O QUE ELES ESCONDEM

sexta-feira, 20 de junho de 2014


PAZ E PÃO
Surgiu em Espanha uma nova formação política de esquerda, inspirada no movimento dos Indignados, que ocuparam, durantes meses, o centro de Madrid.

Chama-se Podemos e, em quatro meses, organizaram-se para concorrer às últimas eleições europeias, tendo obtido 1.245.948 votos (8%).
Durante a campanha eleitoral, os meios de comunicação espanhóis ignoraram-nos, contra toda a ética jornalística e democrática.

Depois dos resultados eleitorais e verificando que este movimento capta a simpatia de muita gente, estão a desencadear uma ofensiva contra o Podemos.
E, como Moscovo já não é o que era – uma referência para a luta e aspirações dos trabalhadores –, servem-se da Venezuela e outros países da América Latina, cujos governos, eleitos, se puseram do lado do povo e, por esse motivo, são odiados pelo poder deste “democrático” ocidente.

Assim, ontem, véspera da proclamação do novo rei de Espanha, o jornal El País que, nos últimos tempos, se tem mostrado ardente defensor da monarquia, dedicou página e meia, com chamada na 1ª página a uma coluna, a insinuar que o Podemos recebe dinheiro do estrangeiro, particularmente, da Venezuela (1).
A orquestração contra aquele movimento político verifica-se desde as emissões da rádio COPE, de ultra direita, ligada à igreja católica espanhola, até ao PP e PSOE.

Como Lenine dizia, “se o teu inimigo te elogiar, vê que erro cometeste”, nós deveríamos, segundo a mesma lógica, pensar que “ se o teu inimigo te atacar de forma violenta, estás no bom caminho”.
Esta é a nossa convicção.

A luta de Podemos poderá ficar pelo caminho, já que a direita controla todos os poderes, inclusive, os meios de comunicação (convém saber que o El País, considerado por muito boa gente como jornal de esquerda, teve como accionista, até à sua morte, o ex-ministro de Franco, Fraga Iribarne.)
Transcrevemos, a seguir, uma intervenção pública de Pablo Iglesias, um dos fundadores de Podemos. Pelo que diz e acima relatamos, parece-nos importante ouvir/ler o que pensa sobre a forma de luta a desenvolver.

Fica aqui o vídeo e o texto que, apesar de o som não nos permitr apanhar algumas palavras, percebe-se perfeitamente a sua mensagem.
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(1) Alguns dos militantes do Podemos colaboraram no CEPS (Centro de Estudios Políticos y Sociales) como assessores especializados em Direito, Economia ou Ciências Políticas, a pedido de organizações e Estados da América Latina. Alguns elementos do PSOE e da IU colaboraram, igualmente, neste Centro de Estudos, que terminou as suas funções em 2012.

Vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=dtyYTmigjJg&feature=player_embedded

 (Transcrição):
 “Eu sei, eu sei que a chave para entender a História dos últimos 500 anos é a formação de umas categorias sociais, que se chamam classes. Claro que o sei. Vou contar-vos uma anedota, quando começou o 15 M. Na Puerta del Sol, alguns estudantes da minha Faculdade, Faculdade de (Ciências) Políticas, estudantes muito politizados, tinham lido Marx, tinham lido Lenine, participaram, pela 1ª vez na sua vida em assembleias com gente (?) e desesperavam-se. Diziam: “Claro, não entendem nada. Estamos-lhes dizendo: tu és um operário, embora não o saibas”. E as pessoas olhavam para eles como a extraterrestres e eles iam para casa muito tristes, porque diziam: “É que não entendem nadu podes ter o melhor diagnóstico, chegar a casa e compreender a chave do desenvolvimento político, desde o séc.XVI, e entender que o materialismo histórico é a chave para compreender o desenvolvimento dos processos sociais. Mas, o que vais fazer às pessoas é gritar-lhes: “Vocês são operários, embora não o saibam”?

(?) inimigo desejando rir-se de ti. Podes vestir uma camiseta com a foice e o martelo, podes, inclusive, arvorar uma bandeira enorme, de metros e metros e metros e metros e voltares para casa com a tua bandeira, enquanto o teu inimigo está a rir-se de ti, porque o povo, os trabalhadores preferem-no a ele, acreditam nele, entendem-no quando ele fala e não te entendem a ti e tu podes ter razão e pedir aos teus filhos que ponham, numa placa, na tua tumba, “ele sempre teve razão, embora ninguém o soubesse”. Mas quando estudas as experiências com êxito dos movimentos de transformação, das-te conta de que a chave do êxito é conseguir estabelecer uma certa identificação entre os diagnósticos e o que sente a maioria. Isso é muito difícil, isso implica cavalgar contradições.
Tu julgas que eu tenho algum problema ideológico – alguma greve de 48, 72, selvagem, nenhum. Mas os que a fzem não têm nada que ver com a vontade que tu ou eu tenhamos de a fazer, tem que ver com a força das organizações sindicais e aí, suspeito, que nem tu nem eu pintamos alguma coisa. Tu e eu podemos querer, podemos desejar que a Terra seja o paraíso, pátria da humanidade, podemos desejar o que quisermos e pintar na camiseta o que nos apetecer, mas a política tem a ver com a força, não com os desejos, nem com o que se diz numa assembleia.

Neste país só há dois sindicatos com capacidade para organizar uma greve geral e são CCOO e UGT, goste eu ou não, mas é o que existe. E fazer uma greve geral é muito difícil. Eu estive nos piquetes, em Cocheras, em Madrid, com gente que estava nos piquetes e, de manhã, quando amanhecia, sabes para onde eles tinham de ir? Para o trabalho. E não era(?) é que os punham na rua. No seu trabalho não havia organizações sindicais que os pudessem defender. Porque os trabalhadores que podem defender-se, como os dos estaleiros navais, como os mineiros, é porque têm sindicatos fortes. Mas, os moços que trabalham como teleoperadores ou na telepizza ou as moças que estão nas lojas não podem defender-se. Despedem-nos no dia seguinte e não vais estar tu, nem vou estar eu, nem nenhuma organização sindical que lhes garantize que pode sentar-se com o chefe e lhe diga; “é melhor para ti que não despeças esta pessoa por ter exercido o seu direito à greve porque, então, vai-te sair mais caro”. Mas isso não acontece, por muito estusiasmo. A política não é o que gostaríamos que fosse, é o que é e é terrível. Por isso há que falar de unidade popular, há que ser humilde, porque às vezes, há que falar com gente que não gosta da tua linguagem, que não se identifica com os termos com que tu explicas as coisas e isso o que revela? Uma derrota de muitos anos. É que perder, sempre implica isso. Perder sempre implica que o sentido comum geral das pessoas é diferente. Mas isso não é coisa nova. Isso era sabido pelos revolucionários de sempre. E a chave é conseguir que o sentido comum vá numa direcção de mudança. César Rendueles que é mais esperto que a fome, diz que a maior parte das pessoas está contra o capitalismo e não o sabe. A maioria das pessoas defende o feminismo sem ter lido (?) ou Simone de Beauvoir. Quando vês um pai a lavar os pratos ou a brincar com a filha ou quando vês um avô que está a ensinar ao seu neto que os briquedos se partilham, há aí mais de transformação social do que em todas as bandeiras vermelhas que tu queiras levar a uma manifestação. E, ou entendemos isso, que as coisas podem ou (?) ou continuarão a rir-se de nós.
O inimigo quer-nos assim, o inimigo quer-nos pequenos, com uma liguagem que ninguém entende, querem-nos minoritários, querem-nos refugiados nos nossos símblos de sempre. Estão encantados porque sabem que assim não representamos um perigo. Podemos ter um discurso muito radical e dizer “Queremos fazer uma greve selvagem, o povo em armas”, os símbolos mais fortes, um montão de (?), podemos levar retratos para a manifestação do grande líder revolucionário. Eles estão encantados, eles riem-se de nós. Agora, quando juntas centenas, milhares de pessoas, quando de repente o que estão a dizer convence a maioria, a isso chama-se fazer política e este é o principal ensinamento.

Havia um camarada que falava dos (?) em 1905, aquele careca, com uma mancha na cabeça que era uma mente prodigiosa, prodigiosa. O que entendeu foi a análise concreta da situação concreta, num momento de guerra em que o poder estava de rastos, na Rússia, e disse uma coisa super-simples, uma coisa muito simples a todos os russos, fossem soldados, fossem camponeses, fossem trabalhadores. Disse-lhes “paz e pão” e quando disse “paz e pão” que era o que toda a gente queria, que acabasse a guerra e pudesse comer, então um montão de russos que não tinha nenhuma ideia de se eram de esquerda ou de direita, que basicamente tinha fome, disse “Pois há-de ter razão, este careca”. E ao careca resultou-lhe muito bem, ao careca resultou-lhe muito bem. Não lhes disse “materialismo dialéctico” ao povo do seu país, disse-lhes “paz e pão” e essa é uma das principais lições do séc. XX.
Quando se pretende transformar as coisas, copiando a História, copiando os símbolos, o que se acaba fazendo, com todo o carinho, com todo o respeito, é o ridículo. Não vai vir nunca em nenhum país nenhuma experiência concreta para repeti-la sem mais nem menos. A chave é analisar os processos, analisar as lições das História e compreender que em cada momento o que significa “paz e pão.

Se isso não tem que ver com o que sente a maioria das pessoas, é uma reprodução em forma de farsa do que pôde ser uma vitória, trágica em certos momentos.”

 

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