A famosa frase de Thatcher “There is no
alternative” (Não há alternativa) é, agora, repetida em todos os países
submetidos à ditadura da troika, isto é, dos bancos.
Outras variantes desta palavra de ordem são:
“Não há dinheiro”, “Vivemos acima das nossas possibilidades”, “Ninguém gosta de
impor sacrifícios, mas tem que ser” ou “Temos que pagar a dívida, para sermos
um país credível”.
O artigo do Professor Juan Torres Lopéz, que
aqui traduzimos, desmonta estas e outras mentiras, com dados objectivos referentes
a Espanha, mas que têm paralelo na realidade portuguesa. São exemplo disso o
enorme endividamento dos bancos e grandes empresas, maior que o do Estado (Ver http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2012/18-2014-saida-nao-limpa.pdf
e http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2014/22-2014-17-Maio.pdf)
e não o das famílias, pois, em 2010,
segundo o INE e o Banco de Portugal, 63% não
tinha qualquer dívida aos bancos, sendo que, das restantes, a maioria
estava a pagar a hipoteca da casa onde morava. Quanto à dívida pública, sabemos
como grande parte dela foi criada: financiamento das empresas públicas com
contratos swap ruinosos para o Estado, mas bilionários para os bancos;
parcerias público-privadas, assegurando o Estado um rendimento fixo, em alguns
casos de 20% ao ano, às Mota-Engiles amigas; compra de material de guerra
inútil, com luvas de milhões a entrar nos bolsos dos gatunos de sempre (este
ano, mais 4 navios militares, negócio entre o ministro da Defesa e a Dinamarca,
país de que é oriundo o secretário-geral da NATO); milhares de milhões entregues
à banca causadora da crise, etc, etc.
Entretanto, a dívida vai num crescendo
(71,6% do PIB, em 2008, 134% em 2014). Este ano, iremos entregar aos bancos
7.700 milhões de euros, só em juros, factura que irá engordando os credores até
aos 20 mil milhões, em 2021 (isto se não contraíssemos mais dívida).
Mas é precisamente este o plano congeminado
em centros de decisão como Bilderberg, Trilateral ou o clube de Basileia, esta
semana reunido em Nápoles : submeter os povos a uma dívida impagável,
convencendo-os de que não têm alternativa, para que os Deutsche Bank, Goldman
Sachs, Paribas, Santander continuem a enriquecer e ter, por isso, um poder
descomunal e domínio sobre regiões inteiras do mundo, ao ponto de, já
descaradamente, imporem os seus funcionários à frente de governos e
instituições europeias.
DONDE VEM E QUE FAZER COM A DÍVIDA?
Por Juan
Torres López*
Há quatro
falsidades que se utilizam habitualmente para confundir a população no que respeita
à dívida, e para combater os movimentos e partidos progressistas.
A primeira é a
de que a dívida é originada por o cidadão comum ter vivido acima das suas
possibilidades, o que produz, logicamente, um grande sentimento de culpa e leva
as pessoas a assumirem que há que pagá-la sem refilar.
A segunda é a de
que a dívida pública existe porque há demasiadas despesas sociais.
A terceira é a
de que os governos e partidos de esquerda em geral são partidários de aumentar
sempre a dívida, porque não vêem nisso nenhum perigo.
A quarta é a de
que os partidos, movimentos progressistas ou de esquerda não pagam a dívida e
provocam, assim, problemas económicos muito maiores.
Vejamos uma por
uma.
As famílias não são responsáveis da dívida
Em 2008, as
famílias espanholas eram responsáveis, apenas, por 20% da dívida total
espanhola (pública e privada). Além disso, e segundo o Banco de Espanha, metade
das famílias espanholas não estava endividada naquele ano. No caso dos 40% das
famílias mais pobres de Espanha, três quartos da sua dívida tinha a ver com a
habitação, e se ela era alta não era porque gostassem, mas devido ao preço
estabelecido pelos bancos que davam o empréstimo.
Pelo contrário,
57% do total da dívida espanhola foram originados pelos bancos e grandes
empresas. Foram estes, portanto, quem, em todo o caso, viveram acima das suas
possibilidades e não o cidadão comum a quem se está a passar a factura.
A dívida não tem origem nas despesas
excessivas com o bem-estar.
Em 2008, a
dívida pública representava, apenas, 19% da dívida total espanhola. Além disso,
é evidente que a dívida pública não cresceu grandemente quando se foi
consolidando o Estado de Bem-estar em Espanha, mas precisamente quando este se
debilitou como consequência das crises, tal como vem acontecendo desde 2007.
Nesse ano, a Espanha tinha uma das percentagens mais baixas de dívida de toda a
União Europeia (36,3% do PIB, face a 65,2% da Alemanha, 64,2% da França ou 103,3% da Itália).
Pelo contrário,
a dívida aumentou vertiginosamente quando a crise, a falta de actividade e as
reformas fiscais favoráveis aos grupos com rendimentos mais altos e às grandes
empresas e bancos produziu uma grande descida nas receitas públicas. Ao que se
deve acrescentar a grande quantidade de dinheiro destinado a ajudar a banca.
E, de uma forma
muito particular, a dívida cresceu extraordinariamente desde que se estabeleceu
que os bancos centrais não podem financiar os governos.
Desde então, as
despesas extraordinárias ou a queda nas receitas públicas que provocam aos
governos, as crises financeiras ou as circunstâncias extraordinárias têm de ser
financiados pela banca privada, com taxas de juro de mercado ou, inclusive,
mais altas por culpa dos especuladores.
Os dados são
claros: se excluirmos as despesas financeiras com o pagamento de juros, a imensa
maioria dos países que faz parte do euro (entre eles a Espanha) regista um
superavit orçamental, salvo em alguns anos excepcionais. Ou dizendo de outro
modo, se os governos tivessem sido financiados pelos bancos centrais, com a mesma
taxa de juro com que tão generosamente financiam agora os bancos privados, a
dívida pública dos países seria mínima, quase insignificante.
E aqui aproveito
para assinalar uma outra mentira complementar dos economistas liberais, quando
dizem que, se isso fosse assim, isto é, se os bancos centrais financiassem os
governos, produzir-se-ia uma inflação muito perigosa.
É outra
falsidade porque, para que esse financiamento provocasse inflação teriam que
dar-se, necessariamente, três condições: que o dinheiro dos bancos centrais
chegue à economia (por isso, aquele que agora dão aos bancos não produz subida
de preços), que quando chegue à economia se dirija ao consumo (e não como
ocorre agora em grande medida para reduzir a dívida) e, além disso, que não
aumente paralelamente a produção de bens e serviços. Portanto, se ao mesmo
tempo que os bancos centrais financiam os governos, a produção de bens e
serviços aumentar de modo proporcional (que é o que se deseja) não há perigo
algum de inflação. E a dívida pública quase não existiria, salvo se,
logicamente, outras circunstâncias estejam a provocar crise como as ajudas
extraordinárias aos grupos privilegiados constantemente.
Quem incrementa a dívida são os bancos e os
governos de direita.
É, também, falso
que sejam os governos de esquerda que criam mais dívida.
Não há que
esquecer nunca que criar dívida e aumentá-la constantemente é o negócio da
banca. Portanto são os banqueiros quem, mais que ninguém, estão interessados em
que aumente e quem faz todo o possível para que os governos tomem medidas que a
provoquem ( diminuindo o rendimento das pessoas ou das empresas que não contam
com financiamento próprio, promovendo a venda da habitação em vez do arrendamento,
ou simplesmente corrompendo governos e políticos).
A história
mostra claramente que as etapas de maior dívida estão unidas a fases em que os
bancos estiveram mais desregulamentados e tiveram mais liberdade para fazer
negócios e que foi, também, com governos de direita (Reagan, Bush, as ditaduras
militares…ou, agora, Rajoy, em Espanha) que se alcançaram os níveis mais altos
de défice ou dívida de todos os tempos, nos respectivos países.
Pelo contrário,
os governos de esquerda ou progressistas, quase sempre e salvo alguma excepção,
tiveram que engolir essa dívida previamente acumulada: ou fazendo mil
equilíbrios para a pagar (como, por certo, a Venezuela bolivariana), ou, apesar
de cortes e reestruturações da dívida, que beneficiaram também os credores,
tiveram que assumir uma grande parte dela (como recentemente o Equador).
A dívida é impagável, e não que não se
queira pagar.
Por último, é
falso, também, que os movimentos ou partidos progressistas, como a Esquerda
Unida ou Podemos, digam caprichosamente que não pagariam a dívida se
governassem. Oxalá pudesse ser assim e que a dívida desaparecesse sem mais, de
um dia para o outro!
Quanto a isto, a
mim, parece-me que há que ir por partes.
Em primeiro
lugar, os economistas mais sensatos, sejam de que cor forem e até os que
trabalham em organismos como o FMI, sabem e inclusive reconhecem publicamente
que a dívida que se acumulou no mundo, na Europa ou inclusive (embora em menor
medida) em Espanha é materialmente impagável. De facto, se se quisesse pagá-la neste
momento, não haveria meios suficientes para isso, de tanto que cresceu. É
impossível, por exemplo, que uma boa parte das empresas espanholas, como
reconheceu o FMI, gere, no futuro, lucros suficientes para poder acabar com a
sua dívida.
Portanto, a questão
não radica em dizer se se quer pagar ou não, mas em ser inteligentes e pôr
sobre a mesa soluções que não continuem a paralisar a actividade produtiva,
afundando as economias e… gerando mais dívida! Não tem sentido empenharmo-nos
em fazer frente a algo impossível, que não convém a ninguém, excepto, claro
está, à banca que, em 2013, meteu ao bolso, só na União Europeia e unicamente
em juros, 365.017 milhões de euros e, desde 1995, 6,2 biliões de euros. O que
há a fazer é estudar como sair deste círculo infernal em que estamos,
reestruturando, por exemplo, uma determinada percentagem da dívida, para a
converter em perpétua a 100 anos. E, evidentemente, recorrer a outras fontes de
financiamento menos onerosas que a banca privada.
Coisa diferente
é, por outro lado, que uma parte importante da dívida seja literalmente
ilegítima ou odiosa, isto é, resultado de decisões tomadas materialmente contra
as decisões ou desejos dos cidadãos. Neste caso, os povos têm o direito, depois
de isso se demonstrar com toda a clareza, a repudia-la. Os Estados Unidos, sem
ir mais longe, é talvez o país que, em maior número de ocasiões, ou promoveu,
ou apoiou, ou estabeleceu o exercício deste direito.
Se amanhã um
banco nos reclamar 10.000 euros, não lhe dizemos de imediato que não vamos
pagar. Simplesmente, dirigimo-nos logo ao banco e comprovamos a origem dessa
dívida. Se for correcta e legítima, não teremos outro remédio senão pagá-la,
embora a sua origem não nos agrade de modo nenhum.
Desgraçadamente,
os governos espanhóis dos últimos anos delapidaram recursos de todos os espanhóis.
Uma classe política corrupta serviu-se do dinheiro público para enriquecer
(embora nem sequer assim se possa dizer que esta seja a causa da nossa dívida
total), os bancos pediram emprestado centenas de milhar de milhões para fazer
negócio, financiando a especulação imobiliária, que agora não pode devolver e
fizeram-se reformas que permitiram aos mais ricos não pagarem quase nada e
destruíram a nossa capacidade de criar receitas. Tudo isto provocou uma dívida
gigantesca, aumentada pela manipulação nos mercados e pela existência de
instituições europeias que se dedicam a salvaguardar os interesses de uns
países e de certos grupos sociais e financeiros contra os restantes.
Perante isto,
não serve de nada ter ilusões, nem ser ingénuos. A traição dos partidos até
agora governantes pagá-la-emos cara e o que temos a fazer não é acreditar que
tudo é fácil e que se pode dar a volta à situação em 24 horas. Fará falta muita
mão esquerda, muita transparência e democracia, para que as pessoas saibam o
que se passou, muita inteligência para garantir a estabilidade e que a situação
não se torne pior do que está hoje e fomentar um sentido, muito amplo e
generoso, de patriotismo, para reunir a imensa maioria social, que incorpore na
regeneração de Espanha o maior número possível de compatriotas. E mesmo assim,
teremos muito sofrimento pela frete, porque a fraude e o roubo ao povo foram
gigantescos.
____________
*Catedrático de
Economia Aplicada, da Universidade de Sevilha
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