O QUE NÃO SE DISSE SOBRE O NOVO BANCO
DOS PAÍSES EMERGENTES
Por Vicenç Navarro*
A história dos desastres (e
não há outra maneira de definir as consequências da aplicação das suas
políticas) criados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é longa. Esta
instituição que, na sua configuração actual, tem o objectivo de defender os
interesses do capital financeiro (isto é, das instituições bancárias, à custa
dos interesses dos Estados, supostamente ajudados por ela, tem uma longa lista
de danos às populações dos Estados “ajudados” (e, muito particularmente, às
suas classes populares) por causa das políticas impostas às suas gentes (ver Los amos del mundo. Las armas del terrorismo
financiero, Vicenç Navarro e Juan Torres, 2012).
Um caso claro ocorreu em
1997, quando vários países asiáticos, afectados por uma crise financeira,
causada pela constante especulação dos mercados financeiros, tentaram
estabelecer o seu próprio banco, alternativo ao FMI, ao qual, dada a intenção,
chamaram Fundo Monetário Asiático. Esta tentativa foi imediatamente vetada pelo
governo federal dos EUA, concretamente pelo Ministro das Finanças (Secretary of
the Treasury), muito ligado a Wall Street, o centro bancário dos EUA. Como
consequência, tiveram que seguir as políticas impostas pelo FMI, as clássicas e
previsíveis políticas neoliberais, com reformas que afectaram profundamente o
bem-estar das populações dos Estados “assistidos”, políticas que, como agora
também acontece na Eurozona, foram ineficazes para resolver a enorme crise
económica e financeira. Na realidade, pioraram-na, como também ocorreu na
Eurozona.
Como consequência, surgiu
com maior intensidade o pedido, destes e outros países que haviam sofrido as
mesmas políticas, para sairem do FMI e estabelecer um fundo alternativo. Tais
países chegaram à conclusão de que era praticamente impossível mudar o FMI, controlado
pelos interesses financeiros estado-unidenses e seus aliados europeus,
interesses que, por certo, afectaram também negativamente o bem-estar das
populações norte-americanas e europeias. Não era, como os maiores meios de
informação sempre tentaram apresentar, um conflito entre os EUA e Europa contra
o resto do mundo, mas os interesses financeiros das instituições bancárias –
que beneficiam sectores minoritários nestes países – contra a maioria das
populações dos países com diferentes níveis de desenvolvimento económico. O que
as políticas impostas pelo FMI mostravam era que os interesses particulares das
instituições bancárias não eram os mesmos, nem tão-pouco coincidiam com os
interesses das classes populares dos países desenvolvidos, nem com os interesses
das dos países emergentes. Como é patente na enorme crise financeira que os EUA
e a União Europeia estão a sofrer, a realidade mostra que o enorme controle por
parte das instituições bancárias do FMI, do Banco Mundial e do Banco Central
Europeu (BCE) está a beneficiar interesses muito particulares, distintos e, na
realidade, opostos aos interesses gerais da maioria das populações (que são as
suas classes populares) dos países, tanto os economicamente avançados, como os
com menor desenvolvimento económico. De novo, o que está a ocorrer na Eurozona
(e, muito particularmente, na sua periferia) é um claro exemplo disso.
A
situação na Ucrânia e em 31 países “ajudados” pelo FMI
Surpreenderá o leitor que
apareça de repente, neste artigo, uma referência à Ucrânia, um país que está a
sofrer um conflito bélico de enormes consequências. Mas, a situação bélica, a
guerra civil naquele país, oculta outro desastre, criado pelo FMI. Naquele
país, as políticas neolibarais, impostas pelo FMI e o seu aliado, o BCE, estão
causando uma enorme recessão, com uma queda de nada menos que 5% do seu PIB e
com um enorme crescimento do desemprego. Na realidade, dos 41 países que estão
a receber “ajuda” do FMI, 31 sofrem uma enorme recessão, causada pelas
políticas de austeridade, impostas pelo FMI e BCE (ver o excelente artigo de
Mark Weisbrot, BRICS’ New Financial Institutions Could Break a Long-Standing
and Harmful Monopoly”, em Center for
Economic and Policy Research, 18.07.14)
Daí a urgência e necessidade
de criar instituições alternativas, como a criada pelos países emergentes BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), aberta a outros países. Os media, influenciados pelo capital
financeiro estado-unidense e europeu, tentaram minimizar a importância deste
desenvolvimento, considerando-o pouco credível. A sua credibilidade, contudo,
como instituição financeira alternativa, está avalizada, porque todos estes
países têm sistemas bancários públicos. Na realidade, um dado que, regra geral,
não se conhece é o de os países que têm tido maiores crises financeiras serem aqueles em que, no seu sistema
bancário, predomina o sector privado. Os casos claros são os EUA e a Eurozona,
sendo, inclusive, mais acentuada a da Eurozona, porque, nesta zona, o BCE não é
um banco central, mas um lóbi da banca (ver o meu artigo “El BCE, el lobby de la banca, Público, 08.12.11). Isto deixa os
Estados numa situação enormemente vulnerável, forçando-os a pagar uns juros
excessivos pela sua dívida. Daí que o aparecimento de um fundo alternativo ao
FMI possa significar um avanço considerável no intuito de romper a mordaça que
representa o FMI para todos os países, tanto os emergentes, como os chamados
países desenvolvidos.
______
O original deste artigo
encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11130
*
Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de
Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona.
É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University
(Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas
Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e
The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de
Espanha.
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