).
A ameaça não é um fantasma. Ela é concreta e está já a causr prejuízos em muitas partes do mundo. Se um Estado quiser prevenir o tabagismo, alto lá! O gigante Philip Morris está atento: apresentou queixa nos tribunais arbitrais, contra o Uruguai e a Austrália, com base em disposições inscritas nos acordos de livre comércio entre estes países e os Estados Unidos. Os dois países tiveram a infeliz ideia de inscrever, obrigatoriamente, mensagens de prevenção... Por seu lado, a companhia estado-unidense Lone Pine persegue em tribunal o Quebeque, que decidiu fazer uma moratória sobre a fracturação hidráulica, tecnologia que permite extrair gás de xisto de maneira poluente [1].

Como se vê, estes procedimentos, através dos quais as firmas multinacionais pedem indemnizações recorde, são verdadeiras armas anti-regulação. Com efeito, mesmo quando o processo não lhes é favorável, a insegurança jurídica permanece e pode revelar-se dissuasiva para os Estados.
Por vezes, são as políticas sociais as atacadas. Assim, a Eslováquia foi condenada, por um tribunal arbitral, a pagar 22 milhões de euros à empresa holandesa Achmea, com base no tratado bilateral de investimento entre Bratislava e Amsterdão. Em 2006, a esquerda, de regresso ao poder, decidiu exigir às seguradoras de saúde que não distribuíssem mais dividendos. Para que conste, a Eslováquia, recusando conformar-se com a decisão do tribunal, viu, o ano passado, alguns dos seus bens serem confiscados, no Luxemburgo, alardeia a seguradora holandesa no seu site da internet.

As escolhas industriais dos países são, igualmente, contestadas. É o que se passa na Alemanha, que decidiu virar a página do nuclear. A empresa Vattenfall sueca acaba de pedir 3,7 mil milhões de euros de compensação.

Pseudo-consulta pública
Por fim, é a capacidade dos países em anular uma parte da sua dívida que é ameaçada. A Argentina foi alvo de um processo. E a Grécia está a sofrer o mesmo, neste momento. Um banco da Eslováquia, Postava, e investidores cipriotas, em nome de um acordo de investimento entre estes países, exigem ser reembolsados pelos títulos do Tesouro que foram anulados, em 2012, no seguimento de um acordo internacional com o Fundo Monetário Internacional e a União Europeia. O dossier é explosivo e a Comissão sabe. Por isso, suspendeu as negociações neste capítulo do acordo transatlântico, em Janeiro, e lançou uma pseudo-consulta pública sobre o assunto... que lhe permitirá retomar as negociações logo após as eleições europeias.

Antes da redacção do mandato de negociação, em 14 de Junho, o Parlamento francês havia exigido, explicitamente, uma resolução em “que seja excluído o mandato de recurso a um mecanismo específico de regulação dos diferendos”. Estes mecanismos farão a fortuna dos escritórios de advogados especializados e, também, das empresas encarregadas de fazer a lei.
No fim do ano passado, o Centro Internacional para a Regulação de Diferendos relativos aos investimentos (CIRDI) tinha registado 459 queixas, desde 1972. Este número está a aumentar. Não eram mais que 3 por ano, em 1996. Foram 50, em 2012 e 40, em 2013.

______________

[1] A fracturação hidráulica consiste em injectar, sob forte pressão, uma mistura de água, produtos químicos e areia a fim de partir a rocha e provocar a libertação dos hidrocarbonetos. Este tipo de exploração de gás e petróleo implica a perfuração de numerosos poços, já que a capacidade se esgota numa dezena de anos. Requere, ainda, um grande consumo de água e provoca a descarga de grande quantidade de resíduos líquidos tóxicos, bem como de um gás com efeito de estufa, o metano. [NT]

O original encontra-se em http://www.humanite.fr/telecharger-lhumanite-speciale-revelations-des-dangers-du-traite-transatlantique-528708


 

Sem comentários:

Enviar um comentário