O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


A VENEZUELA NÃO TERÁ DESCANSO

Por Alejandro Fierro*

O sossego político não existe na Venezuela. Quando se avizinhavam dois anos de relativa calma, sem eleições no horizonte e com Nicolás Maduro consolidado na sua liderança, após o indiscutível triunfo chavista, nas eleições municipais de 8 de Dezembro, a tensão volta a disparar nas ruas do país. Três pessoas resultaram mortas, nas manifestações convocadas, ontem, pela oposição.
Sem se ter confirmado ainda as circunstâncias das mortes, os meios de comunicação apressaram-se a difundir a crónica de uns jovens pacíficos que, manifestando-se a pedir liberdade, são reprimidos e assassinados pelas forças da ordem do governo. Confirmou-se, depois, que nenhuma das mortes foi devida à acção policial, mas a tiroteios entre civis. Um dos falecidos é um militante chavista, outro é um estudante afim à oposição e do terceiro ainda não foi revelada a identidade. Os convocantes não conseguiram a fotografia que tanto queriam, a de polícias a assassinar jovens. Nem sequer a bater-lhes, como sucede em Espanha. A evidente eficácia desta e de outras canhestras manipulações explica-se pelo enorme potencial mediático da direita venezuelana, que controla 85% da imprensa do país e conta com o apoio de praticamente todos os meios de comunicação internacionais.

Para além da desinformação, os acontecimentos de ontem reflectem o facto de a oposição voltar a optar pela via da desestabilização, como já fez com o golpe de Estado de 2002, ou depois das eleições de 14 de Abril do ano passado, quando se negaram a reconhecer o triunfo de Nicolás Maduro e incentivaram distúrbios, que se saldaram com o assassinato de onze simpatizantes chavistas. Nos dias anteriores às manifestações, as declarações dos dirigentes opositores passaram do apoio aos estudantes a reconhecer, descaradamente, que se tratava de derrubar o Governo. Vozes significativas do chavismo pediram a Nicolás Maduro que proibisse as marchas. Este, num exercício de coerência democrática, negou-se a fazê-lo.
Henrique Capriles e a sua proposta de assaltar o poder através das urnas estão definitivamente amortizados. A derrota nas municipais de Dezembro, que o próprio Capriles tinha apresentado como plebiscito a Maduro, pôs fim à sua etapa como líder da oposição. Agora, irrompeu com força um sector duro, relativamente jovem, partidário da confrontação directa na rua e profundamentre neoliberal, política e economicamente. As suas caras mais visíveis são María Corina Machado, deputada da Assembleia Nacional, e Leopoldo López, ex-presidente da Câmara de Chacao, um dos municípios em que se divide Caracas. Este último está inabilitado para exercer cargos públicos por um delito de tráfico de influências e conflito de interesses, embora o período de inabilitação finalize este ano. Depois dos incidentes, ambos confirmaram que manterão a estratégia de mobilizações de rua e culparam o governo dos assassinatos, apesar de não apresentarem prova desta afirmação.

O protagonismo desta ala radical é uma má notícia, não só para a direita, mas para toda a Venezuela. O chavismo necessita de um contraponto com o qual debater e alcançar consensos sobre os principais assuntos do país. Assim o pediu, várias vezes, o falecido Hugo Chávez e Maduro voltou, também, a recordá-lo. Contudo, os elementos mais dialogantes do espectro da oposição estão a ser encurralados por esta facção e põe-se em perigo a normalização democrática que, de alguma maneira, a direita tinha iniciado, ao ir às reuniões, convocadas pelo presidente Maduro, para tratar de temas como a insegurança ou a política municipal. Com efeito, até o próprio Capriles assistiu a um destes encontros, reconhecendo, de facto, a legitimidade de Maduro, legitimidade que lhe havia negado ao não aceitar os resultados de 14 de Abril.
A Venezuela não terá descanso. O que se dirime no país não é uma partilha do poder sob um mesmo sistema, mas a natureza do próprio sistema. De um lado, uma opção que alcançou incontestáveis resultados na luta contra a pobreza, na equidade social e extensão de direitos e que, por isso, obteve a maioria em 18 das 19 eleições que se realizaram, desde a sua chegada ao poder, em 1999. Do outro lado, um neoliberalismo que vê como se estreita a sua margem para fazer negócios, desde o petróleo à saúde e que, no contexto internacional, não pode permitir que o exemplo venezuelano encontre eco noutros países, especialmente naqueles que estão a ser fustigados pelas políticas de ajustamento. Por isso, não deixarão a Venezuela em paz.

 
* Jornalista e membro do Centro de Estudios Políticos y Sociales (CEPS)

O original pode encontrar-se em www.publico.es

 

 

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