O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 4 de outubro de 2014


A famosa frase de Thatcher “There is no alternative” (Não há alternativa) é, agora, repetida em todos os países submetidos à ditadura da troika, isto é, dos bancos.
Outras variantes desta palavra de ordem são: “Não há dinheiro”, “Vivemos acima das nossas possibilidades”, “Ninguém gosta de impor sacrifícios, mas tem que ser” ou “Temos que pagar a dívida, para sermos um país credível”.

O artigo do Professor Juan Torres Lopéz, que aqui traduzimos, desmonta estas e outras mentiras, com dados objectivos referentes a Espanha, mas que têm paralelo na realidade portuguesa. São exemplo disso o enorme endividamento dos bancos e grandes empresas, maior que o do Estado (Ver http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2012/18-2014-saida-nao-limpa.pdf e http://www.eugeniorosa.com/Sites/eugeniorosa.com/Documentos/2014/22-2014-17-Maio.pdf) e não o das famílias, pois, em 2010, segundo o INE e o Banco de Portugal, 63% não tinha qualquer dívida aos bancos, sendo que, das restantes, a maioria estava a pagar a hipoteca da casa onde morava. Quanto à dívida pública, sabemos como grande parte dela foi criada: financiamento das empresas públicas com contratos swap ruinosos para o Estado, mas bilionários para os bancos; parcerias público-privadas, assegurando o Estado um rendimento fixo, em alguns casos de 20% ao ano, às Mota-Engiles amigas; compra de material de guerra inútil, com luvas de milhões a entrar nos bolsos dos gatunos de sempre (este ano, mais 4 navios militares, negócio entre o ministro da Defesa e a Dinamarca, país de que é oriundo o secretário-geral da NATO); milhares de milhões entregues à banca causadora da crise, etc, etc.
Entretanto, a dívida vai num crescendo (71,6% do PIB, em 2008, 134% em 2014). Este ano, iremos entregar aos bancos 7.700 milhões de euros, só em juros, factura que irá engordando os credores até aos 20 mil milhões, em 2021 (isto se não contraíssemos mais dívida).

Mas é precisamente este o plano congeminado em centros de decisão como Bilderberg, Trilateral ou o clube de Basileia, esta semana reunido em Nápoles : submeter os povos a uma dívida impagável, convencendo-os de que não têm alternativa, para que os Deutsche Bank, Goldman Sachs, Paribas, Santander continuem a enriquecer e ter, por isso, um poder descomunal e domínio sobre regiões inteiras do mundo, ao ponto de, já descaradamente, imporem os seus funcionários à frente de governos e instituições europeias.

 

DONDE VEM E QUE FAZER COM A DÍVIDA?

Por  Juan Torres López*

Há quatro falsidades que se utilizam habitualmente para confundir a população no que respeita à dívida, e para combater os movimentos e partidos progressistas.
A primeira é a de que a dívida é originada por o cidadão comum ter vivido acima das suas possibilidades, o que produz, logicamente, um grande sentimento de culpa e leva as pessoas a assumirem que há que pagá-la sem refilar.

A segunda é a de que a dívida pública existe porque há demasiadas despesas sociais.
A terceira é a de que os governos e partidos de esquerda em geral são partidários de aumentar sempre a dívida, porque não vêem nisso nenhum perigo.

A quarta é a de que os partidos, movimentos progressistas ou de esquerda não pagam a dívida e provocam, assim, problemas económicos muito maiores.
Vejamos uma por uma.

As famílias não são responsáveis da dívida
Em 2008, as famílias espanholas eram responsáveis, apenas, por 20% da dívida total espanhola (pública e privada). Além disso, e segundo o Banco de Espanha, metade das famílias espanholas não estava endividada naquele ano. No caso dos 40% das famílias mais pobres de Espanha, três quartos da sua dívida tinha a ver com a habitação, e se ela era alta não era porque gostassem, mas devido ao preço estabelecido pelos bancos que davam o empréstimo.

Pelo contrário, 57% do total da dívida espanhola foram originados pelos bancos e grandes empresas. Foram estes, portanto, quem, em todo o caso, viveram acima das suas possibilidades e não o cidadão comum a quem se está a passar a factura.
A dívida não tem origem nas despesas excessivas com o bem-estar.

Em 2008, a dívida pública representava, apenas, 19% da dívida total espanhola. Além disso, é evidente que a dívida pública não cresceu grandemente quando se foi consolidando o Estado de Bem-estar em Espanha, mas precisamente quando este se debilitou como consequência das crises, tal como vem acontecendo desde 2007. Nesse ano, a Espanha tinha uma das percentagens mais baixas de dívida de toda a União Europeia (36,3% do PIB, face a 65,2% da Alemanha,  64,2% da França ou 103,3% da Itália).
Pelo contrário, a dívida aumentou vertiginosamente quando a crise, a falta de actividade e as reformas fiscais favoráveis aos grupos com rendimentos mais altos e às grandes empresas e bancos produziu uma grande descida nas receitas públicas. Ao que se deve acrescentar a grande quantidade de dinheiro destinado a ajudar a banca.

E, de uma forma muito particular, a dívida cresceu extraordinariamente desde que se estabeleceu que os bancos centrais não podem financiar os governos.
Desde então, as despesas extraordinárias ou a queda nas receitas públicas que provocam aos governos, as crises financeiras ou as circunstâncias extraordinárias têm de ser financiados pela banca privada, com taxas de juro de mercado ou, inclusive, mais altas por culpa dos especuladores.

Os dados são claros: se excluirmos as despesas financeiras com o pagamento de juros, a imensa maioria dos países que faz parte do euro (entre eles a Espanha) regista um superavit orçamental, salvo em alguns anos excepcionais. Ou dizendo de outro modo, se os governos tivessem sido financiados pelos bancos centrais, com a mesma taxa de juro com que tão generosamente financiam agora os bancos privados, a dívida pública dos países seria mínima, quase insignificante.
E aqui aproveito para assinalar uma outra mentira complementar dos economistas liberais, quando dizem que, se isso fosse assim, isto é, se os bancos centrais financiassem os governos, produzir-se-ia uma inflação muito perigosa.

É outra falsidade porque, para que esse financiamento provocasse inflação teriam que dar-se, necessariamente, três condições: que o dinheiro dos bancos centrais chegue à economia (por isso, aquele que agora dão aos bancos não produz subida de preços), que quando chegue à economia se dirija ao consumo (e não como ocorre agora em grande medida para reduzir a dívida) e, além disso, que não aumente paralelamente a produção de bens e serviços. Portanto, se ao mesmo tempo que os bancos centrais financiam os governos, a produção de bens e serviços aumentar de modo proporcional (que é o que se deseja) não há perigo algum de inflação. E a dívida pública quase não existiria, salvo se, logicamente, outras circunstâncias estejam a provocar crise como as ajudas extraordinárias aos grupos privilegiados constantemente.
Quem incrementa a dívida são os bancos e os governos de direita.

É, também, falso que sejam os governos de esquerda que criam mais dívida.
Não há que esquecer nunca que criar dívida e aumentá-la constantemente é o negócio da banca. Portanto são os banqueiros quem, mais que ninguém, estão interessados em que aumente e quem faz todo o possível para que os governos tomem medidas que a provoquem ( diminuindo o rendimento das pessoas ou das empresas que não contam com financiamento próprio, promovendo a venda da habitação em vez do arrendamento, ou simplesmente corrompendo governos e políticos).

A história mostra claramente que as etapas de maior dívida estão unidas a fases em que os bancos estiveram mais desregulamentados e tiveram mais liberdade para fazer negócios e que foi, também, com governos de direita (Reagan, Bush, as ditaduras militares…ou, agora, Rajoy, em Espanha) que se alcançaram os níveis mais altos de défice ou dívida de todos os tempos, nos respectivos países.
Pelo contrário, os governos de esquerda ou progressistas, quase sempre e salvo alguma excepção, tiveram que engolir essa dívida previamente acumulada: ou fazendo mil equilíbrios para a pagar (como, por certo, a Venezuela bolivariana), ou, apesar de cortes e reestruturações da dívida, que beneficiaram também os credores, tiveram que assumir uma grande parte dela (como recentemente o Equador).

A dívida é impagável, e não que não se queira pagar.
Por último, é falso, também, que os movimentos ou partidos progressistas, como a Esquerda Unida ou Podemos, digam caprichosamente que não pagariam a dívida se governassem. Oxalá pudesse ser assim e que a dívida desaparecesse sem mais, de um dia para o outro!

Quanto a isto, a mim, parece-me que há que ir por partes.
Em primeiro lugar, os economistas mais sensatos, sejam de que cor forem e até os que trabalham em organismos como o FMI, sabem e inclusive reconhecem publicamente que a dívida que se acumulou no mundo, na Europa ou inclusive (embora em menor medida) em Espanha é materialmente impagável. De facto, se se quisesse pagá-la neste momento, não haveria meios suficientes para isso, de tanto que cresceu. É impossível, por exemplo, que uma boa parte das empresas espanholas, como reconheceu o FMI, gere, no futuro, lucros suficientes para poder acabar com a sua dívida.

Portanto, a questão não radica em dizer se se quer pagar ou não, mas em ser inteligentes e pôr sobre a mesa soluções que não continuem a paralisar a actividade produtiva, afundando as economias e… gerando mais dívida! Não tem sentido empenharmo-nos em fazer frente a algo impossível, que não convém a ninguém, excepto, claro está, à banca que, em 2013, meteu ao bolso, só na União Europeia e unicamente em juros, 365.017 milhões de euros e, desde 1995, 6,2 biliões de euros. O que há a fazer é estudar como sair deste círculo infernal em que estamos, reestruturando, por exemplo, uma determinada percentagem da dívida, para a converter em perpétua a 100 anos. E, evidentemente, recorrer a outras fontes de financiamento menos onerosas que a banca privada.
Coisa diferente é, por outro lado, que uma parte importante da dívida seja literalmente ilegítima ou odiosa, isto é, resultado de decisões tomadas materialmente contra as decisões ou desejos dos cidadãos. Neste caso, os povos têm o direito, depois de isso se demonstrar com toda a clareza, a repudia-la. Os Estados Unidos, sem ir mais longe, é talvez o país que, em maior número de ocasiões, ou promoveu, ou apoiou, ou estabeleceu o exercício deste direito.

Se amanhã um banco nos reclamar 10.000 euros, não lhe dizemos de imediato que não vamos pagar. Simplesmente, dirigimo-nos logo ao banco e comprovamos a origem dessa dívida. Se for correcta e legítima, não teremos outro remédio senão pagá-la, embora a sua origem não nos agrade de modo nenhum.
Desgraçadamente, os governos espanhóis dos últimos anos delapidaram recursos de todos os espanhóis. Uma classe política corrupta serviu-se do dinheiro público para enriquecer (embora nem sequer assim se possa dizer que esta seja a causa da nossa dívida total), os bancos pediram emprestado centenas de milhar de milhões para fazer negócio, financiando a especulação imobiliária, que agora não pode devolver e fizeram-se reformas que permitiram aos mais ricos não pagarem quase nada e destruíram a nossa capacidade de criar receitas. Tudo isto provocou uma dívida gigantesca, aumentada pela manipulação nos mercados e pela existência de instituições europeias que se dedicam a salvaguardar os interesses de uns países e de certos grupos sociais e financeiros contra os restantes.

Perante isto, não serve de nada ter ilusões, nem ser ingénuos. A traição dos partidos até agora governantes pagá-la-emos cara e o que temos a fazer não é acreditar que tudo é fácil e que se pode dar a volta à situação em 24 horas. Fará falta muita mão esquerda, muita transparência e democracia, para que as pessoas saibam o que se passou, muita inteligência para garantir a estabilidade e que a situação não se torne pior do que está hoje e fomentar um sentido, muito amplo e generoso, de patriotismo, para reunir a imensa maioria social, que incorpore na regeneração de Espanha o maior número possível de compatriotas. E mesmo assim, teremos muito sofrimento pela frete, porque a fraude e o roubo ao povo foram gigantescos.

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*Catedrático de Economia Aplicada, da Universidade de Sevilha

Original do texto em http://juantorreslopez.com/

 

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