O QUE ELES ESCONDEM

segunda-feira, 23 de junho de 2014


A CONTRA-OFENSIVA DA DIREITA INTERNACIONAL

Por Emir Sader*

O novo ataque dos fundos abutres contra a Argentina forma parte de uma contra-ofensiva mais ampla da direita internacional contra os países progressistas da América Latina. Através dos seus principais porta-vozes nos mediaFinancial Times, Wall Street Journal, The Economist, El País – a direita ataca sistematicamente esses governos, que não aceitaram os ditames do Consenso de Washington(1). E, por isso mesmo, esses governos latino-americanos conseguiram evitar a recessão capitalista internacional, que se instalou, há mais de seis anos, no centro do próprio sistema, arrasando os direitos sociais e da qual ainda não se vislumbra o fim.
Os países latino-americanos que continuam a crescer e a distribuir riqueza, ao mesmo tempo que diminuem a desigualdade, que aumenta exponencialmente no centro do sistema, são um factor de perturbação, a prova concreta de que existe outra forma de fazer frente à crise, de que se pode distribuir riqueza, recuperar o papel activo do Estado, apoiar-se nos países do sul do mundo e resistir à crise.

Por isso dá-se a contra-ofensiva actual da direita, que procura demonstrar que já não há mais espaço para que a economia destes países continue a crescer; que os avanços nas políticas sociais não são nada disso e que a questão da dívida ainda não está resolvida. É crucial para as grandes potências tentar mostrar que não há alternativa ao Consenso de Washington.
A formidável arquitectura da renegociação da dívida argentina nunca foi assimilada pelas grandes potências. No caso de resultar, que mau exemplo para a Grécia, Portugal, Espanha, Egipto, Ucrânia e tantos outros países, presos nas armadilhas do FMI! Têm que demonstrar que os ditames da ditadura do capital especulativo são inquestionáveis.

A nova ofensiva contra a Argentina tem que ter resposta de todos os governos latino-americanos, que são, em diferentes níveis, igualmente vítimas do capital especulativo, esse que resiste a reciclar-se no investimento produtivo de que necessitamos. Está na hora de que os governos dos outros países da região não só acompanhem as missões argentinas, mas também assumam a intenção de cobrar impostos à livre circulação do capital financeiro. Uma medida indispensável, urgente, que só pode ser assumida por um conjunto de países, em coordenação.
Deste modo, o Brasil pode ajudar a Argentina – sugeriu-o, há pouco, um importante economista brasileiro – oferecendo-se como país intermediário do pagamento. A Argentina remetiria os recursos e o Brasil faria o pagamento aos credores legítimos, sem possibilidade de serem confiscados. Uma pequena ajuda que permitiria à Argentina pagar aos credores – 92% do total – que aceitaram os termos da renegociação.

Uma renegociação que, nos critérios vigentes em quase todos os países, determina que, quando dois terços ou três quartos das partes acordem os termos do resgate, os outros, automaticamente, têm de aceitar esses termos. É tempo de a América Latina formalizar esse critério.
Muitos países do mundo olham para a América Latina para entender como pôde livrar-se das suas dívidas externas. Esses mesmos países olham agora para a Argentina. Porque sabem que aqui está em jogo muito mais do que simplesmente o 8% da dívida remanescente. Está em jogo a soberania dos países, face àqueles que querem vergá-los ao peso das dívidas contraídas por governos que servem o FMI e os seus porta-vozes.

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* Professor universitário brasileiro, autor, entre outros, de El nuevo topo – Los caminos de la izquierda latino-americana, ed. El viejo Topo

Texto original em Publico.es
(1) O Consenso de Washington, entre o FMI, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Departamento do Tesouro norte-americano, consiste em 10 pontos:

1. Défice zero
2. Transferência da despesa pública social para “sectores que favoreçam o crescimento”.

3. Reforma fiscal, alargando a base de contribuintes e diminuindo as taxas de imposto. (Isto é, pôr os que têm rendimentos mínimos a pagar e reduzir o imposto a quem tem maiores rendimentos).
4. Desregulamentação financeira, com taxas de juro livre, de acordo com o mercado.

5. Taxa de câmbio da moeda mais competitiva.
6. Liberalização do comércio internacional, com diminuição das barreiras alfandegárias.

7.  Eliminação das barreiras aos investimentos estrangeiros directos.
8 .  Privatização das empresas públicas e dos monopólios estatais.

9 .  Desregulamentação dos mercados.
10.  Protecção da propriedade privada. (Não da pública)

Esta cartilha, inicialmente imposta aos países da América Latina, cujo primeiro e  bom aluno foi Pinochet, é aquela por onde os governos de Portugal, Grécia ou Espanha estão agora a ler, a mando da Alemanha. (N.T.)

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