O QUE ELES ESCONDEM

quarta-feira, 15 de outubro de 2014





Campeão das rotundas, Portugal vai passar a ser o país dos pelourinhos

11-10-2014
Por Óscar Mascarenhas [*]

Havendo males que vêm por bem, o desvario que esvurma dos atuais governantes e seus valetes vai recolocar, aos jornalistas, a necessidade de traçarem uma agenda própria, tão submissa e cordata tem sido a imprensa, com a exceção honrosa de raras teimosias de insubmissão.
Quando refiro os atuais governantes, não me cinjo nem ao tempo nem ao espaço; outros virão tão alvares como os que ainda se mantêm com unhas, dentes e gavinhas no santuário blindado da sua incapacidade - e o mesmo se passa por essa desencantada Europa fora. Os de cá não são intelectualmente medíocres, culturalmente vazios e civicamente vadios por não terem conseguido acompanhar os congéneres europeus. Nada: estudaram todos pelos mesmos manuais em formato tabloide, fascículos diários de Metafísica dos Costumes e Filosofia do Direito que cá pelo burgo vêm garridamente capeados de Correio da Manhã e O Crime.

E como entram nisto os jornalistas que honram a profissão? Não entram. Distanciam-se e denunciam. Como se apresentava uma corajosa coleção de livros - o mais deles proibidos e retirados do mercado - "quando a desordem se torna ordem, uma atitude se impõe: afrontamento". Era esse o nome da editora, é essa a consigna dos tempos de que nos envergonhamos.
Tudo às avessas: o que deveria estar ao acesso do público ou de setores da população é-lhes negado; e aquilo que deveria ser retirado da esfera pública, porque é privado ou íntimo, é colocado à disposição da curiosidade mórbida ou pérfida. Compete aos jornalistas revelar o que se esconde e publicar o que deveria ser exposto.

Os jornalistas já deixaram sem explicação e denúncia como é que Portugal se transformou no campeão das rotundas - e quanto alcatrão ficou agarrado a certos dedos, para serem limpos com muitas notas. Agora, ficam prevenidos e atentos aos pelourinhos onde vão ser expostos, à medieval, os condenados sem julgamento, sentenciados por leis de um poder apostado em gerar uma sociedade histérica e tabloide - com o pretexto de "também se faz lá fora", nessa vergonhosa sociedade tribal de vizinhos que se invadem e se chacinam uns aos outros na dita Europa.
Dois exemplos do que deveria ser conhecido e é sonegado: o ministro Nuno de Santo Estaline Crato - pode esquecer-se a matemática, mas o estalinismo inoculado na madrassa éme-éle é mais indelével do que uma tatuagem perante o laser e o seu sintoma são as unhas enterrarem-se na cadeira que se abarbata à custa de muita casaca virada e muita mesura - não publica as listas de colocações de professores. Estão nas escolas, diz o comissário contra o povo. Pois. Os professores concorreram a nível nacional mas, para saberem se houve batota ou simples erro, têm de ir a centenas de escolas e investigar por sua conta. Segredo de Estado! Deve ser "como se faz lá fora"...

O primeiro-ministro diz que não faz striptease da sua conta bancária. Certo. Mas, acho eu, ninguém quer saber se gastou o dinheiro que recebeu a comprar slips fio dental, lantejoulas, plumas ou varões para se despir langorosamente na intimidade aos requebros de um kuduro. A única coisa a mostrar é a lista do que recebeu, já que, exercendo cargos públicos, a coluna do que entrou na sua conta bancária deveria ser mostrada - e eu sempre defendi que essa declaração fosse reservada e não enchesse a gorja dos tabloides para fazerem o top ten dos mais ricos, pondo em risco a segurança dos filhos e familiares, por se tornarem um chamariz para os raptores. Mas a lei é imbecil, feita por políticos imbecis e conluiados com o tabloidismo - aquelas cabeças não dão para mais, coitadas - e que fazem vida de se queixarem dos tabloides que os cercam. Deve ser "como se faz lá fora"...
A ministra da Justiça é caso perdido. Acha que as visitas aos tribunais são sua "agenda privada", de que se recusa dar conta e permite-se interpelar um deputado com "o que é que o senhor fez pelo país?", ignorando que é o deputado quem lhe pede contas e não ao contrário.

Nem sequer percebe o que legisla ou o que quer legislar. É uma "Maria vai com o que se faz lá fora e, para dares um toque de sal à portuguesa, mete uma bojarda tua, que fica bem". Tem a ver com as listas dos que cumpriram a pena por pedofilia. "Lá fora" acha-se legítimo um patrão conhecer o passado penitenciado de um candidato ao emprego e recusá-lo por tais ou outros antecedentes. A ministra acrescenta uma "prevenção": os pais dos jovens com menos de 16 anos também têm o direito a conhecer. Não podem revelar o que sabem - num país em que o segredo de justiça é cumprido quando os reis fazem anos bissextos! Como a senhora, que se cultivou no confronto dos Irmãos Metralha com o Tio Patinhas, cuja leitura não lhe dava cãibras nos beiços, não consegue imaginar pais de crianças que as lançaram no negócio do sexo a troco de dinheiro. Agora a criativa governante quer dar rédea solta à chantagem. Uma coisa é a polícia ter a lista dos "suspeitos do costume" - o que já é dissuasor quanto possível numa sociedade em que os fins não justificam todos os meios - e outra é cortar a possibilidade de regeneração de quem cumpriu pena, estigmatizando-o publicamente. Deve ser "como se faz lá fora" - e se fez mesmo, com estrela cosida no casaco...
Agora assoma da casca o chefe da ASAE, que nunca se notabilizou por apanhar bancos agiotas e lavadores de dinheiro (está nas suas competências legais), mas que já entalou muita leitaria de bairro. Quer fazer uma lista negra de estabelecimentos detetados em incumprimento, autuados e obrigados a corrigir as carências. Disse o cavalheiro ao DN: "Era uma maneira de devolver (?) ao operador económico um estímulo pela negativa no sentido de querer sair da lista e, portanto, introduzir alterações." Não basta a contraordenação, que vai até ao encerramento; é preciso colocar no pelourinho da má fama a leitaria onde a colher de pau foi utilizada para mexer a sopa e a caldeirada. Deve ser "como se faz lá fora".

 

[*]Provedor do leitor do Diário de Notícias

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