Esses monstros chamados
bancos
Por Juan Torres López*
Os bancos privados
desfrutam de um privilégio extraordinário: sempre que concedem um crédito criam
dinheiro. Não moedas ou notas, que é o que as pessoas comuns julgam que é o
dinheiro, mas dinheiro bancário, isto é, meios de pagamento através das suas
contas.
Quando recebem os
depósitos dos seus clientes, os bancos não os mantêm totalmente em reserva para
fazer frente aos levantamentos que aqueles solicitem. Pelo contrário, conservam
em caixa apenas uma parte mínima e dispõem do resto para realizar empréstimos
(por isso se diz que é um sistema bancário de reserva fraccionária).
O fenómeno é fácil de
entender: Pôncio dispõe dos únicos 100 euros que economizou e deposita-os num
banco. Com o seu cartão de débito ou o livro de cheques pode fazer pagamentos
no valor de 100 euros. Se o banco concede um crédito de 20 euros a Pilatos,
mediante uma simples anotação contabilística, este poderá gastar aqueles 20
euros, de modo que, a partir desse mesmo instante, já há 120 euros em meios de
pagamento. O banco criou 20 euros de dinheiro bancário.
Como isto se faz
sucessivamente e sem descanso, acontece que os bancos “multiplicam” sem cessar
os meios de pagamento, na mesma medida em que vão criando mais dívida. Como
dizia o Prémio Nobel da Economia Maurice Allais, isso significa que os bancos
criam dinheiro ex nihilo,
a partir do nada.
Na Europa, a proporção
dos depósitos que, hoje em dia, os bancos são obrigados a manter em reserva é a
de 1%, no caso de se tratar de depósitos a menos de dois anos ou que se possam levantar
sem pré-aviso, e de 0% nos restantes. Isto implica que, se supusermos que os
clientes não retêm dinheiro nas suas mãos (o que hoje em dia sucede quase
sempre, graças aos cartões), um banco pode criar do nada 100 euros sempre que
um cliente deposite nesse banco 1 euro, a prazo de menos de dois anos, e tanto
quanto quiser, nos restantes casos.
Este é o negócio que dá
lucros à banca: criar dinheiro do nada, gerando dívida sem cessar.
Logicamente, os bancos
não deixaram nunca de aproveitar essa oportunidade e dedicaram-se a impor as
condições que obrigam as empresas, famílias ou governos a endividarem-se
continuamente, fomentando, por exemplo, a compra da habitação em vez do
arrendamento, cortando salários, permitindo créditos hipotecários acima do
valor da casa, subindo artificialmente o preço da habitação, desagravando
fiscalmente os juros de maneira a ser mais rentável endividar-se do que
autofinanciar-se, etc.
Esta, e não outra, é a
causa de que a dívida cresça constantemente. E também de que os bancos, volta e
meia, tenham crises, já que criar dívida desta forma faz com que o valor dos
seus créditos se afaste constantemente do dos seus depósitos e do seu capital em geral.
Em Junho passado, foram
publicados os últimos dados anuais que permitem comprovar a relação entre o
capital e os activos dos 50 maiores bancos do mundo. Embora não seja exatamente
entre depósitos e créditos, a relação reflecte perfeitamente como tem crescido
o negócio bancário e a razão da sua permanente instabilidade.
Esses 50 megabancos têm,
no total, um capital de 772.357 milhões de dólares, enquanto os seus activos
têm um valor 87,6 vezes maior (67,64 biliões de dólares). Mas, há casos
verdadeiramente impressionantes. O recorde pertence ao Wells Fargo Bank dos Estados
Unidos, que tem ativos no valor de 2.646,6 vezes maior do que o seu capital.
LesiguenCitibank, com uma relação de 1.793,3 para um e o ING, que tem 1.550,3
dólares em ativos para cada dólar de capital. No ranking encontram-se o Banco de Santander, no 15º lugar e com uma
relação de 196,9 dólares em activos por cada dólar de capital, e o BBVA, em 35º
lugar e com uma relação muito mais baixa, de 20,5 para um (a lista completa
pode ver-se no Bankers Almanac).
O sistema de reserva
fracionária dá origem a estes monstros financeiros que assentam em nada, sendo
materialmente impossível que se mantenham em pé, sem caírem em algum momento. A
história demonstrou-o dúzias de vezes.
Mas embora o sistema
seja perigosíssimo, a banca adquiriu, graças a ele, um poder político imenso,
diabólico, que se estende a todos os resquícios da sociedade e que lhe permite
obrigar a que sejam os cidadãos a arcar com os custos multimilionários que gera,
cada vez que cai.
Vivemos, pois, num
sistema que permite que a utilização de um elemento essencial para criar
riqueza, emprego e satisfação humana como é o dinheiro, que está para a
economia como o sangue está para o corpo humano, dependa exclusivamente da
vontade de um grupo social privilegiado. E que, além disso, o utiliza da forma
mais esbanjadora e onerosa, criando uma dívida crescente que asfixia a vida
económica.
Veja-se como se vir, não
há outra alternativa senão acabar com o sistema de reserva fraccionária e
considerar o crédito como um serviço público essencial, obrigando a banca, seja
ela privada ou pública, a governá-lo, inapelavelmente, à luz desse princípio.
Isto não só permitiria evitar o inferno criado por cada crise, que o sistema
bancário actual recorrentemente provoca, mas também utilizar o dinheiro, que é
um bem comum, para financiar convenientemente empresas e consumidores, e que os
juros (que poderiam ser mínimos ou utilizados apenas como instrumento de
estabilização) revertessem para o Estado, aliviando uma parte imensa da actual
carga fiscal.
[*] Catedrático na
Universidade de Sevilha, no Departamento de Teoria Económica e Economia
Política.
Original do texto em http://juantorreslopez.com/impertinencias/esos-monstruos-llamados-bancos/
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