BES contrata
Deutsche Bank como conselheiro financeiro
Lusa 22 Jul,
2014, 18:32
O Banco Espírito Santo (BES)
contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro especializado, com o
objetivo de avaliar a potencial otimização da estrutura do seu balanço, segundo
um comunicado hoje enviado ao supervisor do mercado português.
"O BES informa que a sua comissão executiva
contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro para avaliar a potencial
otimização da estrutura do seu balanço", lê-se no documento disponível no
portal da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
A intenção de contratar uma instituição financeira
internacional para funcionar como conselheira da comissão executiva liderada
por Vítor Bento já tinha sido anunciada na segunda-feira, mas só hoje foi
revelado o nome da entidade escolhida, o alemão Deutsche Bank.
Nas últimas semanas, foram sendo tornados públicos
vários problemas em empresas da área não financeira do Grupo Espírito Santo
(GES), que têm levantado receios de contágio ao BES, cuja gestão acabou de
mudar de mãos.
O novo presidente executivo do BES, Vítor Bento, que
substituiu o líder histórico Ricardo Salgado, disse a 14 de julho, dia em que
entrou em funções, que a prioridade no banco é "reconquistar a confiança
dos mercados" e pôr fim à especulação.
O Banco de Portugal já veio várias vezes a público
garantir a solidez financeira do BES, e o primeiro-ministro, Pedro Passos
Coelho, também já tranquilizou os depositantes do banco.
Depois desta notícia nos informar sobre os
préstimos de aconselhamento do Deutsche Bank, concluímos que o cozinhado que se
prepara, em segredo, no ex-BES, só pode ser indigesto, começando mesmo a
cheirar a esturro quando se levanta um pouco a tampa (que o digam os pequenos
depositantes enganados na compra de acções ou papel comercial tóxico).
Mas vejamos a razão por que o banco alemão é
chamado para “reconquistar a confiança dos mercados e pôr fim à especulação”:
- Em Espanha, o regulador da banca aplicou uma
multa ao Deutsche Bank (600 mil euros) por ter comercializado produtos
financeiros (lixo tóxico) sem conhecimento dos clientes.
- Na Alemanha, foi alvo de rusga por evasão
fiscal e denunciado por ocultar perdas.
- Nos EUA, tem um processo por lavagem de
dinheiro.
- Em Itália, “ajudou” o Banco Monti dei Paschi a
esconder avultadas perdas.
- Juntamente com outros, manipulou as taxas da
Euribor e da Libor.
E muito, muito mais, que o Professor Vicenç
Navarro nos conta no artigo que se segue.
O centro da banca alemã e
europeia: o Deutsche Bank
Por
Vivenç Navarro*
Um dos exemplos mais claros da continuidade do
poder financeiro ao longo das mudanças políticas substanciais, na Europa e em
Espanha, é o caso do Deutsche Bank, um dos seis bancos mais importantes do
mundo e um dos mais influentes na Europa. A sua sede está ao lado do Banco
Central Alemão (o Bundesbank) que, por sua vez, está ao lado do Banco Central
Europeu, o eixo do sistema financeiro europeu, cujo comportamento contribuiu,
em grande medida, para gerar e manter a enorme crise financeira e económica europeia,
que foi particularmente prejudicial para o bem-estar das classes populares de
Espanha. Olhe-se como se olhar, o Deutsche Bank teve um papel chave no gerar da
grande recessão na Zona Euro, Espanha incluída. É, por isso, importante
conhecer as suas origens e a sua história, que adquire especial relevo durante
o período de governo do nazismo na Alemanha.
O Deutsche Bank foi o banco pessoal de Hitler,
tendo um papel chave no desenvolvimento das políticas nazis, das quais
beneficiou largamente. A sua grande riqueza derivou, em parte, da confiscação
das propriedades, tanto alemãs como estrangeiras, que o Estado nazi alemão
realizou durante a sua expansão para o resto da Europa. Esta realidade,
ocultada durante muito tempo, está a ser documentada em julgamentos que as
vítimas (muitas delas judias) estão a ganhar na tentativa de recuperar as suas
propriedades. Com a colaboração da Gestapo e das SS, o Deutsche Bank arrecadou,
nas suas arcas, dinheiro, jóias, quadros e outras propriedades das populações
vitimizadas pelo nazismo, que incluíam, além de judeus, outros grupos étnicos e
políticos (como comunistas, socialistas e anarquistas), que o nazismo desejava
eliminar nos territórios conquistados. É surpreendente que só há relativamente
pouco tempo se tenha documentado este enorme latrocínio. O caso mais conhecido
é o do Congresso Mundial Judeu, que reclamou, num tribunal de Nova Iorque, a
compensação para as vítimas judias. Entre estas vítimas estão populações
gaseadas nos campos de extermínio de Auschwitz, campos também financiados pelo
próprio Deutsche Bank (John Schmitt, “Deutsche Bank Linked to Auschwitz
Funding”, The New York Times,
05.02.1999). A estas denúncias seguiram-se outras, levando o Deutsche Bank aos
tribunais, na tentativa de recuperar os fundos e/ou obter uma compensação para
as vítimas.
Em Espanha, este banco apoiou, tanto o golpe
militar do General Franco, como as ajudas militares do governo nazi a Espanha,
obtendo generosos lucros deste financiamento. E é aí onde o Deutsche Bank teve
um papel central. À medida que os arquivos do Deutsche Bank se vão abrindo,
vai-se descobrindo (meio século mais tarde) o papel central que o dito banco
teve no desenvolvimento do Nazismo e seus aliados, o fascismo italiano e o
espanhol. Não houve nenhuma tentativa de recuperar o dinheiro roubado a
espanhóis, judeus e/ou republicanos, expropriados pelo nazismo ou pelo fascismo
em Espanha, contrariamente ao que ocorreu na própria Alemanha, nos países do
Leste da Europa e em Itália. A cumplicidade das autoridades espanholas neste
esquecimento histórico é um indicador mais da baixa qualidade da democracia
espanhola.
O Deutsche Bank gerador da crise actual
O Deutsche Bank, que foi dividido em várias
componentes depois da 2ª Guerra Mundial, apareceu, de novo, unido e com grande
esplendor, expandindo-se rapidamente pela Europa e pelos EUA, adquirindo outros
bancos, com práticas consideradas desapropriadas, inclusive pela imprensa
financeira como o Wall Street Journal, o que, considerando a enorme tolerância
deste jornal para com comportamentos claramente desonestos, quando não
criminosos, da banca, é todo um feito digno de sublinhar. O Deutsche Bank, por
exemplo, desempenhou um papel chave no escândalo Enron, quando esta companhia
ocultou enormes perdas que causaram a miséria de milhões de cidadãos
estado-unidenses. O Deutsche Bank foi também um dos bancos que mais promoveu as
hipotecas lixo nos EUA (e, provavelmente, em Espanha), com conhecimento e
consciência clara das consequências tão negativas para a população afectada. Na
realidade, o Comité do Senado dos EUA, que analisou as causas da crise
financeira iniciada em 2007, assinalou o Deutsche Bank como um dos bancos que mais
contribuíram para gerar, mediante práticas especulativas, a bolha imobiliária,
naquele país, e a sua explosão, criando a maior crise financeira desde
princípios do século XX (quando teve lugar a Grande Depressão). Não houve um
estudo semelhante no Senado ou na Câmara Baixa espanhola. Se tivesse havido, o
Deutsche Bank teria saído, também, muito mal parado. Este banco fez
investimentos no valor de 12.000 milhões de euros, muitos especulativos, em
Espanha (18.000 milhões, em Itália), tendo sido, igualmente, uma das
instituições financeiras mais responsáveis pela crise financeira em Espanha.
A explosão da bolha imobiliária nos EUA criou uma
situação de pânico, pois o Deutsche Bank julgou que poderia afectar os seus
interesses. Daí que paralisasse qualquer transacção com outros países,
incluindo Espanha, o que determinou a explosão da bolha imobiliária. Pois bem,
o Deutsche Bank quer recuperar o seu dinheiro em Espanha. Por isso, através da
sua influência no governo e Parlamento alemães, estas instituições aprovaram um
empréstimo de 100.000 milhões de euros para que o Estado espanhol resgatasse a
banca, incluindo o Deutsche Bank. E um dos objectivos dos cortes é o de pagar
ao Deutsche Bank, entre outros.
O Deutsche Bank está espalhado por todo o mundo,
financiando algumas das maiores violações dos direitos humanos que ocorreram
nos últimos anos. Financiou, por exemplo, a empresa mineira AngloGold Ashandi e
as suas forças mercenárias (FNI), responsáveis por crimes contra a humanidade
na República do Congo. No Sudão, o banco financiou várias empresas petrolíferas
responsáveis pelos horrores de Darfur. Na Indonésia, financiou a empresa
mineira de ouro e cobre Freeport-McMoRan, conhecida por ter destruído regiões
inteiras do país, com contaminação de rios e mananciais, sendo, além disso, uma
das maiores accionistas de empresas produtoras de bombas atómicas e urânio.
A Zona Euro está a entrar na terceira recessão
(ver o meu artigo “Recuperação? Estamos a entrar na terceira recessão”, Público, 26.08.14 [N.T]). Mas, para a
Banca, a situação está a ir muito bem. E o Deutsche Bank não é uma excepção.
Segundo a BBC, os lucros deste ano subiram 87% em relação ao ano anterior, com
a ninharia de 3.200 milhões de euros. Mas, ao mesmo tempo, continua a despedir
os seus empregados, tendo-o já feito com 6.400. Como indicou Reinhard
Butikofer, dirigente do Partido Verde Alemão, “é incompreensível para mim que o
Deutsch Bank, um dos bancos com mais lucros, actue tão cinicamente, destruindo
postos de trabalho, contribuindo para o elevado desemprego na Alemanha”.
Conhecendo a sua história, não teria que ser tão incompreensível. É assim que
se comportam os que, na prática, governaram e continuam a governar na Europa de
hoje.
_________
[N.T.]
A tradução do artigo referido pode ser lida em www.esquerda.net
Texto
original publicado em 28/08/2014, no www.publico.es
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