OS DE CIMA MOVEM AS SUAS PEDRAS
Por Juan Torres López*
Os resultados eleitorais de
25 de Maio puseram em xeque a classe política que mantém o regime, o poder
bancário e empresarial e os media que
tratam de configurar a opinião. E à claríssima desaprovação social que isso
supôs, seguiu-se um verdadeiro terramoto político.
Aquele que foi um dos
elementos fundamentais em todos os grandes pactos de Estado, nos últimos 25
anos, Alfredo Pérez Rubalcaba, convocava um congresso que o porá fora de jogo,
para tratar de paliar a desafeição eleitoral, impossível já de dissimular, que
a traição do governo de Zapatero trouxe consigo e que quebra um dos pilares
fundamentais do regime.
O patronato não tardou, nem
quarenta e oito horas, a dizer que se devia pensar em subir os salários,
reconhecendo, assim, que começa a carecer de força política, de legitimação e
de instrumentos para continuar a defender a política económica que vem sendo
aplicada, com o único objectivo de aumentar o seu poder e a retribuição do
grande capital.
Rajoy anunciou, rapidamente,
que poria em andamento um programa de estímulo, numa linha completamente
contrária à que tem defendido, para dar a entender que responde ao
descontentamento e às exigências sociais, que as eleições puseram em evidência.
Os media e a classe política atiraram-se ao pescoço de Podemos (N.T.), lançando acusações tão
exageradas que se tornaram ridículas, e mostram um servilismo e um medo tão
patentes que acabam por ajudar a que esta nova força política se consolide como
detonador de um movimento social arrasador, em que pode converter-se, se se
fizerem bam as coisas.
E, como se tudo isto fosse
pouco, o rei anuncia, de modo claramente improvisado, a abdicação, que havia
negado que pudesse acontecer, quando o filho e sucessor se encontra a milhares
de quilómetros e a rainha, que casualidade, mal tinha tido tempo de abrir as
malas que levara para a reunião do grupo Bilderberg, onde se movem os fios do
poder mundial.
Os de cima assustaram-se e
moveram as suas pedras a toda a pressa. Tratam de evitar que os escândalos da
Casa Real continuem a salpicar todo o sistema e querem dar uma aceleradela
institucional com a coroação do sucessor de don Juan Carlos, para pôr um travão
à decomposição e deslegitimação galopante que a acção do PP, do PSOE, da
direita nacionalista e dos seus representantes nas instituições do Estado e no
poder económico está a gerar, à base de roubos, de corrupção generalizada, de
injustiças flagrantes e de incompetência manifesta.
Trata-se de uma operação por
detrás da qual se encontram todas as molas do poder político, económico,
financeiro e mediático, mas que vai fracassar estrepitosamente. É impossível
que seja de outra maneira, porque sem dar o protagonismo ao povo e sem deixar
que este se pronuncie sobre como resolver “as transformações e reformas que a
conjuntura actual exige” (nas palavras do rei), não se poderá dissimular o que
realmente encobre aquilo que puseram em marcha: uma tentativa desesperada para salvaguardar
os interesses dos mesmos que provocaram os problemas e dizem, agora, que vão
resolver a toda a pressa.
Os dois grandes partidos,
que vão impulsionar esta aceleração institucional (a coroação do novo rei e a
posterior reforma constitucional que pretendem levar a cabo), não obtiveram, em
conjunto, mais que 21,6% dos votos de toda a população espanhola com direito a
voto, no passado dia 25 de maio (e isto sem contar com o facto de que uma parte
importante dos votantes do PSOE, muito possivelmente, não concordar com os seus
dirigentes). Quem acreditrá que, com este grau de apoio social, poderá ter
êxito uma operação de mudança, tão profunda como a que estão a planear?
Pode-se argumentar que, em
termos de representação parlamentar, e como propagandeiam todos os media, contam com mais de 90% dos
deputados, mas o que isso, precisamente, indica é que este parlamento já não
representa, realmente, a sociedade espanhola que, antes, o elegeu.
Têm razão Rajoy e outros
dirigentes do PP quando dizem que o que devemos fazer, os que defendem um
referendo para dilucidar quem deve ser o próximo Chefe de Estado, é propor uma
reforma da Constituição. Efectivamente, esse é o verdadeiro desafio, quando
quem diz defendê-lo não a cumpre. Por isso, o que há a fazer é denunciar tudo o
que se está a passar e somar apoios, para regenerar a Espanha e salvá-la de uma
minoria que a afundou na miséria, com base na corrupção e em enganos. Há que
reclamar a celebração de novas eleições gerais e que se abra, quanto antes, um
processo de consulta ao povo espanhol. O contrário seria outro insulto e outra
agressão inaudita à soberania nacional, que, realmente, está no povo e não nuns
representantes sobre os quais recaiu, com toda a razão, a suspeita de que
deixaram de o ser. E essa é, não nos esqueçamos, uma tarefa impossível de levar
a cabo se não for com uma maioria social amplíssima. Não se trata de reagrupar
apenas os republicanos ou apenas as pessoas de esquerda ou de qualquer outra
corrente. Há que forjar um novo projecto de Estado e isso requer a colaboração
e a cumplicidade de todos, exactamente ao contrário de como querem fazer os lá
de cima.
Artigo publicado no www.publico.es, em 5-6-2014 e disponível no site do autor Ganas de Escribir
________________(N.T.) Movimento de cidadãos de esquerda, que apareceu, organizado, 4 meses antes das eleições europeias, e obteve 1.245.948 de votos (7,97%).
* Catedrático e investigador no Departamento de Teoria Económica e Economia Política, da Universidade de Sevilha.
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