Alemanha
Pobreza, negócios e ensaio repressivo
Uma em cada cinco
crianças alemãs encontra-se em risco ou em situação de pobreza. No Leste do
país, a percentagem ascende a 23,6 por cento, enquanto que no Ocidente a taxa
estimada é de 17,4 por cento, de acordo com uma pesquisa elaborada pelo
Instituto de Economia e Ciências Sociais da Fundação Hans Boeckler. Os dados,
citados pela Prensa Latina, indicam também que o flagelo é particularmente
grave em regiões como a Renânia do Norte-Vestefália, onde, afirma-se, o risco
cresceu com o processo de desindustrialização dos últimos anos.
A par dos sinais de
empobrecimento, na Alemanha acumulam-se os exemplos de negócios ruinosos para o
Estado em obras públicas. Segundo o levantamento efectuado pelo correspondente
do La Vanguardia em Berlim, Rafael Poch, esse é o caso do novo aeroporto da
capital alemã, cujo custo final poucos arriscam calcular. Diz-se que a
infra-estrutura já terá consumido pelo menos 5300 milhões de euros, mais do
dobro do orçamento inicial. A data de inauguração ninguém adianta, isto depois
de adiamentos em 2012, 2013, e, agora, disse o presidente da câmara berlinense,
igualmente em 2014.
Caro e ainda inútil é o
novo aeroporto de Kassel-Calden, que desde Outubro não teve nenhum passageiro,
nota o jornalista, sustentando que 270 milhões de euros (quatro vezes o valor
de partida) foram gastos numa plataforma sem futuro à vista, uma vez que se
situa próxima dos aeroportos de Frankfurt e Hannover.
Poch refere ainda outros
exemplos semelhantes na mais poderosa economia da UE e promotora severa das
políticas de «austeridade», tais como a estação ferroviária de Estugarda, as
óperas de Elba-Hamburgo e Berlim, ou o túnel ferroviário de Leipzig (custo
inicial de 572 milhões e custo final de 960 milhões), sugerindo uma tendência.
«Ensaio» em Hamburgo
Negócios – imobiliários,
mais precisamente –, é o que está na base da situação de excepção que nas
últimas semanas se tem vivido no centro histórico de Hamburgo. Protestos e
confrontos com a polícia de choque sucedem-se nos bairros históricos de
Schanzenviertel e Sankt Pauli. No primeiro, está em causa o despejo de um
centro social, o Rote Flora, que funciona desde 1989 num antigo teatro público.
Em 2001, o edifício foi vendido por 190 mil euros a um privado, que estima em
20 milhões de euros o valor do imóvel e pretende rentabilizá-lo.
Já em Sankt Pauli, a
discórdia brotou quando cerca de uma centena de apartamentos foram evacuados
devido ao perigo de colapso. Os inquilinos testemunham que o estado dos imóveis
não justifica rendas mensais até 930 euros. O proprietário e o governo da
cidade defendem a demolição, mas os locatários querem a requalificação dos
edifícios temendo que o novo projecto imobiliário os exclua.
Com 10 por cento dos
mais ricos a controlarem 65 por cento da riqueza criada na metrópole, 13 por
cento da população dependente de subsídios públicos (entre os quais milhares de
pensionistas), 23 por cento de crianças na pobreza – cifra que ascende a 50 por
cento nos bairros mais deprimidos –, e uma taxa oficial de desemprego de 7,3
por cento, Hamburgo é um caldeirão em ebulição.
A 3 de Janeiro, o
governo municipal decretou o estado de excepção nas chamadas zonas de conflito.
Justificou a medida com a proliferação dos protestos e atribuindo o ataque a
uma esquadra da polícia aos manifestantes. O prestigiado semanário Der Spiegel
desmentiu a acusação, o que adensou a ira de milhares de habitantes do centro
histórico, que se vêem impedidos de se movimentarem ao abrigo de uma lei
praticamente só usada em partidas de futebol de alto risco ou em operações de
apreensão de droga.
Desde a implementação da
«flexibilização do mercado de trabalho», em 2002, pelo governo de Gehrard
Scroeder, até à actualidade, com Angela Merkel a iniciar um terceiro mandato, o
número de alemães que sobrevivem com 450 euros por mês cresceu para oito
milhões. Os bancos alimentares quase triplicaram no mesmo período, passando de
310 para 960.
Especula-se que a
repressão em Hamburgo seja um ensaio para respostas musculadas do poder face ao
previsível aumento da contestação social.
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