MITOS SOBRE A GRÉCIA E
SOBRE A EUROPA
Por Vicenç
Navarro*
O pensamento económico dominante, que não é outro senão o
neoliberalismo, tem a sua própria argumentação, que utiliza constantemente,
para criar estados de espírito que façam mais toleráveis e aceitáveis as suas
propostas, que implicam sempre sacrifícios para as classes populares.
Esta argumentação repete-se através dos maiores meios de
informação e persuasão, convertendo-se na sabedoria convencional do país. Isto
é, as “obviedades” promovidas pelo pensamento económico dominante aceitam-se
sem discussão, marginando os autores que as questionam. Estas “obviedades” são
repetidas milhares de vezes por economistas mediáticos, que tentam ressumar
segurança, querendo aparentar competência.
Em cada uma destas obviedades, a evidência que as avaliza é
muito escassa, quando não praticamente nula. Na realidade, tal evidência
(facilmente acessível, por certo) mostra a sua falsidade. Vejamos algumas
delas, olhando, primeiro, para o que a sabedoria convencional diz e
contrastando-o, depois, com a evidência que a contradiz.
Primeira suposta obviedade: O problema da Eurozona é o de lhe faltar liderança. Não há uma figura
ou um poder político que lidere o dito projecto. Posso citar-lhe um largo
número de “gurus mediáticos” que, em tom grave, avançam com esta falta de
liderança como um problema importante. Qualquer analista das políticas públicas
que estão a ser aplicadas pela maioria das instituições europeias (o Conselho
Europeu, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu), assim como pelos
governos da Eurozona, observará uma grande coincidência na maioria delas,
sobressaindo as políticas de cortes da despesa pública (aquilo a que
popularmente se chama “os cortes”) e de reformas estruturais encaminhadas a
baixar os salários. E dirigindo todas elas está o governo alemão, dirigido pela
Sra. Merkel, que lidera as políticas públicas da Eurozona. Apesar da enorme
evidência de que estas políticas estão a causar um enorme mal às classes
populares, elas estão a ser levadas a cabo sob a supervisão e o mandato do
governo Merkel. Que mais é preciso para se ver que existe tal liderança? Nem um
único país se rebelou contra estas políticas, por muito que, de vez em quando,
apareçam vozes tímidas de protesto.
Segunda suposta obviedade: As políticas “irresponsáveis” dos países periféricos da Eurozona (os
chamados PIGS) estão a levar a Eurozona a um desastre, abrindo a
possibilidade de o euro colapsar. O leitor recordar-se-á de que o colapso do
euro foi, durante estes últimos anos, um temor promovido pelos economistas
neoliberais (e seus aliados, os economistas socioliberais) que, constantemente,
alertavam para que, a não ser que os países periféricos actuassem com mais
responsabilidade (isto é, que se cortasse mais e mais despesa pública e se
baixasse mais e mais os salários), o euro cairia. De novo, posso citar-lhes
numerosos gurus mediáticos, que estavam já calculando o dia e hora em que o
euro cairia.
Pois bem, o euro não caiu, nem sequer esteve em perigo de
cair, como afirmei, no meio da histeria do suposto colapso (ver “Causas y
consecuencias del euro”, Público, 26.07.12). E a causa de que não havia nenhum
perigo de que caísse era muito fácil de ver. Ao capital financeiro alemão, o
eixo do poder financeiro (e político) europeu, vai-lhe muito, mas muito bem a
continuidade do euro, com este desequilíbrio de forças dentro da Eurozona. Na
realidade, não lhe podia ir melhor. Estava criando um fluxo de dinheiro, da
periferia para o centro, que beneficiava o establishment financeiro e económico
alemão. O euro, longe de estar a morrer, tinha uma saúde muito robusta.
Terceira obviedade: A
vitória do Syriza, na Grécia, poderia levar a que a Grécia fosse expulsa da
Eurozona. O programa do Syriza, que ameaça com a reestruturação da dívida
e, inclusive, a impugnação de uma componente dela, causará a sua expulsão.
Isto, você tê-lo-á lido, nos maiores meios, milhares de vezes, estes dias.
Todos os gurus mediáticos, incluindo o guru do El País, o Sr. J. C. Diez, têm
estado vaticinando-o. E as vozes conservadoras e neoliberais (incluindo
socioliberais), que dominam as tertúlias, estão, agora, augurando que a Grécia
acabará por ser expulsa. E , como prova disso, remetem-se às declarações do
Ministro das Finanças alemão, de porta-vozes do FMI e de um largo número de
porta-vozes da sabedoria convencional. É o novo dogma mediático e político.
Pois bem, asseguro-vos que a última coisa que a banca alemã
deseja é que a Grécia saia do euro. E se não, esperem para ver. E a causa de
que não porão a Grécia fora da Eurozona é que, se isso acontecesse, a banca
alemã teria um enorme problema. A Alemanha tem 700.000 milhões de euros
investidos nos PIGS, Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha (200.000 milhões,
neste último). Isto é muito dinheiro. Se a Grécia for expulsa, é lógico que a
Grécia não pague a dívida. E quem teria, então, um grave problema não seria a
Grécia, mas a Alemanha. Na realidade, todo o resgate à banca espanhola (para o
qual a EU ofereceu 100.000 milhões de euros) era para pagar a dívida à banca
alemã (como assim constou nos discursos, no Parlamento alemão, no momento em
que havia que aprovar tais fundos).
A vitória do Syriza significaria um passo para redefinir a
dinâmica Sul / Norte, dentro da Eurozona, o que implicaria, por definição,
redefinir as relações de poder dentro da Eurozona. Na realidade, Grécia e
Espanha têm mais poder do que coragem para o utilizar. E o poder está em que
devem muitíssimo dinheiro à Alemanha, que este país não pode perder, o que
aconteceria se estes países não pagassem. Se o senhor, leitor, deve 100.000
euros a um banco e não os pode pagar, o senhor tem um problema. Mas, se dever
100.000 milhões ao banco e não puder pagá-los, o banco tem um grande problema.
E a Alemanha é plenamente consciente disso. Não é de estranhar que, agora,
todos os neoliberaios e socioliberais se mobilizaram para que Syriza não ganhe.
E utilizarão todo o tipo de argumentos. Mas isso faz parte de uma narrativa
que, como alguns temos denunciado, carece de credibilidade. Claro como água.
* Catedrático de Ciências
Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi
Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona
O texto original encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11653
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