UMA DAS MIL RAZÕES PARA ESTARMOS INDIGNADOS
Por Vicenç Navarro*
Se o leitor não se sente indignado é porque não sabe o que está a acontecer
no seu país. É consciente, contudo, de que a situação económica e social do
país não vai bem. Na realidade, vai mesmo muito mal. O desemprego alcançou
níveis recorde, na União Europeia e em Espanha. E as agências internacionais
mais fiáveis dizem que a economía espanhola não alcançará, nos próximos vinte anos,
os níveis de desemprego que tinha antes do início da crise (sim, leu bem, vinte
anos, a partir de agora). E já que o desemprego juvenil é o dobro do geral,
estes prognósticos querem dizer que estamos a queimar o nosso futuro, pois
muitas gerações de jovens estarão numa situação desesperada, tendo sido
convertidas a inúteis .Esta situação dos jovens está a afectar, do mesmo modo
negativo, o futuro da Segurança Social, contradizendo, claramente, o famoso
argumento de que o problema das pensões é o de haver demasiados velhos e muito
poucos jovens. A falácia deste argumento fica claramente à vista com a crise
actual. O problema das pensões não é o de não haver jovens, mas o de que não há
trabalho para eles. Este é o problema que o famoso argumento catastrofista,
baseado na transição demográfica, oculta.
Esta crise foi a consequência das políticas públicas levadas a cabo por
governos sob o mandato de instituições altamente influenciadas pela banca, como
o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional.
Digo-o eu, que sou catedrático de Políticas Públicas e já vi muitos casos
antes, noutros continentes, que experimentaram crises muito semelhantes. Na
realidade, nos fins do séc. XX, a América Latina sofreu uma situação muito
parecida.
Estes bancos, que têm uma enorme influência política (muito, mas muito
marcada em Espanha, onde o governo Rajoy é um mero instrumento da banca), estão
a forçar e a impor políticas que são a causa da crise. Cito apenas um pormenor:
o governo Rajoy está a cortar e a desmantelar o Estado de bem-estar de Espanha
(o mesmo acontece, na Catalunha, com o governo de Artur Mas), cortando e
cortando gastos e emprego público, com o fim de reduzir o défice e a dívida
pública. Estes cortes contribuem para destruir emprego e diminuir a procura que
deveria estimular a economía.
Ora, apesar dos cortes, a dívida pública espanhola continua a subir e a
subir, ascendendo já a 664.000 milhões de euros (o que é muito dinheiro!). O
leitor e eu pagamos os juros desta dívida, que representa já o segundo item do
orçamento de Estado, a seguir à Segurança Social. Este dinheiro, seu e meu, vai
para os bancos que compraram esta dívida. Hoje, os bancos espanhóis têm quase
metade da dívida, 299.000 milhões (2). A pergunta a fazer é: Onde vai o banco
buscar o dinheiro para comprar a dívida? Pois veja bem, por muito que o
surpreenda vai buscá-lo aos empréstimos públicos! Todos os anos os bancos espanhóis pedem
dinheiro emprestado ao Banco Central Europeu, BCE, uma instituição pública (que,
na realidade, não funciona como banco central, mas como lobby da banca) a juros
baixíssimos, menos de 1%. O BCE empresta esse dinheiro para que os bancos o
emprestem a si, a mim, às pequenas e médias empresas, para, desse modo, se
resolver o enorme problema da falta de crédito que tem paralisado a economia.
Não sei se o leitor já tentou conseguir um empréstimo junto da banca. Se o
tentar, verá que não é fácil. E, por que razão não é fácil, se ela recebeu
tanto dinheiro do BCE?
A resposta não é difícil de perceber. Os bancos ganham muito mais dinheiro
a comprar dívida pública, com juros muito altos (que o discurso oficial explica
com o facto de o Estado necessitar oferecer esses juros para conseguir que os
bancos lhe emprestem o dinheiro), de 4%, 6%, inclusive 13%. Imagine-se o maná
que significa receberem dinheiro a menos de 1% e, com ele, comprarem bónus que
lhes rendem uma quantidade muitas vezes maior do que aquela pedida emprestada
ao BCE. Está a perceber? E saiba o leitor que os banqueiros, em Espanha, estão
entre os mais bem pagos da União Europeia. E os bancos mais importantes de
Espanha têm sido das empresas com maiores lucros. Se, depois de ter lido tudo
isto, não ficou indignado, é que não me expliquei bem.
Mas, se me fiz entender, prepare-se, então, para aumentar o seu nível de
indignação, visto que tudo isto é totalmente desnecessário. Este enorme
sofrimento, incluído o elevado desemprego, é inteiramente evitável. É, repito,
desnecessário e prejudicial, existindo única e exclusivamente para benefício,
principalmente, da banca. A solução para esta situação é extremamente fácil: o
BCE deveria emprestar o mesmo dinheiro, não à banca privada, mas aos Estados,
deixando que estes o oferecessem a si, a mim, às pequenas e médias empresas, à
mesma taxa de juro que o Estado paga pelo que recebe do BCE. Repare como é
fácil!
E o leitor perguntará: E por que é que não se faz assim? Pois, porque a
banca tem um enorme poder sobre o BCE, sobre as instituições que governam a
Zona Euro, sobre o governo espanhol e, não esqueça, sobre os meios de
informação e persuasão. E um exemplo disso é o de que este artigo que está a
ler não se publicará em nenhum dos cinco jornais mais importantes do país. Daí
que eu lhe sugira que o distribua amplamente entre os seus amigos e familiares,
porque a escassíssima democracia que temos tem que mudar e isso só começará
quando existir uma cidadania informada, que é o que não temos.
*Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, Universidade Pompeu Fabra (Barcelona, Espanha). Foi Catedrático de Economia Aplicada na Universidade de Barcelona. É professor de Políticas Públicas na Universidade Johns Hopkins (Baltimore, EUA), onde exerceu docência durante 35 anos. Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e pela Universidade Johns Hopkins. Dirige o Observatório Social de Espanha.
Os seus textos podem ser encontrados em www.vnavarro.org
(1) Onde se lê Espanha, Rajoy, Artur Mas, bancos espanhóis, leia-se,
igualmente, Portugal, Passos Coelho, Alberto João Jardim, bancos portugueses.
(2) Em Setembro de 2011, o BCP, O BES e o BPI detinham mais de metade da
dívida portuguesa. Ver Francisco
Louçã e Mariana Mortágua, A Dividadura,
Bertrand Editora, 2012
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