A
memória
Por Henrique Custódio
Desde o «Processo Casa
Pia» que a expressão jurídica «Registo para memória futura» se tornou
correntia.
Pois hoje convém ir
fazendo «memória futura» da governação.
Aliás, esta «memória
futura» devia reportar aos executivos constitucionais de Mário Soares, pois com
ele e desde aí não houve um único primeiro-ministro (e respectivo
governo) que não porfiasse dar a próxima machadada no regime
jurídico-constitucional da Revolução de Abril. Desembaraçaram-se da Reforma
Agrária e da nacionalização dos sectores estratégicos, devolveram o poder
económico e político à banca, operaram a destruição do Código do Trabalho e dos
serviços públicos básicos do Estado social – a Educação, a Saúde e a Segurança Social.
Isto resumidamente.
Há aqui protagonistas:
Soares «lançou as bases» da destruição, Cavaco destruiu o tecido produtivo
nacional (que agora reclama, «atacando» como PR que é, o PM que foi), Guterres
acentuou a dívida do Estado e Sócrates obteve uma maioria absoluta graças à
paródia do governo Santana, para se lançar no mais violento ataque generalizado
ao Estado social construído com Abril.
Esta política
restauracionista conduziu à actual maioria Passos/Portas, que chegou ao poder
com promessas de remir a política restauracionista de Sócrates, mas surgiu como
assumida «Besta do Apocalipse» (Passos disse na tomada de posse que ia «impor
um novo paradigma»).
Acoitando-se no «resgate
da troika» (a que chamou «o seu programa de Governo», que iria «cumprir e
ultrapassar»), Passos lançou-se num frenesim de medidas antidemocráticas,
actuando imperialmente sobre a gleba impúdica. Foi o tempo de «deixar a zona de
conforto», de «emigrar» e de «não ser lamechas». Relvas, enquanto crescia o
escândalo do curso vigarizado, titilou variadas trafulhices nas «privatizações»
em que se meteu, o que deu o tom à 1.ª fase da governação.
Depois foram chegando os
orçamentos do Estado: o Governo apresentou-os sistematicamente
inconstitucionais, que foram sendo chumbados, constituindo-se num factual
«governo fora-da-lei» que, através dos OE, prosseguia freneticamente a
destruição da Função Pública, das reformas e das pensões, das carreiras
profissionais (professores, médicos, enfermeiros, polícias, magistrados e
etc.), esmagando os trabalhadores sob um selvático confisco fiscal. Tudo feito
num estado de mentira permanente, com o Governo carcomido por membros corruptos
ou sob suspeita, enchendo a máquina do Estado de apaniguados incapazes,
ignorantes e até imberbes – mas sempre bem pagos –, enquanto os teóricos da
«mudança de paradigma» vão revelando, em cada decisão que tomam, a sua espessa
impreparação, desprezo pela vida das pessoas e a mais sórdida falta de
escrúpulos. Isto sempre mentindo, ao ponto de grassar no País uma indiferença
geral pelo que o Governo diz.
Mas a memória revela-os
– e há-de varrê-los.
In Avante!, 30-1-2014
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