DOS RATOS E NENHUM HOMEM
O movimento Occupy Wall
Street generalizou a ideia de que há 1% de indivíduos que vive à custa dos
restantes 99%.
É verdade que esse 1% detém,
obscenamente, a maior parte da riqueza de um país. No entanto, para que isto
aconteça, é necessário que haja um conjunto de capatazes que, a troco de
salários milionários, zelem pela fortuna dos patrões.
São uns 9% da população, os
que exercem esta função, quer directamente nas administrações, quer em
universidades, meios de comunicação ou partidos políticos, onde reproduzem e
difundem a ideologia que convém ao 1% dominante.
Temos, assim, 10%, que, na
maioria dos países da OCDE, acumula mais de 50% do capital.
Em Portugal, caso extremo
desta desigualdade, 32 famílias detêm o equivalente a 11% do PIB, se se
considerar apenas o valor das acções, e 150 declaram, em IRS, mais de 1 milhão
de euros por ano. Segundo dados do banco suíço UBS, que englobam todas as
formas de rendimento, são 817 as pessoas cuja fortuna ultrapassa os 22,4
milhões de euros, num total de 75 mil milhões, correspondendo a metade do PIB
nacional ou ao resgate financeiro da Troika. Este mesmo banco registou, em 2013
(ano de grande empobrecimento da maioria da população), mais 85 indivíduos que
passaram a pertencer àquele grupo, assim como o aumento das fortunas já
existentes.
Estes correspondem ao 1%.
Têm nomes e apelidos, alguns sobejamente conhecidos, como Soares dos Santos,
que, descaradamente, não paga quase um cêntimo de impostos em Portugal, ou
Pinto Balsemão, o patrão dos meios de comunicação que divulgam as mentiras formatadoras
da opinião pública. A lista completa, respectivas fortunas e empresas de que
são accionistas podem ser consultadas na obra de Francisco Louçã, João Teixeira
Lopes e Jorge Costa, OS BURGUESES,
Bertrand Ed, 2014, de onde retirei a maior parte da informação apresentada
neste artigo. O estudo de Eugénio Rosa OS
GRUPOS ECONÓMICOS E O DESENVOLVIMENTO EM PORTUGAL NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO,
Lisboa, 2013, que os autores anteriores citam, tem, igualmente, enorme
interesse para perceber como aquelas fortunas foram perpetuadas, umas, e
conseguidas, outras, com os diferentes governos constitucionais da chamada
democracia, que sempre estiveram ao seu serviço e apenas ao seu serviço.
E é aqui que se encontra o
verdadeiro problema - no governo e aparelho de Estado ao mais alto nível -,
onde encontramos uma boa parte dos tais 9%, que decidem das políticas a
adoptar, invariavelmente a favor daqueles a quem servem – o 1% que lhes paga
bem, para que lhes defendam os interesses, contra a maioria do país.
Vale a pena dar alguns dados
para se ver melhor como funciona esta promiscuidade entre os políticos, que se
erigiram em casta, e o grande capital.
Entre 776 ministros e
secretários de Estado (296 do PSD, 295 do PS, 54 do CDS), dos governos
constitucionais que já tivemos, 90% passaram, logo a seguir, para as grandes
empresas, sobretudo como administradores:
- 170 para os grandes grupos
empresariais;
- 100 para o BCP, EDP e PT:
- 140 para as empresas do
PSI20 (as 20 maiores empresas, cotadas em Bolsa)
- 107 para as empresas com
contratos de Parceria Público-Privada (PPP). Aqui é de realçar dois casos dos
mais escandalosos: Joaquim Ferreira do Amaral (PSD), responsável, enquanto
ministro, pela PPP com a Lusoponte (ponte Vasco da Gama), veio a presidir este
consórcio. Sérgio Monteiro, actual secretário de Estado, escolhido por Passos Coelho
para, além de destruir o serviço de transportes públicos e privatizar os que
dão lucro, ser o responsável da negociação das PPP’s, de que foi co-autor como
representante da Caixa Geral de Depósitos.
- 7 em 18 ministros das
Obras Públicas ou Equipamento Social foram, depois, para empresas destes
sectores. Os outros seguiram diferentes vias, como António Mexia (PSD) para a
EDP ou Mário Lino (PS) para a presidência do Conselho Fiscal dos Seguros da
CGD. Um caso ilucidativo é o de Jorge Coelho, antes, funcionário da Carris e,
depois, com o que aprendeu em construção civil no governo de Guterres, passou
para a Mota-Engil.
- 14 ministros das Finanças,
dos 18 governos constitucionais, prosseguiram ou fizeram carreira na banca
privada ou em instituições financeiras (7 em 8 do PSD, 5 em 7 do PS, 1 em 2 do
CDS). Do governo de Passos Coelho, temos já Vítor Gaspar no FMI. O ministro das
Finanças do 1º governo constitucional, Medina Carreira, o impoluto, foi quem
inaugurou a dança, entrando para o Crédito Predial Português e Banco Português
de Gestão.
Há, certamente, a lastimar
alguns secretários de Estado, pois apenas 43% deles tiveram oportunidade de
entrar para os grandes grupos, empresas do PSI20 ou com PPP’s, contra 61% dos
ministros. Sempre é melhor ser ministro!
E, para muitos, a passagem
pelo governo foi o início de uma bela e lucrativa carreira, que, diga-se, havia
sido construída, com muito suor, nas fileiras dos respectivos partidos. Assim,
temos:
- 187, 1 em cada 4
indivíduos que passaram pelo governo, ganharam, pela primeira vez na vida, o
título de administrador ou de empresário.
Um dos tirocínios por que estes
videirinhos passam é o de deputado da Assembleia da República. Veja-se o caso
mais recente de Mota Pinto, do PSD, transferido directamente para o Banco
Espírito Santo. E, no Parlamento, o conflito de interesses, eufemismo de máfia,
ultrapassa o que um mínimo de decência exigiria. Segundo dados de 2013:
- 49 deputados (PS, PSD,
CDS) estão em órgãos sociais de empresas e 70 detêm participações de capital.
- 4 são elementos da
Comissão de Saúde e, ao mesmo tempo, são parte interessada neste sector, como administradores
de empresas de análises clínicas e de diagnóstico, directores e gerentes de
empresas médicas, administradores de empresas com contratos de PPP com
hospitais públicos ou consultores de uma empresa detida a 49,7% pela Associação
Nacional de Farmácias. (Não é de estranhar que um destes fulanos, um tal
Menezes, filho do pai, cuspa peçonha quando confrontado).
Não é de admirar, também,
que Teresa Anjinho (CDS) e Sérgio Azevedo (PSD), accionistas de várias
empresas, tenham sido os porta-vozes da maioria parlamentar no chumbo à
proposta destas incompatibilidades.
Apenas mais dois casos
exemplificativos de como estamos a ser governados por uma máfia, agora mais
evidente que nunca:
- Adolfo Mesquita Nunes,
antes de entrar para o governo, integrava a comissão parlamentar a monitorizar
o programa da Troika que, como todos sabemos, exige a privatização das empresas
património do Estado, como a EDP ou a REN. Pois este indivíduo era consultor do
escritório de advogados que, com honorários elevadíssimos, pagos por todos nós,
assessorou a passagem daquelas empresas para mãos privadas.
- Eis um nome de que se tem
falado mais, nestes últimos dias – João Moreira Rato, indigitado para a “nova”
administração do BES, a fim de tentar disfarçar o roubo cometido no grupo
Espírito Santo. Nomeado por Vítor Gaspar para a Agência de Gestão da Tesouraria
e da Dívida Pública, decidiu, na última semana, vender dívida pública em
dólares (em vez de euros), o que tornará mais difícil, num futuro, qualquer
renegociação dessa dívida. Este Rato, conselheiro privilegiado do Coelho, tem
um currículo assinalável: depois de uma graduação em Finanças no berço dos
Chicago Boys, a universidade de Chicago de Milton Friedman (o pai do
ultraliberalismo e conselheiro de Pinochet), foi director executivo da Morgan
Stanley, com a responsabilidade de soluções de mercado para a Península Ibérica,
sem desgostar, certamente, o patrão. Ganhou experiência, depois, na área dos
produtos financeiros “derivados” (mais conhecidos como tóxicos), no Lehman
Brothers, o tal que despoletou a crise financeira a nível mundial, e no Goldman
Sachs, o principal causador da crise grega, que continua a colocar os seus
funcionários nos postos chave, como o de presidente do Banco Central Europeu.
Por fim, este Rato, já bem conhecedor dos meandros da especulação, abre, em
Portugal, a Nau Capital, uma gestora
de hedge funds (fundos de
investimento especulativos sobre divisas, matérias-primas, etc., nada
regulamentados e normalmente sedeados em paraísos fiscais) em parceria com... o
grupo Espírito Santo.
Estamos, assim, a sofrer os
crimes de uma máfia, composta por um grupo de padrinhos (1%), acolitado por 9%
de esganados, capazes de destruir a vida de milhões de pessoas e vender ao
desbarato um país inteiro.
Talvez, um dia...
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