O QUE ELES ESCONDEM

quarta-feira, 29 de outubro de 2014


 

Esses monstros chamados bancos

Por Juan Torres López*

Os bancos privados desfrutam de um privilégio extraordinário: sempre que concedem um crédito criam dinheiro. Não moedas ou notas, que é o que as pessoas comuns julgam que é o dinheiro, mas dinheiro bancário, isto é, meios de pagamento através das suas contas.

Quando recebem os depósitos dos seus clientes, os bancos não os mantêm totalmente em reserva para fazer frente aos levantamentos que aqueles solicitem. Pelo contrário, conservam em caixa apenas uma parte mínima e dispõem do resto para realizar empréstimos (por isso se diz que é um sistema bancário de reserva fraccionária).

O fenómeno é fácil de entender: Pôncio dispõe dos únicos 100 euros que economizou e deposita-os num banco. Com o seu cartão de débito ou o livro de cheques pode fazer pagamentos no valor de 100 euros. Se o banco concede um crédito de 20 euros a Pilatos, mediante uma simples anotação contabilística, este poderá gastar aqueles 20 euros, de modo que, a partir desse mesmo instante, já há 120 euros em meios de pagamento. O banco criou 20 euros de dinheiro bancário.

Como isto se faz sucessivamente e sem descanso, acontece que os bancos “multiplicam” sem cessar os meios de pagamento, na mesma medida em que vão criando mais dívida. Como dizia o Prémio Nobel da Economia Maurice Allais, isso significa que os bancos criam dinheiro ex nihilo, a partir do nada.

Na Europa, a proporção dos depósitos que, hoje em dia, os bancos são obrigados a manter em reserva é a de 1%, no caso de se tratar de depósitos a menos de dois anos ou que se possam levantar sem pré-aviso, e de 0% nos restantes. Isto implica que, se supusermos que os clientes não retêm dinheiro nas suas mãos (o que hoje em dia sucede quase sempre, graças aos cartões), um banco pode criar do nada 100 euros sempre que um cliente deposite nesse banco 1 euro, a prazo de menos de dois anos, e tanto quanto quiser, nos restantes casos.
Este é o negócio que dá lucros à banca: criar dinheiro do nada, gerando dívida sem cessar.

Logicamente, os bancos não deixaram nunca de aproveitar essa oportunidade e dedicaram-se a impor as condições que obrigam as empresas, famílias ou governos a endividarem-se continuamente, fomentando, por exemplo, a compra da habitação em vez do arrendamento, cortando salários, permitindo créditos hipotecários acima do valor da casa, subindo artificialmente o preço da habitação, desagravando fiscalmente os juros de maneira a ser mais rentável endividar-se do que autofinanciar-se, etc.

Esta, e não outra, é a causa de que a dívida cresça constantemente. E também de que os bancos, volta e meia, tenham crises, já que criar dívida desta forma faz com que o valor dos seus créditos se afaste constantemente do  dos seus depósitos e do seu capital em geral.

Em Junho passado, foram publicados os últimos dados anuais que permitem comprovar a relação entre o capital e os activos dos 50 maiores bancos do mundo. Embora não seja exatamente entre depósitos e créditos, a relação reflecte perfeitamente como tem crescido o negócio bancário e a razão da sua permanente instabilidade.

Esses 50 megabancos têm, no total, um capital de 772.357 milhões de dólares, enquanto os seus activos têm um valor 87,6 vezes maior (67,64 biliões de dólares). Mas, há casos verdadeiramente impressionantes. O recorde pertence ao Wells Fargo Bank dos Estados Unidos, que tem ativos no valor de 2.646,6 vezes maior do que o seu capital. LesiguenCitibank, com uma relação de 1.793,3 para um e o ING, que tem 1.550,3 dólares em ativos para cada dólar de capital. No ranking encontram-se o Banco de Santander, no 15º lugar e com uma relação de 196,9 dólares em activos por cada dólar de capital, e o BBVA, em 35º lugar e com uma relação muito mais baixa, de 20,5 para um (a lista completa pode ver-se no Bankers Almanac).
O sistema de reserva fracionária dá origem a estes monstros financeiros que assentam em nada, sendo materialmente impossível que se mantenham em pé, sem caírem em algum momento. A história demonstrou-o dúzias de vezes.

Mas embora o sistema seja perigosíssimo, a banca adquiriu, graças a ele, um poder político imenso, diabólico, que se estende a todos os resquícios da sociedade e que lhe permite obrigar a que sejam os cidadãos a arcar com os custos multimilionários que gera, cada vez que cai.

Vivemos, pois, num sistema que permite que a utilização de um elemento essencial para criar riqueza, emprego e satisfação humana como é o dinheiro, que está para a economia como o sangue está para o corpo humano, dependa exclusivamente da vontade de um grupo social privilegiado. E que, além disso, o utiliza da forma mais esbanjadora e onerosa, criando uma dívida crescente que asfixia a vida económica.

Veja-se como se vir, não há outra alternativa senão acabar com o sistema de reserva fraccionária e considerar o crédito como um serviço público essencial, obrigando a banca, seja ela privada ou pública, a governá-lo, inapelavelmente, à luz desse princípio. Isto não só permitiria evitar o inferno criado por cada crise, que o sistema bancário actual recorrentemente provoca, mas também utilizar o dinheiro, que é um bem comum, para financiar convenientemente empresas e consumidores, e que os juros (que poderiam ser mínimos ou utilizados apenas como instrumento de estabilização) revertessem para o Estado, aliviando uma parte imensa da actual carga fiscal.


 

[*] Catedrático na Universidade de Sevilha, no Departamento de Teoria Económica e Economia Política.











 

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