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quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


Alemanha

Pobreza, negócios e ensaio repressivo

Uma em cada cinco crianças alemãs encontra-se em risco ou em situação de pobreza. No Leste do país, a percentagem ascende a 23,6 por cento, enquanto que no Ocidente a taxa estimada é de 17,4 por cento, de acordo com uma pesquisa elaborada pelo Instituto de Economia e Ciências Sociais da Fundação Hans Boeckler. Os dados, citados pela Prensa Latina, indicam também que o flagelo é particularmente grave em regiões como a Renânia do Norte-Vestefália, onde, afirma-se, o risco cresceu com o processo de desindustrialização dos últimos anos.
A par dos sinais de empobrecimento, na Alemanha acumulam-se os exemplos de negócios ruinosos para o Estado em obras públicas. Segundo o levantamento efectuado pelo correspondente do La Vanguardia em Berlim, Rafael Poch, esse é o caso do novo aeroporto da capital alemã, cujo custo final poucos arriscam calcular. Diz-se que a infra-estrutura já terá consumido pelo menos 5300 milhões de euros, mais do dobro do orçamento inicial. A data de inauguração ninguém adianta, isto depois de adiamentos em 2012, 2013, e, agora, disse o presidente da câmara berlinense, igualmente em 2014.

Caro e ainda inútil é o novo aeroporto de Kassel-Calden, que desde Outubro não teve nenhum passageiro, nota o jornalista, sustentando que 270 milhões de euros (quatro vezes o valor de partida) foram gastos numa plataforma sem futuro à vista, uma vez que se situa próxima dos aeroportos de Frankfurt e Hannover.
Poch refere ainda outros exemplos semelhantes na mais poderosa economia da UE e promotora severa das políticas de «austeridade», tais como a estação ferroviária de Estugarda, as óperas de Elba-Hamburgo e Berlim, ou o túnel ferroviário de Leipzig (custo inicial de 572 milhões e custo final de 960 milhões), sugerindo uma tendência.


«Ensaio» em Hamburgo
 Negócios – imobiliários, mais precisamente –, é o que está na base da situação de excepção que nas últimas semanas se tem vivido no centro histórico de Hamburgo. Protestos e confrontos com a polícia de choque sucedem-se nos bairros históricos de Schanzenviertel e Sankt Pauli. No primeiro, está em causa o despejo de um centro social, o Rote Flora, que funciona desde 1989 num antigo teatro público. Em 2001, o edifício foi vendido por 190 mil euros a um privado, que estima em 20 milhões de euros o valor do imóvel e pretende rentabilizá-lo.

Já em Sankt Pauli, a discórdia brotou quando cerca de uma centena de apartamentos foram evacuados devido ao perigo de colapso. Os inquilinos testemunham que o estado dos imóveis não justifica rendas mensais até 930 euros. O proprietário e o governo da cidade defendem a demolição, mas os locatários querem a requalificação dos edifícios temendo que o novo projecto imobiliário os exclua.
Com 10 por cento dos mais ricos a controlarem 65 por cento da riqueza criada na metrópole, 13 por cento da população dependente de subsídios públicos (entre os quais milhares de pensionistas), 23 por cento de crianças na pobreza – cifra que ascende a 50 por cento nos bairros mais deprimidos –, e uma taxa oficial de desemprego de 7,3 por cento, Hamburgo é um caldeirão em ebulição.

A 3 de Janeiro, o governo municipal decretou o estado de excepção nas chamadas zonas de conflito. Justificou a medida com a proliferação dos protestos e atribuindo o ataque a uma esquadra da polícia aos manifestantes. O prestigiado semanário Der Spiegel desmentiu a acusação, o que adensou a ira de milhares de habitantes do centro histórico, que se vêem impedidos de se movimentarem ao abrigo de uma lei praticamente só usada em partidas de futebol de alto risco ou em operações de apreensão de droga.
Desde a implementação da «flexibilização do mercado de trabalho», em 2002, pelo governo de Gehrard Scroeder, até à actualidade, com Angela Merkel a iniciar um terceiro mandato, o número de alemães que sobrevivem com 450 euros por mês cresceu para oito milhões. Os bancos alimentares quase triplicaram no mesmo período, passando de 310 para 960.

Especula-se que a repressão em Hamburgo seja um ensaio para respostas musculadas do poder face ao previsível aumento da contestação social.

 In Avante!, 23/1/2014

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