O
artigo que se segue, do eurodeputado João Ferreira, eleito pelas listas da CDU,
desmonta a grande mentira (mais uma) apresentada por Durão Barroso e governo
português: a da "pipa de massa" de 26 mil milhões, que
Portugal receberá até 2020.
João
Ferreira dá conta dos montantes transferidos, ano após ano, para
o estrangeiro e que ultrapassam, em muito, os euros
deste "acordo de parceria" com a UE.
A
linguagem reles de Barroso, em consonância, aliás, com o personagem, monstra
que pode falar assim para um país onde a desinformação é omnipresente e a
memória muito curta. Se não, fá-lo-íamos engolir "a pipa de massa",
apresentando a agiotagem que nos impôs: 34,4 mil milhões de euros em
juros pela "ajuda" de 78 mil milhões. E que o dinheiro agora
anunciado vai direitinho para os cofres da troika, já que, a partir do próximo
ano, além dos juros, começamos a amortizar
o "empréstimo", quantias que irão num crescendo até 2021,
atingindo, só nesse ano, 20 mil milhõe de euros.
Se
juntarmos a estas somas, já de si colossais, o que se esvai do país no serviço
da restante dívida (que não pára de aumentar) e nos dividendos do capital
estrangeiro (que já controla mais de 1/4 da produção nacional, 43% das empresas
cotadas em Bolsa, metade do PSI20 e 7 das 10 principais
empresas exportadoras), que não deixam um cêntimo em Portugal, percebemos
porque há que roubar ao máximo o povo que trabalha.
Uma «pipa de massa»
Por João
Ferreira
Durão Barroso, inspirado
pelos ares da «silly season» e empenhado ele próprio em fazer da season
ainda mais silly, resolveu dar um ar de sua (consabidamente pouca) graça
ao afirmar, na passada semana, que os 26 mil milhões de euros que alegadamente
Portugal receberá da UE até 2020 são «uma pipa de massa»(sic) – que deve calar
«aqueles que dizem que a União Europeia não é solidária com Portugal».
Cumpridos dez anos de
serviço na Comissão Europeia, o mordomo das Lajes regressa às inspiradas
tiradas que fizeram dele, no dizer de sua senhora, o cherne. Encómios
familiares à parte, falemos, pois, desta «solidariedade europeia» a que alude
Barroso.
O Acordo de Parceria
assinado entre o governo português e a Comissão Europeia enquadra a utilização
dos fundos da UE por Portugal no período 2014-2020. Estamos a falar de um
envelope financeiro de cerca de 21 mil milhões de euros de «fundos estruturais
e de investimento», mais quatro mil milhões de euros para o desenvolvimento
rural e 392 milhões para as pescas. No total, perto de 26 mil milhões de euros.
Cerca de dez milhões de euros, por dia, durante sete anos. Uma valente «pipa de
massa», pois.
Quase tanta como aquela
que sairá do País (leia-se do suor e dos bolsos dos portugueses) durante o
mesmo período, com destinos diversos, incluindo os cofres da UE e de vários dos
seus países. Senão vejamos:
Durante o ano que corre
pagaremos cerca de sete mil milhões de euros em juros da dívida pública. Esta é
parte de uma dívida que cresceu, quer estrutural quer conjunturalmente, na
componente pública como na privada, à sombra das políticas da União Europeia.
Da destruição do aparelho produtivo nacional à viabilização da especulação
sobre as dívidas soberanas, passando pela amputação de determinantes parcelas
de soberania económica. Tudo ajudou. Solidariamente. O resultado: este
ano serão sete mil milhões de euros pagos de juros. Dezanove milhões de euros
por dia – uma pipa bem maior, convenhamos, do que a pipa de Barroso. Em 2015,
será mais: cerca de 22 milhões de euros por dia – o dobro da pipa de Barroso.
Ou seja, em três anos, mais coisa menos coisa, sairá do País aquilo que
supostamente a UE solidariamente para cá mandará ao longo de sete anos.
Só em juros. Mas nem só de juros se faz a sangria de recursos do País. Também
os lucros e dividendos distribuídos por empresas com forte presença de capital
estrangeiro na estrutura accionista dão uma «pipa de massa» jeitosa. E cada vez
maior, com o avanço das privatizações.
Os dados são do Banco de
Portugal: entre 2007 e 2013, período do anterior Quadro Financeiro Plurianual
da UE (em Portugal, do chamado QREN), Portugal recebeu cerca de 33 mil milhões
da UE. Uma «pipa de massa» da qual se deve descontar o que o próprio País pôs
nos cofres da UE (já que, como qualquer um dos outros 28 estados-membros,
também contribuímos para o orçamento da UE): 12,6 mil milhões. O saldo foi
positivo, portanto, em cerca de 20,7 mil milhões. Mas falamos apenas de
transferências orçamentais. Uma parte da história. Queira alguém contar a
história toda e terá de acrescentar que no que se refere aos juros, lucros e
dividendos distribuídos, entraram no País cerca de 30 mil milhões de euros
entre 2007 e 2013. E no mesmo período saíram perto de 60 mil milhões. Um saldo
negativo para Portugal (e inversamente positivo para a UE) de cerca de 29 mil
milhões de euros, que supera portanto o saldo das transferências orçamentais. Dito
de outra forma, no deve e haver das relações financeiras entre Portugal
e a UE, nos últimos sete anos já saiu mais dinheiro do que aquele que entrou no
País. Tendência que se acentuará previsivelmente nos próximos anos, por razões
diversas: por um lado, a sangria de recursos – sob a forma de juros, lucros e
dividendos que saem para o exterior – acentuar-se-á; por outro lado, o dinheiro
que vem do orçamento da UE é menos do que aquele que veio entre 2007 e 2013.
Além disso, o efectivo
recebimento da “pipa de massa” de Barroso está condicionado (de uma forma que
até aqui não acontecia) ao cumprimento de regras, ditas de «condicionalidade
macroeconómica», impostas pelas principais potências da UE – e aceites no
Parlamento Europeu pelos deputados do PSD, do CDS e do PS. Ou seja, a «pipa de
massa» efectivamente virá se e só se for escrupulosamente cumprido o cardápio
de medidas de «austeridade» a aplicar ao longo dos próximos anos.
Cardápio que assegura,
afinal de contas, que os Barrosos e Moedas de serviço tenham assegurado o
respectivo quinhão da outra «pipa de massa», bem maior do que aquela de que nos
falou Barroso – a que todos os dias continua a sair de cá para lá...
Artigo publicado no Avante!
de 7-08-2014
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