Portugal Telecom – como se afunda uma empresa
Querem
saber como se destrói uma empresa? Perguntem a Zeinal Bava e a Henrique
Granadeiro. O que teve lugar na Portugal Telecom, nos últimos anos, devia ser
compilado e dar origem a um manual de instruções para afundar empresas.
8 de
Outubro, 2014
Mariana Mortágua[*]
Zeinal Bava pode dizer que sai
pelo seu pé, mas deixa atrás de si os cacos do que foi a mais prestigiada
empresa nacional.
Durante décadas a maior
empresa portuguesa, e a primeira de dimensão internacional, a PT, era também a
companhia que mais investia em tecnologia e investigação no nosso país. Era,
digo. Porque é este o legado de Bava à frente da empresa que o Estado
privatizou: todas as notícias positivas sobre a PT estão no passado.
A PT, fruto do seu
investimento no centro tecnológico de Aveiro, foi a primeira empresa mundial a
criar um cartão pré pago. Foi com ele que reagiu à entrada das multinacionais
de comunicações no nosso país e retomou a liderança no sector móvel. Foi com
esse cartão que revolucionou o mercado brasileiro e tornou a VIVO o maior
operador móvel da América latina. O mesmo aconteceu com os acessos à internet,
rede 3 G e um sem número de produtos nascidos da articulação entre uma empresa
com capitais públicos e uma universidade do Estado.
Há quatro anos a PT tinha a
liderança do mercado móvel da América latina. Hoje, é uma empresa endividada
até ao pescoço, sem capacidade de investimento, escorraçada pelo obsoleto
parceiro brasileiro, e à beira de ser comprada por um fundo especulativo. O
mesmo fundo que, depois de adquirir a Cabovisão, fez do despedimento de 100
funcionários o seu primeiro ato de gestão.
Não será certamente
coincidência que a queda livre da PT coincida, temporalmente, com a alienação
da Golden Share do Estado na empresa. Ou que o momento chave da destruição de
valor, a venda da Vivo, tenha acontecido com a oposição do Estado, que acabou
por se vergar à pressão do maior acionista da PT: o BES.
O banco de Ricardo Salgado
precisava de liquidez e o futuro de uma empresa estratégica portuguesa era a
sua última preocupação.
Foram essas necessidades de
liquidez que fizeram com que a PT, durante anos e anos a fio, fosse a empresa
que mais generosos dividendos foi distribuindo. A distribuição de dividendos
muito acima das suas possibilidades, foi o esquema encontrado por Zeinal Bava e
Henrique Granadeiro para gerirem uma complexa teia de interesses. O resultado
está à vista. A sua ligação umbilical às necessidades da finança, leia-se Banco
Espírito Santo, acabou por colocar o futuro da empresa em risco.
Não é a queda de um anjo,
incensado até há pouco tempo pelos sucessivos governos, pela finança e até
colunistas da imprensa especializada, que nos deve preocupar. O que nos
preocupa é o futuro do operador incumbente de comunicações, o futuro de
milhares de trabalhadores ou do investimento em infraestruturas vitais para a
modernização do país.
Não nos esquecemos que a
alienação da Golden Share foi um dos temas da campanha interna do PSD, juntando
todos, à vez, na defesa desta irresponsabilidade.
E por isso está na altura de
confrontar Passos Coelho com as suas próprias garantias.
Dizia o primeiro-ministro que
o fim das Golden Share do Estado teria lugar acautelando os interesses
estratégicos do país. Das duas, uma: ou Passos Coelho, na sua forma distorcida
de ver a economia e a sociedade, entendia que o interesse estratégico do país
passava por entregar uma das mais importantes empresas nacionais a um pequeno
fundo internacional, sem nenhum conhecimento e capacidade de investimento; ou
estamos perante um ato consciente de favorecimento dos interesses privados. Em
ambos os casos, é o interesse nacional que, mais uma vez, sai lesado.
PSD, PS e CDS foram-nos
garantindo que as privatizações não iriam colocar em causa a permanência dos
sectores estratégicos em mãos nacionais. O atual Governo jurou-nos, depois, que
o fim das golden share não hipotecava os interesses do país. Tudo furado.
Não só as privatizações de
sectores como a energia ou combustíveis não trouxeram os proclamados benefícios
da concorrência, como monopólios naturais fundamentais para a soberania
nacional foram parar às mãos de regimes ditatoriais ou aos bolsos de fundos
especulativos sem nenhum interesse de médio ou longo prazo.
O que está em causa é a
irrelevância da PT. O que está em causa é o posto de trabalho de milhares de
pessoas e a previsível deslocação ou desinvestimento no centro tecnológico de
Aveiro, onde se concentra a maior fatia do investimento privado em investigação
no país.
Não há como olhar para o que
está acontecer, aqui e agora, mesmo à frente dos nossos olhos, e insistir, com
certeza acrítica de quem está toldado pelo seu próprio radicalismo ideológico,
que nada correu mal, que isto não poderia ter sido evitado, ou que não há
lições para o futuro.
Sim, está a correr mal. Sim,
podia ter sido evitado. Sim, há lições para o futuro: os setores estratégicos
nacionais têm que estar em mãos públicas, a começar pela TAP, que o governo
tenta vender à pressão sobre os escombros da PT, que tanto contribuiu para
destruir.
Declaração
política na Assembleia da República em 8 de outubro de 2014
[*] Economista, Deputada do Bloco de Esquerda.
Texto retirado do jornal digital Esquerda.net
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