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terça-feira, 9 de setembro de 2014


BES contrata Deutsche Bank como conselheiro financeiro

Lusa 22 Jul, 2014, 18:32

O Banco Espírito Santo (BES) contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro especializado, com o objetivo de avaliar a potencial otimização da estrutura do seu balanço, segundo um comunicado hoje enviado ao supervisor do mercado português.

"O BES informa que a sua comissão executiva contratou o Deutsche Bank como conselheiro financeiro para avaliar a potencial otimização da estrutura do seu balanço", lê-se no documento disponível no portal da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

A intenção de contratar uma instituição financeira internacional para funcionar como conselheira da comissão executiva liderada por Vítor Bento já tinha sido anunciada na segunda-feira, mas só hoje foi revelado o nome da entidade escolhida, o alemão Deutsche Bank.

Nas últimas semanas, foram sendo tornados públicos vários problemas em empresas da área não financeira do Grupo Espírito Santo (GES), que têm levantado receios de contágio ao BES, cuja gestão acabou de mudar de mãos.

O novo presidente executivo do BES, Vítor Bento, que substituiu o líder histórico Ricardo Salgado, disse a 14 de julho, dia em que entrou em funções, que a prioridade no banco é "reconquistar a confiança dos mercados" e pôr fim à especulação.

O Banco de Portugal já veio várias vezes a público garantir a solidez financeira do BES, e o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, também já tranquilizou os depositantes do banco.


 
Depois desta notícia nos informar sobre os préstimos de aconselhamento do Deutsche Bank, concluímos que o cozinhado que se prepara, em segredo, no ex-BES, só pode ser indigesto, começando mesmo a cheirar a esturro quando se levanta um pouco a tampa (que o digam os pequenos depositantes enganados na compra de acções ou papel comercial tóxico).
Mas vejamos a razão por que o banco alemão é chamado para “reconquistar a confiança dos mercados e pôr fim à especulação”:

- Em Espanha, o regulador da banca aplicou uma multa ao Deutsche Bank (600 mil euros) por ter comercializado produtos financeiros (lixo tóxico) sem conhecimento dos clientes.
- Na Alemanha, foi alvo de rusga por evasão fiscal e denunciado por ocultar perdas.

- Nos EUA, tem um processo por lavagem de dinheiro.
- Em Itália, “ajudou” o Banco Monti dei Paschi a esconder avultadas perdas.

- Juntamente com outros, manipulou as taxas da Euribor e da Libor.
E muito, muito mais, que o Professor Vicenç Navarro nos conta no artigo que se segue.

 
 
O centro da banca alemã e europeia: o Deutsche Bank

Por Vivenç Navarro*

Um dos exemplos mais claros da continuidade do poder financeiro ao longo das mudanças políticas substanciais, na Europa e em Espanha, é o caso do Deutsche Bank, um dos seis bancos mais importantes do mundo e um dos mais influentes na Europa. A sua sede está ao lado do Banco Central Alemão (o Bundesbank) que, por sua vez, está ao lado do Banco Central Europeu, o eixo do sistema financeiro europeu, cujo comportamento contribuiu, em grande medida, para gerar e manter a enorme crise financeira e económica europeia, que foi particularmente prejudicial para o bem-estar das classes populares de Espanha. Olhe-se como se olhar, o Deutsche Bank teve um papel chave no gerar da grande recessão na Zona Euro, Espanha incluída. É, por isso, importante conhecer as suas origens e a sua história, que adquire especial relevo durante o período de governo do nazismo na Alemanha.
O Deutsche Bank foi o banco pessoal de Hitler, tendo um papel chave no desenvolvimento das políticas nazis, das quais beneficiou largamente. A sua grande riqueza derivou, em parte, da confiscação das propriedades, tanto alemãs como estrangeiras, que o Estado nazi alemão realizou durante a sua expansão para o resto da Europa. Esta realidade, ocultada durante muito tempo, está a ser documentada em julgamentos que as vítimas (muitas delas judias) estão a ganhar na tentativa de recuperar as suas propriedades. Com a colaboração da Gestapo e das SS, o Deutsche Bank arrecadou, nas suas arcas, dinheiro, jóias, quadros e outras propriedades das populações vitimizadas pelo nazismo, que incluíam, além de judeus, outros grupos étnicos e políticos (como comunistas, socialistas e anarquistas), que o nazismo desejava eliminar nos territórios conquistados. É surpreendente que só há relativamente pouco tempo se tenha documentado este enorme latrocínio. O caso mais conhecido é o do Congresso Mundial Judeu, que reclamou, num tribunal de Nova Iorque, a compensação para as vítimas judias. Entre estas vítimas estão populações gaseadas nos campos de extermínio de Auschwitz, campos também financiados pelo próprio Deutsche Bank (John Schmitt, “Deutsche Bank Linked to Auschwitz Funding”, The New York Times, 05.02.1999). A estas denúncias seguiram-se outras, levando o Deutsche Bank aos tribunais, na tentativa de recuperar os fundos e/ou obter uma compensação para as vítimas.

Em Espanha, este banco apoiou, tanto o golpe militar do General Franco, como as ajudas militares do governo nazi a Espanha, obtendo generosos lucros deste financiamento. E é aí onde o Deutsche Bank teve um papel central. À medida que os arquivos do Deutsche Bank se vão abrindo, vai-se descobrindo (meio século mais tarde) o papel central que o dito banco teve no desenvolvimento do Nazismo e seus aliados, o fascismo italiano e o espanhol. Não houve nenhuma tentativa de recuperar o dinheiro roubado a espanhóis, judeus e/ou republicanos, expropriados pelo nazismo ou pelo fascismo em Espanha, contrariamente ao que ocorreu na própria Alemanha, nos países do Leste da Europa e em Itália. A cumplicidade das autoridades espanholas neste esquecimento histórico é um indicador mais da baixa qualidade da democracia espanhola.

O Deutsche Bank gerador da crise actual
O Deutsche Bank, que foi dividido em várias componentes depois da 2ª Guerra Mundial, apareceu, de novo, unido e com grande esplendor, expandindo-se rapidamente pela Europa e pelos EUA, adquirindo outros bancos, com práticas consideradas desapropriadas, inclusive pela imprensa financeira como o Wall Street Journal, o que, considerando a enorme tolerância deste jornal para com comportamentos claramente desonestos, quando não criminosos, da banca, é todo um feito digno de sublinhar. O Deutsche Bank, por exemplo, desempenhou um papel chave no escândalo Enron, quando esta companhia ocultou enormes perdas que causaram a miséria de milhões de cidadãos estado-unidenses. O Deutsche Bank foi também um dos bancos que mais promoveu as hipotecas lixo nos EUA (e, provavelmente, em Espanha), com conhecimento e consciência clara das consequências tão negativas para a população afectada. Na realidade, o Comité do Senado dos EUA, que analisou as causas da crise financeira iniciada em 2007, assinalou o Deutsche Bank como um dos bancos que mais contribuíram para gerar, mediante práticas especulativas, a bolha imobiliária, naquele país, e a sua explosão, criando a maior crise financeira desde princípios do século XX (quando teve lugar a Grande Depressão). Não houve um estudo semelhante no Senado ou na Câmara Baixa espanhola. Se tivesse havido, o Deutsche Bank teria saído, também, muito mal parado. Este banco fez investimentos no valor de 12.000 milhões de euros, muitos especulativos, em Espanha (18.000 milhões, em Itália), tendo sido, igualmente, uma das instituições financeiras mais responsáveis pela crise financeira em Espanha.

A explosão da bolha imobiliária nos EUA criou uma situação de pânico, pois o Deutsche Bank julgou que poderia afectar os seus interesses. Daí que paralisasse qualquer transacção com outros países, incluindo Espanha, o que determinou a explosão da bolha imobiliária. Pois bem, o Deutsche Bank quer recuperar o seu dinheiro em Espanha. Por isso, através da sua influência no governo e Parlamento alemães, estas instituições aprovaram um empréstimo de 100.000 milhões de euros para que o Estado espanhol resgatasse a banca, incluindo o Deutsche Bank. E um dos objectivos dos cortes é o de pagar ao Deutsche Bank, entre outros.
O Deutsche Bank está espalhado por todo o mundo, financiando algumas das maiores violações dos direitos humanos que ocorreram nos últimos anos. Financiou, por exemplo, a empresa mineira AngloGold Ashandi e as suas forças mercenárias (FNI), responsáveis por crimes contra a humanidade na República do Congo. No Sudão, o banco financiou várias empresas petrolíferas responsáveis pelos horrores de Darfur. Na Indonésia, financiou a empresa mineira de ouro e cobre Freeport-McMoRan, conhecida por ter destruído regiões inteiras do país, com contaminação de rios e mananciais, sendo, além disso, uma das maiores accionistas de empresas produtoras de bombas atómicas e urânio.

A Zona Euro está a entrar na terceira recessão (ver o meu artigo “Recuperação? Estamos a entrar na terceira recessão”, Público, 26.08.14 [N.T]). Mas, para a Banca, a situação está a ir muito bem. E o Deutsche Bank não é uma excepção. Segundo a BBC, os lucros deste ano subiram 87% em relação ao ano anterior, com a ninharia de 3.200 milhões de euros. Mas, ao mesmo tempo, continua a despedir os seus empregados, tendo-o já feito com 6.400. Como indicou Reinhard Butikofer, dirigente do Partido Verde Alemão, “é incompreensível para mim que o Deutsch Bank, um dos bancos com mais lucros, actue tão cinicamente, destruindo postos de trabalho, contribuindo para o elevado desemprego na Alemanha”. Conhecendo a sua história, não teria que ser tão incompreensível. É assim que se comportam os que, na prática, governaram e continuam a governar na Europa de hoje.
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[N.T.] A tradução do artigo referido pode ser lida em www.esquerda.net   

Texto original publicado em 28/08/2014, no www.publico.es

 *Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.
 

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