O QUE ELES ESCONDEM

quinta-feira, 31 de julho de 2014


O QUE NÃO SE DISSE SOBRE O NOVO BANCO DOS PAÍSES EMERGENTES

Por Vicenç Navarro*

A história dos desastres (e não há outra maneira de definir as consequências da aplicação das suas políticas) criados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) é longa. Esta instituição que, na sua configuração actual, tem o objectivo de defender os interesses do capital financeiro (isto é, das instituições bancárias, à custa dos interesses dos Estados, supostamente ajudados por ela, tem uma longa lista de danos às populações dos Estados “ajudados” (e, muito particularmente, às suas classes populares) por causa das políticas impostas às suas gentes (ver Los amos del mundo. Las armas del terrorismo financiero, Vicenç Navarro e Juan Torres, 2012).
Um caso claro ocorreu em 1997, quando vários países asiáticos, afectados por uma crise financeira, causada pela constante especulação dos mercados financeiros, tentaram estabelecer o seu próprio banco, alternativo ao FMI, ao qual, dada a intenção, chamaram Fundo Monetário Asiático. Esta tentativa foi imediatamente vetada pelo governo federal dos EUA, concretamente pelo Ministro das Finanças (Secretary of the Treasury), muito ligado a Wall Street, o centro bancário dos EUA. Como consequência, tiveram que seguir as políticas impostas pelo FMI, as clássicas e previsíveis políticas neoliberais, com reformas que afectaram profundamente o bem-estar das populações dos Estados “assistidos”, políticas que, como agora também acontece na Eurozona, foram ineficazes para resolver a enorme crise económica e financeira. Na realidade, pioraram-na, como também ocorreu na Eurozona.

Como consequência, surgiu com maior intensidade o pedido, destes e outros países que haviam sofrido as mesmas políticas, para sairem do FMI e estabelecer um fundo alternativo. Tais países chegaram à conclusão de que era praticamente impossível mudar o FMI, controlado pelos interesses financeiros estado-unidenses e seus aliados europeus, interesses que, por certo, afectaram também negativamente o bem-estar das populações norte-americanas e europeias. Não era, como os maiores meios de informação sempre tentaram apresentar, um conflito entre os EUA e Europa contra o resto do mundo, mas os interesses financeiros das instituições bancárias – que beneficiam sectores minoritários nestes países – contra a maioria das populações dos países com diferentes níveis de desenvolvimento económico. O que as políticas impostas pelo FMI mostravam era que os interesses particulares das instituições bancárias não eram os mesmos, nem tão-pouco coincidiam com os interesses das classes populares dos países desenvolvidos, nem com os interesses das dos países emergentes. Como é patente na enorme crise financeira que os EUA e a União Europeia estão a sofrer, a realidade mostra que o enorme controle por parte das instituições bancárias do FMI, do Banco Mundial e do Banco Central Europeu (BCE) está a beneficiar interesses muito particulares, distintos e, na realidade, opostos aos interesses gerais da maioria das populações (que são as suas classes populares) dos países, tanto os economicamente avançados, como os com menor desenvolvimento económico. De novo, o que está a ocorrer na Eurozona (e, muito particularmente, na sua periferia) é um claro exemplo disso.

A situação na Ucrânia e em 31 países “ajudados” pelo FMI
Surpreenderá o leitor que apareça de repente, neste artigo, uma referência à Ucrânia, um país que está a sofrer um conflito bélico de enormes consequências. Mas, a situação bélica, a guerra civil naquele país, oculta outro desastre, criado pelo FMI. Naquele país, as políticas neolibarais, impostas pelo FMI e o seu aliado, o BCE, estão causando uma enorme recessão, com uma queda de nada menos que 5% do seu PIB e com um enorme crescimento do desemprego. Na realidade, dos 41 países que estão a receber “ajuda” do FMI, 31 sofrem uma enorme recessão, causada pelas políticas de austeridade, impostas pelo FMI e BCE (ver o excelente artigo de Mark Weisbrot, BRICS’ New Financial Institutions Could Break a Long-Standing and Harmful Monopoly”, em Center for Economic and Policy Research, 18.07.14)

Daí a urgência e necessidade de criar instituições alternativas, como a criada pelos países emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), aberta a outros países. Os media, influenciados pelo capital financeiro estado-unidense e europeu, tentaram minimizar a importância deste desenvolvimento, considerando-o pouco credível. A sua credibilidade, contudo, como instituição financeira alternativa, está avalizada, porque todos estes países têm sistemas bancários públicos. Na realidade, um dado que, regra geral, não se conhece é o de os países que têm tido maiores crises financeiras serem aqueles em que, no seu sistema bancário, predomina o sector privado. Os casos claros são os EUA e a Eurozona, sendo, inclusive, mais acentuada a da Eurozona, porque, nesta zona, o BCE não é um banco central, mas um lóbi da banca (ver o meu artigo “El BCE, el lobby de la banca, Público, 08.12.11). Isto deixa os Estados numa situação enormemente vulnerável, forçando-os a pagar uns juros excessivos pela sua dívida. Daí que o aparecimento de um fundo alternativo ao FMI possa significar um avanço considerável no intuito de romper a mordaça que representa o FMI para todos os países, tanto os emergentes, como os chamados países desenvolvidos.
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O original deste artigo encontra-se em http://www.vnavarro.org/?p=11130 
* Catedrático de Ciências Políticas e Sociais, na Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona. Foi Catedrático de Economia Aplicada, na Universidade de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na The Johns Hopkins University (Baltimore, EUA), onde foi docente durante 35 anos. Dirige o programa Políticas Públicas e Sociais, patrocinado conjuntamente pela Universidade Pompeu Fabra e The Johns Hopkins University. Dirige, igualmente, o Observatório Social de Espanha.
 

 

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