Os
excertos aqui transcritos, do livro La Jungla de los Listos, de Miguel
Ángel Revilla, esclarecem, de forma claríssima, alguns mecanismos de fuga aos
impostos. E, onde se lê Espanha, poder-se-á ler Portugal e dar o mesmo ou outro
nome às empresas mencionadas.
“Nós,
os espanhóis, temos a sensação de que quem suporta as receitas do Estado são as
classes média e popular, as pequenas e médias empresas, enquanto os ricos e as
grandes empresas pagam pouco, ou não pagam nada. E estamos certos!”
(...)
“Mais
de 80% da receita fiscal do Estado é suportada pelas classes média e baixa, os
que vivemos de um ordenado, junto com as pequenas e médias empresas, às quais é
impossível esconderem-se da voracidade do fisco.”
(...)
“Há
que perguntar por que razão os governantes não aplicam impostos maiores aos
ricos e às grandes sociedades. A resposta é muito simples: os governantes
jamais quererão indispor-se com os ricos, a quem, em muitos casos, devem o
lugar. E mais: aqueles que “fazem bem o seu trabalho” acabam acolhidos nos seus
braços, quando terminam o périplo político.”
(...)
“Dizem-nos
que se subissem os impostos às grandes fortunas, elas iriam para outros países.
Haveria que aplicar-lhes a letra de uma canção popular cantábrica: “Si se van,
que se vayan, que ya volverán...” (Se forem, que se vão, que logo voltarão...).
Para o que pagam, é igual o sítio em que estiverem. Pior é a sensação de agravo
que o resto dos cidadãos sentem.”
(...)
“Uma
coisa curiosa: nos últimos vinte anos, os rendimentos salariais tributaram, em
média, vinte mil euros / ano, segundo as estatísticas. Os rendimentos
empresariais, declarados, alcançam, em média, dez mil euros. Alguém crê que os
trabalhadores ganham mais que os empresários?”
(...)
“Gosto
de dar exemplos, para que as coisas se entendam melhor. Aqui vai um par de
casos.
Fabricar
peças de roupa na China, Bangladeche, Índia ou em qualquer outro país com
salários e condições laborais anteriores à Revolução Industrial é muito barato.
A confecção de um vestido que, em Espanha, custasse trinta euros, pode custar,
num desses países, dez euros. Se a fabricação for realizada por uma empresa
espanhola, teria que pagar às Finanças sete euros, dos vinte de lucro.
Como
evitam eles esta tributação? Criando uma filial num paraíso fiscal: as ilhas
Caimão, por exemplo, onde não se pagam impostos. O vestido que se fabricou no
Bangladeche, com um custo de dez euros, não chega à empresa-mãe espanhola, mas
à do paraíso fiscal, a qual vai facturar à espanhola não dez, mas trinta euros.
Creio que é claro. É a selva dos espertalhões.
Quando
uma empresa tecnológica, como a Apple, Google, etc., se estabelece em Espanha,
utiliza um procedimento, muito simples, para não pagar impostos. A Apple
Estados Unidos cede a tecnologia à Apple Caimão, a preço inferior ao do
mercado, e a filial do paraíso fiscal é a que vai vender as tabletes em
Espanha, através da Apple Espanha, uma mera comissionista, quase sem
empregados.
Recebem
a mercadoria e chega a factura em nome da Apple Caimão. A filial espanhola fica
apenas com uma comissão mínima, para gastos correntes e de pessoal. O lucro da
venda das tabletes fica quase integralmente no paraíso fiscal e não paga
impostos. Pura selva dos espertalhões.
Apesar
de bater recordes de lucro, em Espanha, em 2012, a Apple declarou prejuízos,
tal como a Google Spain. Como fazem isto?
A
multinacional da maçã vendeu, nesse ano, produtos no valor de 2.012 milhões de
euros. Facturou na Irlanda e, em Espanha tem uma sucursal chamada Apple
Marketing, com uma estrutura mínima de pessoal, que recebe uma comissão pelas
vendas, exactamente 1%. Nesse ano, fez uma facturação de vinte milhões, dos
dois mil que vendeu.
A
Apple, em Espanha, só paga impostos sobre os vinte milhões da sua filial,
quando, em teoria, o que deveria pagar pelo exercício de 2012 seria 6,5 milhões
de euros, isto é, 0,3% da facturação total, em Espanha. Mas, nem isso!
Compensaram
os lucros desta sucursal, criando outra sociedade chamada Apple Retail Spain,
que teve prejuízos. Não só não pagaram nada, como ainda declararam um saldo às
Finanças, a seu favor, de quatro milhões de euros. ‘Para mear y no echar gota!’
(Para mijar e não deitar gota!).
Vejamos
a venda, por Internet, das grandes multinacionais, por exemplo, a Zara. Soube-se,
recentemente, que a facturação é realizada através da Zara Irlanda, cujo
imposto sobre sociedades é muito mais baixo que em Espanha. Com muito poucos
trabalhadores, tudo o que a Zara vende para o mundo inteiro, pela Internet, é facturado
através da Zara Irlanda. A Zara Espanha factura a preço de custo à filial
irlandesa e esta vende pelo dobro, pagando os impostos lá e não aqui.
Envergonhados quando se difundiu a notícia, decidiram que as vendas pela
Internet, em Espanha, fossem tributadas aqui. Que remédio!
Outra
forma de fugir aos impostos consiste em aumentar o valor das compras que as
grandes sociedades realizam. Por exemplo, se um banco quer comprar um outro, o
valor deste último é sempre maior do que o real, porque, uma vez realizada a
operação, há que pagar a um grupo de intermediários, que cobra os serviços
prestados e esse dinheiro é depositado na Suíça, ou noutros paraísos fiscais,
beneficiando, por vezes, os directores das próprias instituições.
Em
operações de milhares de milhões, nesta selva dos espertalhões, é norma
inflaccionar preços, para pagar as comissões. O jornal El Mundo publicou, há
pouco, uma notícia relacionada com a intermediária da operação no contrato do
AVE, entre La Meca e Medina. Tinha cobrado, por isso, cento e trinta e quatro
milhões de euros.”
Sem comentários:
Enviar um comentário