ISTO É O CAPITALISMO
A Comissão Europeia, o BCE e
o FMI têm uma receita: aplicar austeridade para acabar com a recessão provocada
pela austeridade, aumentando, assim, a dívida para se poder pagar a dívida. É
de génios!
O FMI é um dos grandes
defensores e arquitectos destas políticas, com larga experiência pelo mundo
fora, desde a América Latina, nos anos 80 e 90, até à Rússia de Ieltsin,
passando pela Hungria, Roménia, Letónia, Ucrânia, em 2008 e 2009, tendo
deixado, invariavelmente, um rasto de destruição.
Ora, isto não é estupidez,
nem tão-pouco ignorância ou incompetência, como alguns dizem, alargando estes
qualificativos ao governo português. Não. É uma ideologia (agora chama-se
neoliberal, mas sempre deu pelo nome de capitalismo) que se baseia no desprezo
por quem trabalha, pelo ódio a tudo o que sejam serviços públicos e prestações
sociais e que pretende transferir a maior parte da riqueza produzida para as
mãos daqueles que vivem dos rendimentos do capital e da exploração do trabalho.
Dois estudos realizados,
dentro do próprio FMI, revelam, precisamente, isso:
Michael Kumhof, responsável
pelos modelos de “ajustamento” do FMI, e um seu colega, Romain Rancière,
quiseram saber a causa do endividamento das pessoas. Depois de compararem o que
aconteceu antes da Depressão de 1929 com o que antecedeu a que estamos a viver
presentemente, chegaram à conclusão que se havia passado exactamente o mesmo: entre
1920 e 1928, a parte de toda a riqueza do país que os 5% mais ricos detinham aumentou
de 24% para 34%; entre 1983 e 2007, essa parte para os 5% mais ricos subiu de
22% para 34%. E, nestes mesmos períodos, o endividamento das pessoas duplicou,
como forma de fazer face à diminuição dos seus rendimentos, que haviam sido
transferidos para uma minoria da população.(1)
Conclusão: o endividamento
está na proporção directa das desigualdades sociais.
Que explicação há, então,
para os responsáveis do FMI reincidirem no aparente erro?
A IEO (Independent
Evaluation Office of the IMF), o Gabinete de Avaliação Independente, do FMI,
num estudo interno, levado a cabo, em 2011, fez a seguinte pergunta ao grupo de
especialistas do FMI: “Tem tido, frequentemente, a sensação de que alinha as
suas investigações e conclusões com as ideias do FMI?” 62% dos inquiridos
responderam que sim. Das entrevistas pessoais que a IEO realizou, o resultado
foi: “Mais de metade dos investigadores disseram que tinham sido testemunhas ou
que tinham ouvido falar de casos em que as conclusões de uma investigação
haviam sido ajustadas à posição considerada como sendo a da instituição (...) Alguns comentaram que a autocensura era
o mais fácil e que ela acontecia com frequência”. Este relatório sublinha,
ainda, o “enviesamento ideológico” dos inquiridos.(2)
Aqui temos, pois, que “eles”
(FMI, Comissão Europeia, BCE, governo português e todos os lacaios ao serviço
das grandes corporações do capital) sabem, como nós sabemos, que estas
políticas são “suicidas” para os países e respectivos povos, como diz Joseph
Stiglitz (3), mas não para o grande capital que, esse, vai crescendo nos
paraísos fiscais apátridas.
__________________
(1) Kumhof, M e Rancière, R,
www.voxeu.org/index.php?q=node/6075
, citado por Francisco Louçã e Mariana Mortágua em A Dividadura, Bertrand, 2012.
(2) IEO, Research at the IMF: relevance and
utilization, 20 de Maio de 2011, §43, citado por Susan George em Cette fois, en finir avec la démocratie,
Seuil, Paris, 2012
(3) Prémio Nobel da Economia
de 2001. Demitiu-se da vice-presidência do Banco Mundial em protesto contra as
políticas do FMI. Ver do autor O Preço
da Desigualdade, Bertrand, 2013
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