O QUE ELES ESCONDEM

sábado, 1 de março de 2014


ISTO É O CAPITALISMO

A Comissão Europeia, o BCE e o FMI têm uma receita: aplicar austeridade para acabar com a recessão provocada pela austeridade, aumentando, assim, a dívida para se poder pagar a dívida. É de génios!
O FMI é um dos grandes defensores e arquitectos destas políticas, com larga experiência pelo mundo fora, desde a América Latina, nos anos 80 e 90, até à Rússia de Ieltsin, passando pela Hungria, Roménia, Letónia, Ucrânia, em 2008 e 2009, tendo deixado, invariavelmente, um rasto de destruição.
Ora, isto não é estupidez, nem tão-pouco ignorância ou incompetência, como alguns dizem, alargando estes qualificativos ao governo português. Não. É uma ideologia (agora chama-se neoliberal, mas sempre deu pelo nome de capitalismo) que se baseia no desprezo por quem trabalha, pelo ódio a tudo o que sejam serviços públicos e prestações sociais e que pretende transferir a maior parte da riqueza produzida para as mãos daqueles que vivem dos rendimentos do capital e da exploração do trabalho.
Dois estudos realizados, dentro do próprio FMI, revelam, precisamente, isso:
Michael Kumhof, responsável pelos modelos de “ajustamento” do FMI, e um seu colega, Romain Rancière, quiseram saber a causa do endividamento das pessoas. Depois de compararem o que aconteceu antes da Depressão de 1929 com o que antecedeu a que estamos a viver presentemente, chegaram à conclusão que se havia passado exactamente o mesmo: entre 1920 e 1928, a parte de toda a riqueza do país que os 5% mais ricos detinham aumentou de 24% para 34%; entre 1983 e 2007, essa parte para os 5% mais ricos subiu de 22% para 34%. E, nestes mesmos períodos, o endividamento das pessoas duplicou, como forma de fazer face à diminuição dos seus rendimentos, que haviam sido transferidos para uma minoria da população.(1)
Conclusão: o endividamento está na proporção directa das desigualdades sociais.
Que explicação há, então, para os responsáveis do FMI reincidirem no aparente erro?
A IEO (Independent Evaluation Office of the IMF), o Gabinete de Avaliação Independente, do FMI, num estudo interno, levado a cabo, em 2011, fez a seguinte pergunta ao grupo de especialistas do FMI: “Tem tido, frequentemente, a sensação de que alinha as suas investigações e conclusões com as ideias do FMI?” 62% dos inquiridos responderam que sim. Das entrevistas pessoais que a IEO realizou, o resultado foi: “Mais de metade dos investigadores disseram que tinham sido testemunhas ou que tinham ouvido falar de casos em que as conclusões de uma investigação haviam sido ajustadas à posição considerada como sendo a da instituição (...) Alguns comentaram que a autocensura era o mais fácil e que ela acontecia com frequência”. Este relatório sublinha, ainda, o “enviesamento ideológico” dos inquiridos.(2)
Aqui temos, pois, que “eles” (FMI, Comissão Europeia, BCE, governo português e todos os lacaios ao serviço das grandes corporações do capital) sabem, como nós sabemos, que estas políticas são “suicidas” para os países e respectivos povos, como diz Joseph Stiglitz (3), mas não para o grande capital que, esse, vai crescendo nos paraísos fiscais apátridas.
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(1) Kumhof, M e Rancière, R, www.voxeu.org/index.php?q=node/6075 , citado por Francisco Louçã e Mariana Mortágua em A Dividadura, Bertrand, 2012.

(2) IEO, Research at the IMF: relevance and utilization, 20 de Maio de 2011, §43, citado por Susan George em Cette fois, en finir avec la démocratie, Seuil, Paris, 2012

(3) Prémio Nobel da Economia de 2001. Demitiu-se da vice-presidência do Banco Mundial em protesto contra as políticas do FMI. Ver do autor O Preço da Desigualdade, Bertrand, 2013

 

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