O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 22 de fevereiro de 2014


ESTE PAÍS É VOSSO

Por Concha Caballero*

Na minha família, todos sabemos, no presente, onde fica a Ilha Reunião. O seu nome estava anichado em algum lugar da nossa memória de estudantes do Secundário, mas, agora, sabemos localizar esse lugar com precisão. Em todas as casas, nomes de países e de cidades exóticas passaram a formar parte da vida quotidiana. Nunca pensámos que íamos aprender, novamente, geografia, à força de exílio. Tão-pouco chegámos a imaginar que o futuro começava numa sala de embarque, no corredor interminável de um aeroporto próximo.
Respirámos, aliviados, quando os nossos jovens venceram os vendavais da adolescência e se concentraram nos estudos. Eles, pela sua parte, tiveram que lidar com as próprias decisões, batalhar, muitas vezes, contra o desejo de projectar neles as nossas vidas. Estudaram, formaram-se, acumularam títulos, mestrados, domínio de línguas. Foram formais, estudiosos, cumpridores, na antessala do seu futuro. Cumpriram perfeitamente o requisito de excelência que se lhes exigia, sem saberem que este país ia premiar-lhes o esforço com um bilhete de partida.

Agora, vão para a Ilha Reunião, para o Quebeque, para Sidney... E, se ainda não partiram, estão a pensar fazê-lo, procurando, afanosamente, na Internet, trocando informação com outros jovens sobre os melhores lugares fora do nosso país, das nossas vidas e do nosso presente. Mesmo os que ficam, já não estão aqui. Ao finalizar o curso, um cartaz invisível de “Game over” é colocado nas suas vidas e o nível de jogo seguinte consiste em encontrar uma porta de saída, para lá das nossas fronteiras
Mentalmente, deixaram de ser cidadãos deste país, que não os quer, que prescinde deles como de um luxo desnecessário. Voltarão, dizem-nos, quando as coisas melhorarem no nosso país, mas, a pergunta que me ocorre é: Quem, se não eles, fará as mudanças necessárias? Que espécie de futuro poderemos conseguir, sem a energia e a força da juventude que vai vivê-lo?

Não há uma única mudança social importante que tenha sido feita sem o protagonismo dos jovens. A democracia, no nosso país, não foi trazida por uns quantos senhores engravatados e um rei condescendente, mas por milhares de jovens, que fizeram da liberdade a sua bandeira, a sua forma de vida e um sonho que não podeia ser roubado. Até na sua forma de vestir, na música que ouviam, na maneira de se relacionarem, converteram-se numa onda de ar fresco, que acabou com a ditadura. Os engravatados e reis não só não nos deram a liberdade, como impuseram limites, pactos e fronteiras ao sonho.
Este país não é um negócio ruinoso que deva permanecer nas mãos dos mesmos que nos levaram ao desastre. Se há alguém que deva sair da nossa terra são os que fizeram da nossa economia um jogo de casino, os que depreciaram a ciência, a tecnologia, o meio ambiente e a cultura. Eles que partam! Mas, não nós.

A vossa saída da crise não está ao dobrar da esquina. A deles, sim. Recuperarão a taxa de lucro à custa de empobrecer os salários. Assenhorar-se-ão dos serviços públicos, para convertê-los em negócio. Proclamarão o fim dos direitos sociais e do Estado de bem-estar. Dir-vos-ão que isto não é da vossa incumbência, que são medidas conjunturais, provocadas pela crise, mas, na realidade, enquanto vocês procuram, na Internet, um país onde se protejam do aguaceiro, eles desenham a Espanha que vocês encontrarão no regresso, construída com os piores materiais do passado.
Este país é vosso. É necessário dizê-lo, gritá-lo, imprimi-lo, porque vos foi roubado. Fizeram-nos aceitar, com naturalidade, a vossa fuga, para que não participeis no desenho do futuro. A vossa história individual é colectiva. A vossa maleta é a de toda uma geração. O vosso caminhar pelas salas de embarque, uma marcha multitudinária. Os vossos passos calados, um ruído ensurdecedor. A vossa dor pessoal, uma ferida colectiva. Por isso, se puderdes, correi com eles. No fim de contas, são eles quem não tem pátria.



Texto publicado em El País Andalucía
O original encontra-se no blogue da autora em www.ideasconchacaballero.blogspot.com

 * Actualmente é professora de Língua e Literatura Tem uma coluna semanal em El País. Participa no programa Hoy por Hoy, da rádio SER e na Tertúlia de Buenos Días, no Canal Sur Televisión.

 

 

 

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